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Distanciamento epistemológico e implicação

Metodologia (s)

Reconhecida a característica dinâmica e provisória da investigação, procurar- -se-á o reconhecimento da complexidade dos objectos e da falibilidade de dados imediatos e conclusivos. Em muitos estudos quantitativos há apenas gráficos, cifras, esquemas; não há pessoas. Em alguns estudos qualitativos, quase não há pessoas; há abstracções. A pessoa é inseparável do contexto em que vivência formação. A metodologia servirá a busca de significados para essa relação. Trata- -se de uma investigação em formação e não sobre a formação. Releva daí o predomínio do ponto de vista do formando, perspectiva quase inédita no quadro das investigações que se conhecem. O investigador não vai ao campo interpelar os protagonistas da acção que quer desvendar: o investigador está no campo e é protagonista da própria acção. Consequência provável desta estatuto de investigador será a sua própria transformação no decurso da investigação, dado que se assume, simultaneamente, como investigador, formador e formando. Será tentada igualmente a integração de teorias e práticas de investigação tradicionalmente sectorizadas e desconexas, procurando a fuga ao que Bourdieu designa por "monoteísmo metodológico". Visa-se a recolha de todo e qualquer contributo pertinente à compreensão dos fenómenos, numa abordagem sem intenções normativas.

Que me seja perdoada a afronta de algumas ortodoxias e a interpelação de redundâncias teóricas. Alguns estudos sobre formação contínua tendem a refugiar-se no quadro restrito de abordagens psicológicas. Outros estudos alinham-se por perspectivas sociológicas. Outros recorrem a uma qualquer ciência e, sob a sua sábia protecção, tecem raciocínios e conclusões fundamentalistas. A formação contínua é uma área de permanente conflito antinómico de tendências e legitimidades onde apenas é possível compreender espaços comuns e fugazes,

no cruzamento do tempo com a multiplicidade das intenções, tradições e linguagens. Apenas para dar um nome ao inominável, falemos de observação participante como denominador-comum dos procedimentos adoptados. Considerada, ou não, como metodologia, a observação participante aproxima-se da intenção deste estudo dado que:

observa do interior os indivíduos e os grupos; promove a apreensão qualitativa dos fenómenos; consagra a participação do observador;

visa compreender/interpretar diferentes representações simbólicas e sociais; desmitifica a neutralidade do investigador relativamente ao objecto investigado e distancia-se da "distanciação positivista".

As próprias características dos círculos de estudos aprioristicamente descritas requerem o recurso a uma metodologia que implique envolvimento e negociação. E sempre, sempre o medo de lavrar em erro, de pensar que, ao cabo de muito tempo e estudo, poderei concluir que nada foi acrescentado ao caos de prescições que já se oferecem, que tenha incomodado pessoas e projectos e já nada possa fazer para o corrigir. Pende sobre o investigador a vertigem da quantidade de provas, o inebriante fluxo de teorias, mas uma única dissonância deve ser motivo suficiente para questionar a validade dos processos e das conclusões.

Persiste uma exacerbada lógica de explicação, uma tendência modernista de reduzir até os afectos a fórmulas matemáticas e a cifras. O modo explicativo repousa sobre uma causalidade linear, onde as próprias permissas contêm obviamente as conclusões e o tempo é um sub-produto inevitavelmente incómodo. Não havendo espaço para afirmação da validade das inter-subjectividades, o que é posto em evidência é o que pretensamente pré-existe.

Os limites impostos pelos CE. às opções metodológicas

Os estudos incidem, como já disse, sobre iniciativas de formação concebidas ou patrocinadas por organismos do ME34, por instituições do Ensino Superior 35, ou

por organizações profissionais de professores. Partem de dispositivos montados por iniciativa alheia aos professores do 1o Ciclo. Aqui reside uma diferença

substancial: os círculos de estudos partem da iniciativa dos formandos que os vêm a constituir e que deles definem o projecto com ou sem recurso a um apoio externo (formador, ou outro).

É importante estabelecer esta distinção. Não se trata da "adesão" dos professores a.um projecto concebido no exterior. O Círculo de Estudos desenvolve-se num espaço-tempo de intervenção transformadora de actores-autores com interesses comuns, consubstanciada num colectivo auto-organizado. Sendo o projecto concebido pelos directamente interessados, não será possível avaliar o "impacto" nos professores, ou as suas "estratégias de adesão", questões habitualmente presentes noutros estudos. Vulgarizou-se a unidireccionalidade das investigações. Elas partem, exclusivamente, de investigadores exteriores ao grupo-objecto, à semelhança dos próprios projectos de formação, estes concebidos por formadores que, depois, os introduzem nos circuitos de oferta e procura do mercado de formação. Não é o caso. Embora dependente das vicissitudes conjunturais, o Círculo não está dependente de tutelas de centros de formação, de projectos "oferecidos" e muito menos de financiamentos, ou mecanismos de controlo directo do sub-sistema de formação contínua.

34V.p.ex."Ensinar é Investigar" 35V.Eco/ESE de Portalegre

Um "olhar por dentro".

Da reacção à hegemonia das práticas de pesquisa de cariz positivista, resultam dois modelos alternativos que poderei designar por interpretativo e crítico. Creio ser oportuno traçar fronteiras, ainda que fluídas, entre os modelos, de modo a explicitar o tipo de investigação a que recorro.

No modelo positivista, a pesquisa busca a formulação de relações explicativas de fenómenos quase sempre externos, observáveis e mensuráveis, em amostragens de grande dimensão, ostracizando o particular e o contingente. No campo da investigação educativa, regra geral, constituem-se em investigações sobre a Educação, que visam aumentar o conhecimento teórico por acréscimo de novas variáveis. Pré-exisíe uma separação evidente entre os práticos e os objectos de conhecimento, entre teoria e prática, entre o sujeito-investigador e o investigado, este último pressuposto desprovido do conhecimento.

Nesta asserção, os investigados prescindem da interpretação das condições que produzem os seus comportamentos, encontram-se "metodologicamente" separados dos contextos nos quais se processa a sua extstênciar^nquanto que os investigadores prescindem, por seu turno, da interpretação de resultados tal como os investigados os entendem. Em caricaturadas©*»que se classifica e ordena factos, num quadro de subalternidade admitida da prática relativamente à teoria, que reflecte uma relação explícita de poder entre o "expert" e o observado. A interpretação como prática alternativa, não difere do anterior modelo enquanto se apresenta como investigação ainda sobre a Educação. Como refere Angulo, o investigador ainda «tem de ir ao campo de trabalho onde vivem os protagonistas

da acção que se quer desvendar»^. O objecto de estudo é o mesmo do modelo positivista, mas o investigador tem por preocupação compreender o significado e a construção pessoal e social que os sujeitos têm no seu contexto educativo.

Por outro lado, se a análise de uma cultura ou fenómenos sociais não caracteriza uma ciência experimental em busca de leis, mas uma ciência interpretativa em busca de significado, duas características são postas em relevo e demarcam a investigação interpretativa da investigação de matriz positivista. A primeira consiste na centração em casos singulares e numa prudência atenta face às generalizações. A segunda traduz-se numa atitude de iluminação e classificação de significados, na qual o conhecimento não prescreve a acção.

É reconhecido aos investigadores um papel importante na construção das realidades sociais, centrando-se a investigação, frequentemente, quer nos modos de construção dessas realidades, quer nas interpretações-atribuições de sentido dos sujeitos relativamente ao significado da acção.

No campo da investigação sobre formação contínua, a postura compreensiva difere da positivista, permite de algum modo esbater as fronteiras de poder e de estatuto social entre os participantes na investigação (investigador-formador- -formando), permite substituir uma tendência de comprovação de hipóteses prévias por processos de descoberta participados.

O contacto directo com as pessoas e situaçõe^^ue^eserfe-da^esqftisã^do investigador no lócus de investigação não é, porém, condição suficiente para assegurar a participação efectiva e plena dos investigados no processo de investigação. Um terceiro modelo se prefigura e que poderá chamar-se de modelo crítico de investigação. Neste, a realidade tal como é construída pelos sujeitos no quadro de um compromisso de transformação contextualiza a não-separação

entre os sujeitos investigados, a sua prática educativa e o investigador: este não vai investigar, mas está ele próprio na investigação.

Processa-se a superação dialéctica da relação entre-sujeito e objecto. Processa- -se uma investigação dialógica, conscientizadora e colaborativa transformadora da realidade.

O modelo decorre da tentativa ensaiada nomeadamente pela Escola de Frankfurt de desenvolver uma teoria e um modo de crítica que têm por objecto relevar e

romper estruturas de dominação capitalista. Relativamente ao modelo

interpretativo, a diferença reside fundamentalmente em que no modelo crítico o procedimento é, não apenas formalmente, mas efectivamente participativo.

A presente investigação é como que um compromisso entre o modelo crítico e o modelo interpretativo. E é sensível a impotência na ultrapassagem do potencial heurístico do dispositivo de investigação e dos instrumentos de recolha de dados de que se dispõe. Apesar de imerso no campo de observação, o investigador projectará na investigação os seus próprios limites. Recorre a técnicas no objectivo de captar informação pertinente ao estudo dos fenómenos, mas o mais que consegue é trabalhar sobre a intersubjectividade representacional. Compartilha da transformação, mas dificilmente poderá traduzir em dados as contradições latentes e o carácter fluído e incompleto que caracteriza qualquer mudança social.

Sirva de lenitivo para esta verificação o reconhecimento de que uma investigação compreensiva entre o interpretativo e o radical e sobre um caso singular inserido no seu contexto não será, creio, menos objectivante que uma investigação de tipo experimental. E, porque o trabalho de transformação social no meu grupo de pertença não se esgota neste estudo, resta a compensação de saber que a ciência não alcançou ainda o seu limite de desenvolvimento e que os conflitos paradigmáticos irão recomeçam a todo o momento.

Investiqação-acção? Observação participante?

«Acontecer-me-á tomar partido. Mas duvidarei de ter razão. Acontecer-me-á agir. Mas duvidarei dos frutos da acção»zl

A identificação da metodologia que predomina neste trabalho não foi tarefa fácil. Estas questões impuseram-se com frequência, suscitaram dúvidas e geraram uma

permanente reflexão.

Poderia afirmar-se como processo de investigação-acção? Vejamos:

O círculo assume-se como grupo-sujeito empenhado na investigação; a acção é reflectida, analisada de um ponto de vista crítico; o processo de pesquisa revela- -se potencialmente inovador e emancipatório; venfica-se uma comunicação simétrica entre os protagonistas, o que contribui para a unidade dialéctica entre teoria e prática; o investigador está implicado num processo agido pelo investigador colectivo, está profundamente imerso num processo de mudança colectiva, no qual os problemas são sentidos e enfrentados, no qual acontece formação e transformação.

O observador está no próprio campo de observação, atento ao descentrar-se, predisposto à auto-observação, à "auto-maiêutica implicacional". O tempo de participação é longo (mais de quinze anos), e é tempo de uma observação mais atenta aos fenómenos nos últimos anos.

A investigação envolve todos que nela participam num dispositivo liberto da artificialidade laboratorial das investigações experimentais e o investigador

distingue-se apenas pela especificidade de um interesse a mais relativamente aos restantes. Não lhe assenta perfeitamente a definição de observação participante tal como é concebida por Wittrock, Segundo este autor - e é praticamente uma definição consensual - «a observação participante é uma técnica pela qual o investigador se introduz no mundo social dos sujeitos estudados, observa e trata de averiguar o que significa ser membro desse mundo»38. O investigador, no meu

caso, não se introduziu no mundo social dos sujeitos; ele pertence ao mundo social dos sujeitos. Apenas no momento em que age em vários círculos de estudos (1993) esta característica da exterioridade se poderá admitir.

Por essa razão, a reflexão em torno do conceito "implicação" reveste-se de características diferentes de que é operada pela investigador do modelo tradicional de observação participante, alheio a uma cultura que observa durante um período mais ou menos longo.

Estou cativo do círculo por deveres, solidariedades e compromissos. A posição deveras incómoda de quem está sempre no grupo estudado, sobre ele (e sobre si- -próprio) exerceu uma vigilância crítica que não se restringe ao registo de uma reflexão epistemológica, de quem com o grupo partilha e sofre os produtos, é difícil de enquadrar nos esquemas conceptuais instalados em fronteiras pré- -existentes e cientificamente policiadas.

Foi procurado, sempre, contrariar concepções instrumentais do conhecimento que tendem a transformar o outro em objecto. O objecto é indissociável do sistema que o comporta. Daí que, próximo da fusão com o objecto, se tivessem colocado ao investigador um conjunto inusitado de questões (relação sujeito-objecto, exterioridade-implicação) que, ao contrário dos efeitos de uma comunicação

"autista" típica de investigações laboratoriais, introduziu dilemas de difícil (ou até mesmo impossível) resolução comunicacional.

Compreender não é algo meramente intelectual. Para o investigador envolvido na comunicação, a compreensão de significados ultrapassa o domínio de uma intelectualidade fragmentada e fragmentária. Quando um investigador presume compreender, isso significará ouvir e compreender a palavra, mas nada tem a ver com a compreensão propriamente dita. Compreender implica apreensão do conteúdo semântico, mas também a consciência do seu significado aplicada ao próprio investigador. E, quando a proximidade do objecto é mínima, essa consciência simultaneamente individual e colectiva, fugidia, dinamicamente reformulada, é ultrapassada numa corrente "em que não é possível mergulhar duas vezes".

Imerso numa acção-investigação total, não-fragmentária, nem positivamente distanciada, o investigador defronta-se com um novo conjunto de questões: Porquê inventar instrumentos de mediação, se eles pré-existem na comunicação? Como replicar situações sem introduzir perturbação no curso normal de trabalho em círculo? A investigação é mesmo necessária e útil ao círculo?

Sobre o conhecimento não pode haver acumulação. Tudo é novo momento-a- -momento. Fixar movimentos é algo contraditório. E, no momento em que os fixamos numa fórmula conclusiva, o autor das conclusões ficar-lhe-á insensível, tomá-lo-á como objecto inerte. Numa perspectiva radical, um investigador do grupo no grupo opera, não uma interpretação fixista, mas uma transformação (admitida) daquilo que "é". O "dever ser" é ilusório, ideal, sem significado senão o que lhe quiserem inculcar. Daí que seja impossível compreender apenas intelectualmente, ou por via instrumental. A compreensão é emocional, verbal e intelectual, é completa e instantânea.

O que se pode gerar numa investigação é uma aproximação formal tão intensa quão possível ao objecto. Só pode ser compreendido completamente aquilo que é directamente experienciado. A separação positivista entre sujeito e objecto é profundamente destrutiva, mas a implicação que pressupõe um outro tipo de distância epistémica pode gerar novas e subtis formas de autoridade conducentes a conclusões condicionadas.

Por outro lado, a descrição nunca é o que é descrito. O oposto faz parte do que é; não é apenas conflito com o que deveria ser. A ciência promove escolas, sectariza, produz seguidores. É ainda feita de verdades parciais não assumidas como tal. O não-humano epistemológico de Durkeim operou separações fundamentais para consolidação de concepções instrumentais do conhecimento que transforma o outro em objecto. Chega a ser preferível manipular as condutas dos outros de modo inteligente, para o bem geral. Nem sequer será necessário uma intenção de condicionamento exterior porque o estatuto de cientificidade conferida a uma investigação acantonada a uma qualquer escola fará do investigador um indivíduo controlado que, todavia, se sentirá livre.

«Compreender o "agora" é um imenso problema (...) será possível tomar consciência do condicionamento de maneira tão intensa que se veja a sua realidade?»39. Investigar significa estar sempre a aprender e aprender implica uma

acção constante. A acção não está separada do conhecimento. As construções ideais provocam o envelhecimento da acção, iogo a do conhecimento. O pensamento passa a ser uma resposta da memória. Nunca pode ser novo, gerar algo novo, livre de condicionamentos.

Investigação-acção? Observação participante? Provavelmente, ambas. Estive

com e entre tanto quanto me seja possível afirmá-lo.

APROFUNDAMENTO DE ALGUNS TEMAS EVENTUAIS SAÍDAS OUTROS CÍRCULOS DISCUSSÃO CATARSE INICIAL AUTO-FORMAÇÃO -Leitura -Pesquisa -Trabalhos / TROCA DE EXPERIÊNCIAS/ IDEIAS LEVANTAMENTO DE QUESTÕES

uHn^ciy)

Distanciamento epistemológico e implicação

Implicação e compromisso não são coincidentes. O compromisso existe como uma parte que se toma como importante. Quando se está implicado, a acção é, simultaneamente, interior e exterior; é total. E investigar será um processo constante, sem acumulação, dado que o aprender não pode ser separado do agir. No fundo, tratar-se-á simplesmente de observar sem juízos definitivos, mas para compreender. E essa compreensão (dinâmica e fluída) produzirá a sua acção própria. Compreender será agir. «Agir sobre a sua própria vida relacionada com a dos outros (...) propor escolhas possíveis sem se deixar cair na armadilhas dos grandes dogmatismos»40. Será a "escuta-acção" em pequeno grupo, «que nos faz

compreender o sentido de amizade solidária nas redes da vida, (...) da mediação e do desafio, bem como da improvisação na formação»41.

Inevitavelmente, e porque uma investigação pressupõe um recurso a dispositivos que permitam "revelar" fenómenos, poder-se-á, numa tentativa de simplificação, falar do recurso ao "estudo de caso", à análise de conteúdo, à observação participante no presente trabalho. Esta investigação tem por objecto de indagação social o Círculo de Estudos. Sobre ele e nele se desenvolve uma investigação intensiva numa inter-consubstanciação com uma quadro teórico que se elabora e se re-elabora no decurso do próprio processo de pesquisa.

Considerado o estudo de caso adequado ao aprofundamento, à concretização do detalhe de uma modalidade singular de formação contínua, é possível «adoptar métodos que sirvam a tarefa de descobrir, em lugar de impor métodos que possam impedir a dita tarefa»42. A opção inicial é a de análise documental, tendo

40Barbier, R. (1983) A investigação-acção existencial, Pour n° 90, Junho/Julho.83 41Barbier, R. (1983) A investigação-acção existencial, Pour n° 90, Junho/Julho.83

presente que um estudo de caso não representa mais que a mínima parte de uma totalidade e peca na "objectividade" na medida em que o investigador empreende o estudo a partir dos seus próprios antecedentes particulares, que incluem experiências, posturas ideológicas e interesses por determinados temas e conceitos.

Uma posição epistemológica clássica ainda predominante nas Ciências Sociais pugna pela distância entre o investigador e o objecto de investigação. Na esteira de Durkheim43, a regra fundamental será a de nunca se confundir ou fundir a

pessoa com o objecto: é preciso tratar os factos sociais como coisas, exterioridade absoluta. Este posicionamento projecta marginalmente e desqualifica a experiência pessoal e quotidiana, na presunção de que a proximidade com o objecto é o obstáculo epistemológico por excelência. Porém, é cada vez mais frequente, no domínio das Ciências Sociais a coincidência do investigador com o

prático. Surgem trabalhos cujos autores reflectem uma intenção de reflexão sobre a própria prática. E eis que assoma a ortodoxia investigativa com a sua panóplia de riscos: a implicação, as deformações e enviezamentos, as perturbações metodológicas.

A implicação pode assumir formas diversas: psico-afectiva, histórico-existencial, profissional. Encontra-se associada à noção de interacção considerada como objecto de conhecimento. Ao nível psico-afectivo René Barbier considera que a implicação poderá permitir ir mais longe na comunicação. E cita Max Pages44,

quando este autor refere que o prazer experimentado nas mudanças operadas com outros é condição necessária ao próprio processo de mudança. A implicação histórico-existencial que decorre do compromisso com o grupo no «hic et nunc» da

43Durkheim, E. (1985) Les règles de la méthode sociologique, Paris, P.U.F. 2oa edição (1a

edição, 1985)

pesquisa está intimamente ligado ao nível anterior. Quanto maior é a ligação aos outros e aos problemas, maior será a disponibilidade, será mais real e menos superficial a relação com os outros e com os projectos, o investigador no grupo estará mais apto a ajudar na medida em que ele próprio pode ser ajudado. Para o investigador no grupo, a implicação histórico-existencial é também o tomar em consideração o «ethos» e o «habitus» da sua classe social de origem, condicionante de perspectiva que permitirá uma maior clarificação do objecto estudado.

«O homem é um ser activo que se envolve num processo de transformação do mundo do qual ele mesmo é um dos elementos»45. Este projecto humano é um