• Nenhum resultado encontrado

O fenómeno de interacção ventricular corresponde ao comprometimento da função, ou débito, de um ventrículo secundária à hipertrofia, distensão, elevação de pressões ou disfunção do ventrículo contralateral. Compreende dois mecanismos distintos, um de interacção em série, pelo qual a queda do débito de um ventrículo condiciona uma redução da pré-carga do outro, e outro de interacção em paralelo, mediado pelo septo interventricular, pericárdio e fibras musculares partilhadas pelos dois ventrículos, que também é designado por interdependência ventricular (Morris-Thurgood e Frenneaux 2000). Originalmente proposta por Bernheim, no início do Século XX, como potencial mecanismo explicativo para o congestionamento venoso sistémico na insuficiência cardíaca, o ventrículo esquerdo dilatado limitaria a complacência ventricular direita e o retorno venoso (Santamore e Dell'Italia 1998). O efeito complementar, pelo qual a distensão e hipertensão ventricular direitas comprometem a função ventricular esquerda recebe, ainda hoje, frequentemente, a designação de efeito de Bernheim reverso. A dilatação e elevação sustentada da tensão parietal ventricular direita comprometem a função ventricular esquerda. Diversos mecanismos têm sido apontados como responsáveis. Classicamente, o desvio do septo interventricular para a esquerda, que se traduz em rectilinização ou deslocamento paradoxal, em conjunto com a restrição pericárdica, uma vez que

o ventrículo direito dilatado partilha o mesmo espaço físico com o ventrículo esquerdo, contribuem para a redução efectiva da complacência e a perturbação do preenchimento ventricular esquerdo. O mecanismo fundamental parece ser a persistência de pressão intracavitária e elevação do volume ventricular direito durante o relaxamento isovolumétrico e preenchimento precoce do ventrículo esquerdo, como consequência do prolongamento do tempo de ejecção e contracção do ventrículo direito face à maior resistência vascular e impedância do leito vascular pulmonar (Triffon et al. 1988). Durante o preenchimento inicial, o volume e geometria do ventrículo esquerdo são, então, perturbados, sendo claramente evidente o atraso na abertura da válvula mitral e início do preenchimento precoce (Stojnic et al. 1992). No entanto, com a progressão da doença, também o débito do ventrículo direito diminui, condicionando uma redução da pré-carga ventricular esquerda (Gurudevan et al. 2007), e das próprias pressões da artéria pulmonar, sendo talvez por este facto que os melhores preditores de prognóstico não são os níveis de pressão arterial pulmonar mas sim o débito cardíaco e os índices de função ventricular direita (Sandoval et al. 1994). O envolvimento ventricular esquerdo assume particular importância uma vez que a hipoperfusão coronária secundária à hipotensão pode contribuir para o agravamento da disfunção ventricular direita, num círculo vicioso que frequentemente precipita eventos fatais (Zamanian et al. 2007).

Para além dos mecanismos mecânicos e hemodinâmicos, várias evidências sugerem que factores adicionais possam contribuir para a disfunção ventricular esquerda. Assim, na hipertensão pulmonar crónica severa, mesmo depois da reversão das alterações de geometria ventricular, após transplantação pulmonar, a disfunção ventricular esquerda persiste frequentemente (Xie et al. 1998), o que motiva a prática de transplantação cardiopulmonar conjunta na maior parte dos casos de hipertensão pulmonar severa com disfunção ventricular esquerda concomitante (Pielsticker et al. 2001). Estes dados poderão ser interpretados admitindo que o miocárdio ventricular esquerdo sofre um processo de remodelagem no contexto da hipertensão pulmonar. Algumas evidências experimentais e anatomopatológicas sugerem isso mesmo (Laks et al. 1969). A redução sustentada de pré-carga, ou unloading, poderá originar esta remodelagem (Lisy et al. 2000). Por outro lado, não seria surpreendente que mecanismos neurohumorais pudessem mediar remodelagem ventricular esquerda. Gomez et al. propuseram que o ventrículo direito, no contexto de sobrecarga, libertasse uma substância que actuasse no ventrículo esquerdo (Gomez et al. 1993). No entanto, estas hipóteses não foram devidamente testadas ou fundamentadas experimentalmente.

A avaliação funcional do miocárdio ventricular esquerdo no contexto de hipertensão pulmonar e hipertrofia ou falência ventricular direita é uma tarefa extremamente complexa, será difícil

destrinçar qual o seu estado funcional intrínseco uma vez que este se encontra sujeito a mediação neuroendócrina sistémica e local e interacção ventricular. Estas limitações podem contornar-se por metodologias de avaliação in vitro, nomeadamente em preparações de coração isolado (Lamberts et al. 2007) e de feixes musculares isolados (Kogler et al. 2003), e in vivo, utilizando índices funcionais independentes da carga (Faber et al. 2006). Actualmente, a melhor avaliação funcional ao nível de feixes musculares isolados é a relação força-frequência (Endoh 2004). A elevação da tensão desenvolvida pelos feixes musculares para frequências de estimulação crescentes é uma resposta fisiológica e um mecanismo importante de regulação da contractilidade que reflecte a reserva contráctil, de forma independente da carga, constituindo uma metodologia adequada para aferir a gravidade da disfunção contráctil do miocárdio: o miocárdio insuficiente apresenta, caracteristicamente, relações força-frequência negativas (Endoh 2004). Contudo, a obtenção de relações força-frequência positivas no miocárdio saudável depende de uma técnica experimental extremamente cuidadosa em que a manutenção da temperatura e oxigenação permanente dos feixes musculares, a utilização de baixas concentrações de cálcio e a dissecção de feixes extremamente finos de cardiomiócitos (evitando a hipóxia das regiões centrais) são fulcrais (Layland e Kentish 1999). Quanto à utilização de índices funcionais independentes da carga convencionais, derivados das relações pressão- volume tele-sistólica e tele-diastólica, que são o padrão na avaliação hemodinâmica invasiva da função intrínseca dos ventrículos (Burkhoff et al. 2005). Estes índices são teoricamente independentes da carga, uma vez que são obtidos com reduções gradativas da pré-carga, durante oclusões agudas da veia cava inferior, no entanto, em grupos experimentais com níveis basais de pré-carga distintos, as variações suscitadas pelas oclusões podem não abranger o mesmo âmbito de pressões e, deste modo, os grupos dificilmente serão comparáveis (Burkhoff et al. 2005).