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1- INTRODUÇÃO

2.7 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA TOXOPLASMOSE CONGÊNITA

A toxoplasmose congênita pode apresentar-se como uma entre quatro formas clínico-evolutivas: infecção subclínica (assintomática), doença sistêmica ou neurológica ao nascimento, doença grave ou leve nos primeiros meses de vida e seqüelas ou recidivas de infecção prévia não diagnosticada. As manifestações clínicas são variadas, podendo ocorrer hidrocefalia, microcefalia, hepatoesplenomegalia, icterícia, surdez, exantema petequial, calcificações intracranianas, microftalmia, retinocoroidite, estrabismo, nistagmo, catarata e glaucoma (Remington et al., 2005)

A tétrade de Sabin é caracterizada por hidrocefalia ou microcefalia, retardo psicomotor, calcificações intracranianas e retinocoroidite. Como o retardo psicomotor é uma manifestação mais tardia da doença, alguns autores chamam a

tétrade de Sabin de tríade de Sabin que é caracterizada por hidrocefalia, calcificações intracranianas e retinocoroidite (Remington et al., 2005). Ela ocorre em apenas 10 a 15% dos casos. Nas formas mais graves é habitual o envolvimento de outros órgãos podendo ocorrer pneumonia, miocardite, colestase, anemia, trombocitopenia, meningoencefalite e anormalidades liquóricas (Lynfield & Guerina, 1997).

A maioria das crianças com toxoplasmose congênita é assintomática ao nascimento (70 a 90%) e a maior parte delas (65 a 85%), vai desenvolver seqüelas durante a infância, adolescência e início da vida adulta (Wilson et al., 1980; Koppe et al., 1986; Gratzl et al., 1998; O'Neill, 1998; Foulon et al., 1999; Lebech et al., 1999; Brezin et al., 2003; Safadi et al., 2003; Many & Koren, 2006).

A retinocoroidite é a manifestação mais comum da doença e sua principal seqüela. Estima-se que em países da Europa, a lesão de retinocoroidite é observada logo após o nascimento em 10% das crianças infectadas e novas lesões poderão aparecer em qualquer idade (Gilbert et al., 2007; Tan et al., 2007). Mesmo crianças tratadas adequadamente com medicação específica durante todo o primeiro ano de vida poderão desenvolver lesão ocular tardia (McAuley et al., 1994; Gras et al., 2001). Na América do Sul as lesões de retinocoroidite são mais comuns e mais graves devido à maior virulência dos parasitas (Gilbert & Dezateux, 2006; Gomez-Marin & dela Torre, 2007).

Estudos com modelos experimentais para a toxoplasmose ocular têm demonstrado a presença de cistos intra-retinianos de T.gondii com potencial para lesão ocular tardia e recorrência (Gazzinelli et al., 1994; Pavesio et al., 1995). Os cistos de T. gondii podem estar presentes até mesmo em retinas aparentemente normais ao exame do fundo de olho (Brezin et al., 2003).

Koppe et al (1986) seguiram de maneira prospectiva 11 recém-nascidos com toxoplasmose congênita. Desses, quatro (36,6%) apresentavam doença retiniana ao nascimento. Depois de 20 anos de seguimento, 82% dos infectados tinham evidência de retinocoroidite (Koppe et al., 1986). Achados similares foram, anteriormente, observados por Wilson et al (1980) que seguiram 13 crianças com infecção sub-clínica ao nascimento e no período de seguimento ao longo dos anos, 11 (84,6%) apresentaram retinocoroidite (Wilson et al., 1980).

Apesar dos autores acima ressaltarem o aparecimento de lesão ocular tardia nas crianças com toxoplasmose congênita, evidências obtidas á partir de alguns estudos mostram, de maneira consistente, que o aparecimento da lesão ocular após os dois anos de idade, em crianças sem lesão prévia descrita, é incomum e pode representar uma falha na detecção dessas lesões nos exames anteriores: 1/20 crianças após dois anos de idade em alguns estudos de coorte (Guerina 1994; Lappalainen et al. 1995a; Lebech et al. 1999); 3/9 crianças após seis anos de idade por Koppe et al (1986); 2/54 pacientes seguidos por 1-5 anos por Mets et al (1997); 2/49 crianças depois de dois anos de idade e seguidas por 2-11 anos por Couvreur et al (1984) e 2/37 crianças depois dos 10 anos de idade por Peyron et al (1996).

Recentemente, um estudo experimental para a toxoplasmose congênita realizado em fêmeas grávidas de camundongos C57BL/6 mostrou que os embriões infectados pelo T.gondii desenvolveram retinocoroidite antes mesmo do nascimento. Os autores desse trabalho sugerem que a lesão ocular da toxoplasmose congênita não é uma manifestação tão tardia da doença e que o olho é afetado logo nas fases iniciais da infecção (Tedesco et al., 2007).

Na retina, a infecção congênita pode levar a formação de áreas brancas de retinocoroidite focal necrótica, uni ou bilaterais, localizadas principalmente na mácula (Bosch-Driessen et al., 2002). A predileção do parasita pelo polo posterior na toxoplasmose congênita está associada ao fato de que essa região se torna vascularizada muito cedo no processo de desenvolvimento ocular e apesar da mácula ser avascular, ela obtém seu suprimento sanguíneo de arteríolas terminais que formam um grande plexo capilar em torno dela. Como o T. gondii atinge o olho, provavelmente, pela rota hematogênica, a presença do parasita nos capilares terminais poderia facilitar o estabelecimento da infecção nessa delicada região do olho (Fiona et al., 2001).

As áreas de retinocoroidite ativas podem ser pequenas ou grandes, simples ou múltiplas, associadas ao edema retiniano ou a cicatrizes de retinocoroidite adjacentes. Altas taxas de acometimento bilateral são descritas na toxoplasmose congênita (Peyron et al., 1996; Mets et al., 1997; Wallon et al., 2004; Kodjikian et

al., 2006) e o envolvimento ocular é mais freqüente em associação à doença

neurológica (95%) do que à doença disseminada (66%) (Remington et al., 2005). Outras alterações oculares podem estar presentes tais como o estrabismo, catarata, glaucoma e nistagmo, geralmente associados à retinocoroidite macular bilateral.

Devido à imaturidade do sistema imunológico do recém-nascido, a vitreíte e a presença de sinais inflamatórios no segmento anterior do olho podem ser discretas ou até mesmo estar ausentes (Velilla et al., 2006; Levy, 2007; Petrova & Mehta, 2007)

Guerina et al (1994) identificaram pela triagem neonatal em Massachusetts (janeiro de 1986 - junho de 1992) e New Hampshire (julho de 1988 - junho de

1992), 50 crianças com toxoplasmose congênita. O exame oftalmológico foi realizado no período neonatal em 48 delas. Lesão ocular ativa foi constatada em 2/48 (4%) e cicatriz de retinocoroidite em 7/48 (15%). Das nove crianças com retinocoroidite, sete apresentavam lesão macular. O seguimento ocular de 39 crianças, tratadas no primeiro ano de vida, até seis anos de idade mostrou o aparecimento de nova lesão ocular, em quatro (10%) (lesão macular em uma e cicatrizes retinianas pequenas em três).

Um estudo prospectivo longitudinal de 76 recém-nascidos com toxoplasmose congênita tratados com pirimetamina e sulfadiazina por aproximadamente um ano e, 18 indivíduos não tratados durante o primeiro ano de vida mostrou que a cicatriz de retinocoroidite foi o achado mais comum, com predomínio de lesões na mácula. A cicatriz macular estava presente em 54% dos pacientes tratados (41% bilaterais) e em 76% dos pacientes não tratados (23% bilaterais). Estrabismo ocorreu em 34% dos casos, microftalmia em 13%, catarata em 9% e nistagmo em 26% (Mets et al., 1997).

Sáfadi et al (2003), acompanharam por um período de cinco anos, 43 crianças com toxoplasmose congênita, no Hospital da Santa Casa de São Paulo. Eles observaram uma prevalência de infecção subclínica ao nascimento de 88%. Das 43 crianças, 22 (51%) desenvolveram manifestações neurológicas e 41 (95%) apresentaram retinocoroidite. Das alterações oculares associadas, o estrabismo foi a mais freqüente (49%). Microftalmia ocorreu em apenas 9,3% dos casos (Safadi et al., 2003).

Wallon et al (2004) seguiram por um período de 14 anos, em um hospital de Lyon na França, 327 crianças diagnosticadas com toxoplasmose congênita. A lesão de retinocoroidite foi identificada em 79 delas (24%). Apenas nove crianças

(3%) apresentavam lesão ocular no primeiro mês de vida e 38 (12%) desenvolveram pelo menos uma lesão durante o primeiro ano. Metade das lesões oculares iniciais foi diagnosticada ao longo do primeiro ano de vida. A retinocoroidite foi a principal seqüela da toxoplasmose congênita nessas crianças.

Schmidt et al (2006) avaliaram os resultados dos primeiros quatro anos do programa nacional de triagem neonatal para a toxoplasmose congênita realizado na Dinamarca. Foram identificadas 55 crianças com a doença e 47 foram submetidas ao exame oftalmológico. Aproximadamente 14,9% (7/47) possuíam lesões retinianas ao nascimento (todas na região macular); 23,5% (8/34) com um ano de idade e 25% (4/16) com três anos de idade. Calcificação intracraniana foi o principal achado neurológico (10/47) e em metade dos casos, ela estava associada à lesão de retinocoroidite.

Em outro estudo prospectivo longitudinal, 430 crianças com sorologia positiva para a toxoplasmose congênita foram acompanhadas por aproximadamente 12 anos. A lesão de retinocoroidite foi detectada em 130 crianças (30,2%), sendo 22 focos de retinocoroidite diagnosticados ao nascimento (18 crianças) e 264 durante o seguimento. As lesões detectadas ao nascimento estavam localizadas principalmente na região macular e a alteração ocular mais frequentemente associada à retinocoroidite, nesses casos, foi o estrabismo. Manifestações neurológicas foram observadas em 16 crianças sem lesão ocular e em 25 com lesão ocular (Kodjikian et al., 2006).

Outros estudos, também evidenciaram a retinocoroidite como principal manifestação da toxoplasmose congênita e o estrabismo com principal alteração ocular associada (Bahia, 1991; Meenken et al., 1995; Peyron et al., 1996; Villena

Na toxoplasmose congênita, o espectro das manifestações neurológicas é variado, e como já foi dito, é mais freqüente nas crianças com lesão ocular. Na doença com predomínio de manifestações neurológicas, a freqüência de retinocoroidite é de 94,4%, quando as lesões neurológicas são discretas ou ausentes, a incidência de retinocoroidite cai para 65,9% (Remington et al., 2005). Os sinais neurológicos freqüentemente aparecem entre três e 12 meses de vida e os sintomas neurológicos raramente se desenvolvem após o primeiro ano.

As lesões cerebrais causadas pelo toxoplasma são: inflamação de meninges e áreas de necrose cerebral e meníngea. Os locais geralmente mais acometidos pela necrose são: o parênquima cerebral, os gânglios da base e a região do aqueduto de Sylvius (Diebler et al., 1985). Ao nascimento, é possível a detecção de calcificações das áreas de necrose e isso ocorre, provavelmente, pelo número insuficiente de fagócitos capazes de remover os debris inflamatórios (Mussbichler, 1968; Patel et al., 1996).

A forma e a localização das calcificações intracranianas podem variar de acordo com o tempo da infecção materna: massas grandes e densas no gânglio basal se a infecção ocorrer antes da vigésima semana de gestação, pequenas e redondas em torno dos ventrículos laterais se a infecção ocorrer entre a vigésima e trigésima semana e calcificações pequenas e disseminadas no parênquima cerebral (mais freqüentes) se a infecção ocorrer em qualquer época da gestação, mas principalmente a partir da trigésima semana (Diebler et al., 1985).

A presença de calcificações intracranianas não tem mostrado associação com deficiência de aprendizagem (Figueiredo et al., 1989) e a presença de calcificações nodulares disseminadas não sugere, necessariamente,

um pior prognóstico e podem melhorar ou até mesmo desaparecer com o tratamento específico para a toxoplasmose (Patel et al., 1996).

Entre as mais comuns manifestações do sistema nervoso central está a hidrocefalia que pode aparecer ao nascimento ou logo após. Geralmente é progressiva, por isso a importância do monitoramento do crescimento cefálico.

A microcefalia reflete dano cerebral grave e pode resultar em retardo mental, mas crianças com microcefalia também podem se desenvolver normalmente (Remington et al., 2001; Remington et al., 2005)

Em um estudo, foi avaliada a freqüência e o tipo de alterações tomográficas cerebrais em pacientes com diagnóstico de toxoplasmose congênita, que apresentavam alterações oftalmológicas. As lesões cerebrais radiologicamente mais freqüentes foram as calcificações intracranianas, presentes em 16 pacientes (72,7%). Dentre esses, nove (56,2%) possuíam apenas calcificações e sete (43,75%) apresentavam-nas em conjunto com outro tipo de alteração neurológica. A dilatação ventricular foi a segunda alteração mais freqüentemente encontrada (11,7%) (Melamed et al., 2001).

2.8 A resposta imune ao Toxoplasma gondii

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