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4 RELAÇÕES INTERAFRICANAS

4.3 O DISPOSITIVO INSTITUCIONAL DA INTEGRAÇÃO REGIONAL: COOPERAÇÃO OU CONFLITO?

Os processos de integração regional na África Ocidental bem como no resto do continente, são marcadas por uma dualidade e multiplicidade de arquitetura institucional, resultado das clivagens entre países anglófonos e francófonos e em certa medida lusófonos. Esta rivalidade não se limita somente à estrutura e tipo de arquitetura de integração colocada em funcionamento na região, mas, se estende aos limites geográficos que variam dependendo da ótica de quem esta analisando. Nesta ótica, Évora (2012), afirma que a própria ideia da “África Ocidental” entendido como um espaço westfaliano e territorialmente organizado, é uma criação moderna e um fenômeno pós- independência, já que no contexto do colonialismo, a África Ocidental, para os britânicos, compreendia as quatro colônias protetorados: Nigéria, Costa do Ouro (atual Gana) Serra Leoa e Gâmbia. Para os franceses até 1958, a África Ocidental correspondia à federação de oitos países que são: Mauritânia, Senegal, Sudão francês (atual Mali), Guine francês, Daomey (agora Benin), Níger, Costa de Marfim, e Alto Volta atual república de Burkina Faso.

Observa-se de passagem que, para a França a África Ocidental continua sendo o mesmo espaço que forma atualmente a União Econômica e Monetário Oeste Africana

(UEMOA), com uma única mudança, que consistiu na saída da Guiné francesa e na entrada da Guiné Bissau na união. Enfim, para a colônia portuguesa a África Ocidental era composta de Guiné Bissau e Cabo Verde. Adedeji, (2004) relata que Leopold Sedar Senghor, na sua visão federativa ou regionalista defendia a ideia de uma África Ocidental que vai de Cabo verde, passa pela Mauritânia até o Zaire, atual República Democrática de Congo, numa tentativa de equilibrar o poderio nigeriano no quadro das negociações para a constituição de uma união econômica na década de 1970. Esta ideia de Senghor que representa o pensamento da maioria dos líderes e elites africana da colônia francesa mostra até que ponto, a fronteira colonial é internalizada pelos dirigentes, que em vez de contar com a provável complementaridade entre africanos, se preocupam em como neutralizar Nigéria, se opondo provavelmente aos projetos não por objetividade e realismo, mas sim por ideologia e fidelidade a metrópole.

Desta maneira, depois da independência com base nas fronteiras herdadas da colonização, o triangulo África portuguesa, inglesa e francesa acompanhou a formação dos Estados que foram frutos das rivalidades e estratégias geopolíticas das ex–potências coloniais, que deste modo, continuam influenciando as relações interafricanas de forma direta e indireta48. Influência que faz das ex-metrópoles os representantes legítimos dos países africanos nos principais campos da política internacional e assim, perpetua a dependência dos mesmos e impede a afirmação dos Estados africanos no sistema internacional. Segundo Chazan et al.(1992), os Estados africanos são raramente atores principais da política mundial, mas o continente tem sido muito afetado pelos interesses e ambições das potências externas. Este autor entende que durante o século XVI, o comércio de escravos começou a integrar África negra na divisão mundial do trabalho, mas a maior parte não foi incorporada no sistema político global até o fim do século XIX, todavia, o colonialismo transformou o continente do ponto de vista, histórica, política, geográfica e social. Estas transformações são o legado do imperialismo colonial europeia aos novos Estados africanos e constitui a base da influência (direta e indireta) ocidental na política africana do mundo contemporâneo.

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Entende-se que as relações interafricanas são influenciadas de forma indireta quando os representantes africanos (como foi à maioria dos líderes na independência) pelo vinculo com a ex-metrópoles são coagidos a adotarem certa postura em relação a parceiros tanto internos quanto externos. A título de exemplo, pode se citar a postura de boa parte de países da África Ocidental Francesa (AOF) em relação à Nigéria logo depois da independência. Neste período, a política externa dos países africanos tinha que levar em consideração os interesses da França, ou seja, não havia liberdade e autonomia de tomar qualquer decisão ou de estabelecer alianças com quaisquer outros países do continente e do mundo sem o acordo prévio das metrópoles. A influência direta se manifesta a través tanto do ponto de vista da herança histórica (língua, instituições e praticam administrativas) quanto ao condicionamento da ajuda, da cooperação no caso da França, a certa postura.

Em suma, depois da independência, visto a importância dada aos laços com antigos colonizadores, vários fatores corroboraram a tornarem as relações e políticas externas dos novos Estados africanos dependentes. Igualmente, importa destacar que a intensidade dos laços entre os africanos e os países ocidentais varia conforme a ex-metrópoles considerada e a forma como se deu a independência. Nesta ótica, Young (2009), mostra que no caso em que a independência foi ganha a través de luta armada também conhecida como guerra de libertação (Algéria, Guiné Bissau, Angola) em vez de negociação, a transferência do poder trouxe inicialmente uma ruptura com a metrópole, foi também o caso, em países como República de Guine, Congo Kinshasa, onde, a transferência do poder se deu no meio de crise entre lideranças locais e elite metropolitana. Nestes últimos casos, observa-se que devido a este desentendimento que causou descontinuidade antes da restauração das relações, até na atualidade grau de intimidade continua baixo.

Young observa também que os antigos poderes coloniais de menor peso como Itália, Espanha, Bélgica, desempenharam e continuam desempenhando uma influência menos visível que os dois principais ocupantes imperiais do continente, Grã-Bretanha e França e no caso do Português, a mitologia imperial da comunidade luso tropical mundial, multirracial, chave do autoritarismo corporativista de Caetano Salazar do Estado novo, se vera desacreditada e odiada por suas ruinas e intermináveis guerras coloniais na África entre 1961-1974. (YOUNG, 2009, p.42).Deste modo, coincidência ou não, percebe-se que os dois principais poderios coloniais (Grã-Bretanha e França) que mantiveram maior influência direta e indireta no continente, foram os dois dominadores da África Ocidental, sendo que nos atuais quinze países da CEDEAO, oito foram sobre domínio francês49, cinco sobre colonização inglesa50 e duas colônias portuguesas51 e paradoxalmente desde a independência assiste-se a uma expansão da França enquanto Grã-Bretanha tende a diminuir sua inferência nos assuntos internos da região. Portanto, apesar de se esperar uma influência continua da Inglaterra na África Ocidental devido, ao sistema de bom relacionamento, a importância das suas colônias na região (Nigéria e gana principalmente), assistiu-se a um recuo britânico como bem ilustra as linhas a seguir:

Surpreendente foi o relativo desaparecimento da grande Bretanha no cenário africano, pois, ela foi há muito tempo vista como um grande poder, embora os recursos para apoiar tal afirmação silenciosamente declinava por causa do colapso imperial Na década de 1950, quando se iniciou a era da descolonização da África, a

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Benin, Burkina Faso, Costa de Marfim, Guiné, Mali, Níger, Senegal e Togo. 50 Gana, Gambia, Nigéria, Libéria e Serra Leoa.

Grã-Bretanha era vista como a provável potência entre os colonizadores, que poderia manter sua permanência em seus vastos territórios colonial devido à estrutura e modo flexível de administração adotada ao longo da evolução da comunidade britânica. No entanto, a realidade mostrou que isto era apenas uma ilusão baseada em falsas inferências deduzidas da antiga constelação do self-government, que permaneceu intimamente ligada nas relações imperiais de segurança com Londres. Muitos pensaram que ao Commonwealth poderia preservar o conjunto britânico na ordem global para além da concessão formal de soberania na Ásia e África (YOUNG, 2009, p 43).

Esta reflexão de Young permite inferir que a colônia britânica permaneceu fiel a sua política de não interferência direta nas colônias diferentemente da política “civilizatória” francesa. Esta diferença entre os dois principais sistemas coloniais que dominaram a África Ocidental explica, em parte, a inquietação da França e de seus aliados africanos em relação às ex-colônias inglesas da região, bem como a tentativa de desestabilização da Federação nigeriana apoiando o movimento separatista de Biafra e pelo mesmo gesto, reforçar a oposição entre os países francófonos (como Senegal, Gabão, Costa de Marfim) e Nigéria e consequentemente, dificultar a possibilidade de integração regional. A este respeito, Derogy (2013), afirma que o General De Gaulle apoiou a sessão apesar deste apoio se limitar em reconhecer a legitimidade do Estado de Biafra, envio de armas, munição e conselheiros militares, além de incentivar Costa de Marfim e Gabão em reconhecerem oficialmente o dirigente da rebelião, o General Odumegwu Ojukwu52.

Deste modo, França se torna a potência externa que mais influência a política externa dos países da África Ocidental, estabelecendo nova forma de relacionamento e de interferência, que além de manter os africanos subordinados, dificulta a aproximação dos mesmos usando bem o princípio de dividir para reinar que impera desde conferência do Berlin a qual seguiu o período colonial. Assim, se consideramos que cada país herdou a política e práticas da sua ex-metrópoles, podemos, admitir que as antigas colônias inglesas tenham mais liberdade de tomar decisões no que desrespeite as formas e maneira de conduzir tanto individual quanto coletivamente os projetos socioeconômicos, políticos e culturais da região que as colônias francesas.

No entanto, da mesma forma que tivemos dois sistemas de colonização na região ao longo do século XIX e XX, criou-se dois tipos de organizações de integração regionais, respeitando a cultura de cada sistema. O primeiro e o mais antigo, é a integração do tipo

52Segundo a mesma fonte, o chefe da rebelião, apesar de agradecer pelo envio de mantimentos e medico reclamava da França por não ter se esforçado mais no campo diplomático e militar, o que revela que França mandava também alimentação, médicos. Ou seja, dava apoio geral a rebelião, apesar de tudo, foi um fracasso, além da mesma França se ver obrigada a voltar atrás para negociar com Nigéria devido ao envolvimento de suas tropas no conflito no Chade.

francês que, devido à busca incessante de prorrogar a presença na região, agrupou os países da África Ocidental Franceses (AOF) no âmbito da União Econômica e Monetária Oeste Africano - UEMOA e o segundo, a Comunidade dos Estados da África Ocidental-CEDEAO, criado com o incentivo da maior ex-colônia inglesa (Nigéria) da região, agrupa todos os países oeste africanos, independentemente da antiga potência colonial. Por isto, para entender os principais desafios da integração regional oeste africana, é preciso analisar as estruturas e processos da CEDEAO, UEMOA e ZMAO, mas para tanto, é de fundamental importância compreender o modo de relacionamento funcional e de convivência destes organismos no mesmo espaço físico. Isto é, identificar quais são os elementos de aproximação e de distanciamento dos Estados membros e principalmente dos povos da região.