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Distinções entre a ação inibitória e a ação cautelar

A confusão doutrinária é geral quando se trata de diferenciar tutela inibitória e tutela cautelar. Sob a rubrica de se garantir a tutela preventiva dos direitos de personalidade, muitos autores vislumbram apenas a possibilidade de proposição de ações cautelares. Para estes, não haveria necessidade da tutela inibitória, haja vista já haver este meio eficaz para conseguir o mesmo objetivo. Entretanto, tal confusão encontra sua gênese na omissão legislativa até a inserção do art. 461 no CPC.

Antes dessa previsão legal, a tutela dos direitos da personalidade era discutida em sede de ação cautelar inominada, “uma criação da prática forense a partir da necessidade de uma tutela concreta destes direitos” que gerou indesejáveis duplicações de procedimento. Entretanto, nas palavras de MARINONI “a tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento, e assim não se liga instrumentalmente a nenhuma ação que possa ser dita principal”,367 pois, tecnicamente, a ação cautelar

pelo fato de exigir uma ação principal, também não é adequada para proteger os direitos que dependem da inibição de um ilícito. O direito à inibição do ilícito não pode ser considerado como direito que objetiva uma tutela que seria mero instrumento de outra. Imaginar que a ação inibitória é instrumental exige a resposta acerca de que tutela ela estaria servindo. Ora, tendo em vista que não há como aceitar que o direito à prevenção conduz a uma tutela que pode ser vista como instrumento de

outra, é impossível admitir uma ação inibitória rotulada de cautelar, ou

mesmo uma ação cautelar "satisfativa" ou "autônoma", como era chamada antes da reforma de 1994.368

367 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito. Op. Cit. 368

Desta forma, não há que se dizer que a tutela inibitória apresenta-se sob a forma de tutela cautelar, nem é espécie do gênero tutela de urgência,369 pois ela não tem conexão com nenhuma ação principal, nem tampouco é requisito para a mesma, traço característico da tutela cautelar. Reside aí a grande dificuldade doutrinária em admitir uma ação que visasse impedir o ato ilícito, mas não se prendesse ao rótulo de cautelar. Em verdade, tanto a ação inibitória, quanto a ação cautelar são espécies do gênero de tutela preventiva. Entretanto, aquela primeira espécie tem mostrado maior desenvoltura teórica e efetividade prática na proteção dos direitos de personalidade.

JAQUELINE SARMENTO DIAS questiona acerca da finalidade de ambas as medidas processuais:

Será que a cautelar tem a finalidade de prever, de forma autônoma, um ilícito? A tutela inibitória não busca assegurar a viabilidade da realização de um direito controvertido ou mesmo o resultado útil de outro processo. A autonomia é uma das características da tutela inibitória, que é uma ação de conhecimento.370

Para MARINONI, a confusão entre ação inibitória e a ação cautelar reside no fato de que ambas se identificam pela preventividade.371 Entretanto, enquanto a cautelar é uma ação de cognição sumária, com contraditório limitado, a inibitória é ação de cognição exauriente, permitindo a realização plena do contraditório.372 Note-se que ambas, entretanto, estão aptas a ensejar coisa julgada material, embora a cautelar ostente menos hipóteses.

Há também grande dificuldade da doutrina em separar o ato ilícito do dano. Enquanto a ação cautelar requer a probabilidade do dano, a ação inibitória receia a probabilidade do

369

ARENHART, Sérgio Cruz. Op. Cit. p. 112.

370

DIAS, Jacqueline Sarmento. Op. Cit. p. 150.

371 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito. Op. Cit. 372

ilícito (ato contrário ao direito).373

Tome-se, por exemplo, a ação de busca e apreensão, que para alguns ostenta natureza cautelar, trazendo alguns problemas, a saber:

O primeiro deles ligado à prova, pois a prova do ato contrário ao direito é completamente diferente da prova da probabilidade do dano. (...) Na ação inibitória a prova deve incidir somente sobre a probabilidade do

ilícito. A prova poderá recair na probabilidade do dano apenas quando

houver identidade cronológica entre o ilícito e o dano; nesse caso o autor tem a possibilidade de falar em probabilidade do dano. Mas, tal possibilidade é deferida unicamente ao autor, pois o réu não pode

afirmar que não há probabilidade de dano (que é conseqüência do ilícito) quando o autor alega somente probabilidade de ilícito.374

A ação inibitória é uma ação autônoma, e por isso de conhecimento. Uma ação autônoma é chamada de "satisfativa", no sentido que satisfaz o desejo de tutela jurisdicional do autor, e assim lhe é bastante. Alguns autores, diante da impossibilidade de proposição da ação de conhecimento inibitória se viam obrigados a criar uma espécie de ação cautelar satisfativa. Entretanto, aceitar essa ficção jurídica é admitir uma estampada contradição, afinal “o que é cautelar não pode satisfazer, e o que satisfaz não é meramente cautelar”.375 MARINONI exemplifica, pondo termo final às dúvidas:

Note-se que a ação em que se deseja impedir a violação de um direito da personalidade, quando pensada à distância da teoria da ação inibitória, certamente receberia o rótulo de cautelar, pois essa seria a única ação -

para aqueles que desconhecem a ação inibitória - capaz de conferir tutela

preventiva. Contudo, se essa ação fosse concebida como cautelar, tendo sido concedida a tutela para impedir a violação, seguramente surgiria a

problemática da finalidade da "ação principal". Ora, seria impossível encontrar fim para a "ação principal" pela simples razão de que o único objetivo do autor foi "satisfeito" com a ação rotulada de "cautelar". Tal

ação, ainda que denominada de cautelar, por ser "satisfativa" é, por conseqüência, autônoma. E daí a conclusão final: toda ação autônoma –

que evidentemente não seja uma ação de execução - é uma ação de conhecimento, e não uma ação instrumental ou cautelar. De modo que a

373

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito. Op. Cit.

374

Ibidem.

375 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. 1. 10ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro:

ação inibitória, especialmente nos dias de hoje, não pode ser compreendida ou confundida com uma ação cautelar.376

OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA tece críticas a teoria de MARINONI, pois segundo ele a ação inibitória “não passa de uma ação, que ele supôs mandamental, mas que sequer ultrapassou os limites da tutela condenatória”. Segundo afirma

Não percebeu o processualista que a culpa pelo fracasso da tutela cautelar se devia aos pressupostos estruturais do sistema, não à essência ou funcionalidade da tutela de simples segurança. É de prever que, mais dia menos dia, alguém, sofrendo as mesmas angústias com as carências de nosso processo, resolva eliminar a ‘ação’ inibitória, sob o plausível fundamento de que ela também ‘além de ter causado complicações desnecessárias, nunca foi capaz de propiciar uma tutela preventiva realmente efetiva’.377

Portanto, em grau conclusivo, se temos que “a tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento”,378 logo não é correto afirmar que ela se apresenta sob a forma de tutela cautelar, afinal aquela não é requisito para ação principal, traço característico desta. Reside aí a grande dificuldade doutrinária em admitir uma ação que visasse impedir o ato ilícito, mas não se prendesse ao rótulo de cautelar. Embora ambas sejam tutelas de prevenção, a inibitória tem se mostrado mais efetiva na proteção dos direitos de personalidade.