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2.1 NORMA JURÍDICA: REGRA, PRINCÍPIO OU SOBREPRINCÍPIO

2.1.3 DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS

Para se interpretar normas constitucionais faz-se necessário distingui-las, pois a distinção entre princípios e regras possui papel determinante na efetividade do ordenamento jurídico. 23

Importante registrar que a diferença entre regras e princípios encontra-se em razão da distinção quanto ao respectivo grau existente na hipótese e na prescrição que em relação as regras possuem natureza restritiva e no casos dos princípios natureza ampliativa. Ou seja, as regras possuem funções descritivas, pois determinam condutas, já os princípios possuem funções finalísticas, estabelecendo parâmetros de comportamentos.

Ademais, acreditamos que as regras representam uma espécie de compromisso entre princípios conflitantes. Isso porque, por ser a regra o resultado de um sopesamento feito pelo legislador no momento de elaboração da norma, não cabe ao interprete, no momento da aplicação, substituir o resultado concretizado no plano legislativo a partir de suas valorações pessoais.

      

23 FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. Princípios e Regras em Direito Constitucional. Contribuição para uma polemica doutrinária. In: LUCCA, Newton De; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro; BAETA NEVES, Mariana Barboza Baeta (Org.). Direito Constitucional Contemporâneo. Homenagem ao Professor Michel Temer. 1ª edição, São Paulo-SP. Quartier Latin, 2012. Pág.:. 293

Nessa distinção fundamental entre regras e princípios importante tecer criticas aos critérios de separação adotados na diferenciação entre eles, ora dando enfoque em características apontadas como necessários que não o são, ora exaltando sobremaneira os princípios em detrimento das regras. Confira-se:

De um lado, as distinções que separam os princípios das regras em virtude da estrutura e dos modos de aplicação e colisão entendem como necessárias qualidades que são meramente contingentes nas referidas espécies normativas. Ainda mais, essas distinções exaltam a importância dos princípios – o que termina por apequenar a função das regras. De outro lado, tais distinções têm atribuído aos princípios a condição de normas que, por serem relacionadas a valores que demandam apreciações subjetivas do aplicador, não são capazes de investigação intersubjetivamente controlável. (...)

O fundamento dessa distinção, dependendo da radicalidade com que seja defendido, está no grau de indeterminação das espécies normativas: os princípios, porque fluidos, permitem maior mobilidade valorativa, ao passo que as regras, porque pretensamente determinadas, eliminam ou diminuem sensivelmente a liberdade apreciativa do aplicador24

Desse modo, temos que para alcançar a distinção entre regras e princípios precisamos analisar três marcos primordiais: (i) o critério da natureza do comportamento prescrito; (ii) o critério da natureza da justificação exigida e; (iii) o critério da medida de contribuição para a decisão.

Isso se dá em razão da Constituição ser um sistema normativo aberto de princípios e regras, que necessita da existência dessas duas espécies para exteriorizar comandos e dar efetividade ao direito ali positivado, pois caso esse sistema fosse       

24 ÁVILA Humberto. Teoria dos Princípios – Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 14ª edição. São Paulo-SP: Editora Malheiros. 2013. Pág. 28 e Pág. 84

composto apenas de uma das espécies o balanceamento de valores seria prejudicado e por sua vez, os interesses de uma sociedade aberta e plural seriam nulos.

O que temos, portanto são duas correntes que definem as distinções entre regras e princípios. Uma corrente afirma que a distinção é fraca e a outra que a distinção é forte.25 Essa última corrente é capitaneada por Dowrkin e por Alexy.

Tomamos por certa a primeira corrente que sustenta que os princípios são normas de elevado grau de abstração, que se destinam a um número indeterminado de situações e generalidade, que se dirigem a um número indeterminado de pessoas. Por essa razão exigem uma aplicação influenciada por elevado grau de subjetividade do aplicador; contrariamente às regras, que denotam pouco ou nenhum grau de abstração e generalidade, e que requerem pouca subjetividade do intérprete.

Embora para nós a distinção seja considerada fraca, há registrar novamente que os princípios normas que se caracterizam por serem aplicadas mediante ponderação com outras e por poderem ser realizadas em vários graus. Assim, resta às regras estabelecer o que é obrigatório, permitido ou proibido, exigindo uma aplicação mediante subsunção.

João Maurício Adeodato, apesar de possuir posicionamento distinto de Humberto Ávila, esclarece a importância de se a analisar a norma jurídica com base nessa distinção:

O problema da distinção entre princípios e regras, assim como entre os demais conceitos correlatos, parece estar nas diferentes concepções sobre a expressão “norma jurídica”. Se não há acordo sobre ela certamente não poderá ser construído o sentido das demais expressões.26

      

25 Essa corrente seria a capitaneada por Dworkin e Alexy. DWORKIN Ronald. Taking Rights Seriously, Cambridge, Mass.:Harvard University Press, 1977. Pág.:. 295 e ALEXY. Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Luís Virgílio Afonso da Silva, São Paulo-SP, Malheiros, 2008

26 ADEOTADO. João Maurício. Uma Retórica na Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São Paulo- SP: Noeses, 2011. Pag. 163

Assim, nos parece que acertadamente o referido autor demonstra com clareza a dificuldade de se apreender o perfeito sentido dos conceitos jurídicos sobre os quais as doutrinas se degladiam na conceituação. Se não se sabe o que é norma jurídica, mais dificilmente ainda será saber o que são princípio e regras.

Nesse sentindo, temos por certo seguir a diferenciação com os seguintes parâmetros. Quando se tratar de dever imediato, os princípios demonstrarão a promoção de um estado ideal de coisas, já as regras a adoção da conduta descrita. E em relação a um dever mediato, os princípios adotarão a conduta necessária quando às regras manterão fielmente à finalidade subjacente e os princípios superiores.

Acerca da diferenciação no tangente à justificação. Para os princípios a justificação será feita sempre em uma correlação entre efeitos e estado ideal das coisas, quando para as regras a justificação deverá ser feita de modo correspondente entre o conceito de norma e o conceito de fato.

Não obstante tal dificuldade, inerente à atividade de quem se presta a pensar o direito, João Maurício Adeodato traz algumas considerações pertinentes:

Ocorre também confusão entre os conceitos de norma, regra e princípio, apesar de as expressões não serem novas. Por vezes as normas jurídicas que se referem a direitos fundamentais são chamados de “princípios”. Mais comum não é opor regra e princípio, mas sim norma e princípio. Outra posição inteiramente diversa é considerar norma como gênero, do qual regras e princípios são espécies, uma vez que ambos dizem que deve ser. O critério mais comum para a distinção entre as duas espécies é a generalidade segundo o qual os princípios são normas dotadas de mais e as regras e de menos generalidade. 27

Tais elucidações, bem denominadas por João Maurício Adeodato como mais comuns é alvo hoje de críticas pelos pensadores do direito. Confira-se o       

27 ADEOTADO. João Maurício. Uma Retórica na Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São Paulo- SP: Noeses, 2011. Pag. 162

entendimento do Ministro Eros Grau:

Princípio e regra strictu sensu são um número indeterminado de vezes aplicáveis às situações que realizam suas hipóteses. Não obstante, o princípio é distinto da regra strictu sensu na medida em que seu objeto engloba uma série ilimitada de outros objetos que, por sua vez, podem ou poderiam ser disciplinados [=regrados] por uma série de regras strictu sensu. Daí que determinada regra será qualificada como princípio sempre que uma série de outras regras strictu sensu dela se desdobrem como aplicações especiais suas [i. é, da regra princípio]. 28

Discordando do que acreditamos ser o certo, o Ministro ainda esclarece que para ele é necessário separar a teoria deôntica por uma teoria funcional da normatividade do direito. Isso porque os princípios englobam situações ainda não positivadas, baseados na vontade de um juiz ou órgão julgador. Veja-se:

(...) quando um juiz toma um princípio geral do direito como fundamento de determinada norma de decisão. O que se diz, então é que esse princípio foi “descoberto” pelo juiz no ordenamento positivo. O princípio descritivo é assim transformado em princípio “positivado”, mas não em virtude de lei, senão da vontade do juiz ou tribunal que o afirme. Daí que a sua convolação em princípio direito [= regra de direito] resulta de uma intervenção desse juiz ou tribunal, invenção que em geral se procura legitimar sob a assertiva de que encontra inspiração doutrinal. O que levaria ao delírio de adimitirmos que princípio geral do direito na liguagem dos juristas, é princípio [regra de direito] ainda não “positivado”, mas que qualquer momento poderá vir a ser como tal       

28 GRAU, Eros. Os Princípios são regras. In: LUCCA, Newton De; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro; BAETA NEVES, Mariana Barboza Baeta (Org.). Direito Constitucional Contemporâneo. Homenagem ao Professor Michel Temer. 1ª edição, São Paulo-SP. Quartier Latin, 2012. Pág.: 277.

formualdo ou (re) formulado pela jurisprudência. O delírio conduz a descaminhos nunca vistos, no percorrer dos quais o direito positivo é reescrito pelos juízes.29

Portanto, verifica-se que não é possível a existência de um sistema pautado apenas na essência das regras ou apenas na essência dos princípios. Todavia, na jurisprudência dos tribunais, corrobora-se aquela noção mais simples.

Pode-se observar que em se tratando de um princípio constitucional, em última análise temos que se trata basicamente de uma regra, porém uma regra com um âmbito de validade bem maior do que o das regras que se analisou no decorrer desse capítulo. Pois trata-se o princípio de uma regra maior que orienta a interpretação de outras regras, ainda que esteja-se analisando regras também constitucionais. Ademais, a análise dos conceitos de regra e princípios é bastante complexa. Isso se dá em razão da dificuldade de se sua separação.

Abalizada doutrina30, liderada por Paulo de Barros Carvalho informa que os princípios são normas jurídicas portadoras de valores de superior hierarquia. Ensina também que há 4 significações acerca da expressão: (i) princípio como valor posto em norma de superior hierarquia; (ii) como limite objetivo posto em norma de superior hierarquia; (iii) princípio como norma de superior hierarquia portadora de limite objetivo; (iv) princípio norma portadora de valor de superior hierarquia.

Dessa forma, Paulo de Barros Carvalho esclarece que:       

29 GRAU, Eros. Os Princípios são regras. In: LUCCA, Newton De; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro; BAETA NEVES, Mariana Barboza Baeta (Org.). Direito Constitucional Contemporâneo. Homenagem ao Professor Michel Temer. 1ª edição, São Paulo-SP. Quartier Latin, 2012. Pág.: 277 30 No mesmo sentido, ver também LINS. Robson Maia. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária – Decadência e Prescrição. Editora Quartier Latin, São Paulo - SP. 2005. Pág: 135 e ss e CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do direito: o construtivismos lógico- semântico, São Paulo, Noeses, 2009. Pág.: 478 e ss. Para Paulo de Barros Carvalho: “existem preceitos fortemente carregados de valor e que, em função do seu papel sintático no conjunto, acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções do ordenamento, informando o vetor de compreensão de múltiplos segmentos. Em direito, utiliza-se o termo ‘princípio’ para denotar as regras de que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor r, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limte objetivo sem a consideração da norma.” CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 20ª edição, São Paulo- SP, Saraiva, 2008. Pág.: 143.

O corolário natural de tudo quanto se expôs é que o direito positivo, formado unicamente por normas jurídicas, não comportaria a presença de outras entidades, como, por exemplo, princípios. Estes não existem ao lado de normas, coparticipando da integridade do ordenamento. Não estão ao lado das unidades normativas justapondo-se ou contrapondo- se a elas. Acaso estivessem, seriam formações linguísticas portadoras de uma estrutura sintática. E qual é esta configuração lógica? Ninguém, certamente, saberá responder a tal pergunta porque ‘princípios’ são ‘normas jurídicas’ carregadas de forte conotação axiológica.31

Assim, pode-se afirmar que em sendo os princípios normas jurídicas em sentido estrito, por consequência tem-se que podem igualmente ser enunciados e/ou proposições.

Há ainda a distinção proposta por Tércio Sampaio Ferraz que em esquema sucinto a divide em quatro prontos específicos:

1. Os princípios não exigem um comportamento específico,

isto é, estabelecem ou pontos de partida ou metas genéricas; as regras, ao contrário, são pautas;

2. Os princípios não são aplicáveis à maneira de um “tudo ou nada”, pois enunciam uma ou algumas razões para decidir em determinado sentido sem obrigar a uma decisão particular; já a regra enunciam pautas dicotômicas, isto é, estabelecem condições que tornam necessária sua aplicação (consequências que se seguem automaticamente.)

3. Os princípios tem um peso ou importância relativa, ao

passo que as regras têm uma imponibilidade mais estrita; assim, princípios comportam avaliação sem que a       

31 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. 3ª edição São Paulo-SP: Noeses, 2009. Pág: 252.

substituição de um por outro de maior peso signifique exclusão do primeiro; já as regras, embora admitam exceções, quando contrariadas provocam a exclusão do dispositivo colidente;

4. O conceito de validade cabe bem para as regras (que ou são válidas ou não o são), mas não para os princípios, que, por serem submetidos a avaliação de importância, mais bem se encaixam no conceito de legitimidade. 3233

Ante os ensinamentos dos autores aqui apresentados firmamos nossa posição de que os princípios são normas de elevado grau de abstração, que se destinam a um número indeterminado de situações e generalidade, que se dirigem a um número indeterminado de pessoas. Por essa razão exigem uma aplicação influenciada por elevado grau de subjetividade do aplicador.

Sem dúvida, temos por certo e esclarecido que a distinção entre regras e princípios é de primordial importância e que essa distinção deve ser elaborada com o objetivo de se conceituar ambos os institutos de forma clara e precisa, afastando qualquer coincidência ou dúvida nas análises semânticas e sintáticas.

Assim, em caso de conflitos entre princípios é necessário ajustar ambos sem que, ao final, qualquer um deles tenha perdido a sua validade. É preciso afastarmos da ideia de ponderação, flexibilização natural, criando, uma hierarquia entre eles. Essa hierarquia passa a existir numa situação de subordinação e deve existir apenas em situações extremadas e não com a frequência atual que existe nos atos emanados pelo Estado.

      

32 FERRAZ JUNIOR. Tercio Sampaio. Direito Constitucional – Liberdade de Fumar, Privacidade, Estado, Direitos Humanos e outros temas. Barueri-SP, Manole. 2007. Pág:338

33 Divisões parecidas também são feitas pelos doutrinadores. DWORKIN Ronald. Taking Rights Seriously, Cambridge, Mass.:Harvard University Press, 1977. Pág.:. 36; ALEXY. Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Luís Virgílio Afonso da Silva, São Paulo-SP, Malheiros, 2008 e; CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Almedina. Coimbra- Portugal ..pág: 88.

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