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1. INTRODUÇÃO

2.3. ESTRATÉGIA COMO PRÁTICA

2.3.2. Distinções entre Estratégia como Prática e Processo da Estratégia

Durante muitos anos, a pesquisa em estratégia esteve ancorada nas suposições modernistas dos Estados Unidos da década de 1960, país onde se originou o modernismo. Esse período foi caracterizado, em termos epistemológicos, pela restrição da estratégia, pois o modernismo considerava que a imparcialidade científica, os aspectos gerais e as abordagens quantitativas eram superiores ao engajamento prático, aos aspectos contextuais e aos estudos qualitativos, respectivamente (WHITTINGTON, 2004). Em termos teóricos, as teorias de estratégia eram geradas a partir dos estudos da tradição da microeconomia que reduziam as complexidades da elaboração estratégica a poucas variáveis causais relacionadas e focavam no nível de análise da indústria e da firma (JARZABKOWSKI, 2005).

Proposição 2: Os elementos de strategizing (práticas, práxis e praticantes) explicam o processo de desenvolvimento de produto.

Atualmente, contudo, o ceticismo pós-moderno tem acabado com essas restrições epistemológicas e teóricas, fazendo com que a predominância modernista comece a se desafazer. Abrem-se caminhos para o desenvolvimento de estudos além das generalizações quantitativas e imparciais do modernismo. Um desses caminhos está diretamente relacionado com a prática da estratégia (WHITTINGTON, 2004).

Ratifica-se este entendimento ao verificar que a Estratégia como Prática se fundamenta nas discussões levantadas pela teoria da estruturação de Anthony Giddens, na Inglaterra, e pelo estruturalismo construcionista (neoestruturalismo ou mesmo estruturalismo, para alguns autores) de Pierre Bourdieu, na França, e nas perspectivas teóricas de outros grandes autores em filosofia e teoria social, como Michel de Certeau, Theodore Schatzki, Clifford Geertz, Thomas Berger, Peter Luckmann, Erving Goffman, Michel Foucault, Ludwig Wittgenstein, Martin Heidegger e Bruno Latour, por exemplo (CANHADA; RESE, 2009).

Tendo em vista que a Estratégia como Prática não é a primeira agenda de pesquisa a tentar quebrar com a dominância econômica sobre a pesquisa em estratégia, ela deve ser vista como a culminação de amplas mudanças que ocorreram na administração estratégica e para as quais a prática pode contribuir. A perspectiva Processual, por exemplo, já demonstrava interesse em humanizar a pesquisa em estratégia (JARZABKOWSKI, 2005).

Contudo, Whittington (2007) afirma que a relação entre as abordagens da Estratégia como Prática e a Processual gera confusão, ou seja, há dificuldade em distinguir uma da outra. Ratificando isso, tem-se que, de um lado, encontram-se autores defendendo a existência de uma complementaridade entre as abordagens (HODGKINSON; WRIGHT, 2006), sugerindo que a estratégia processual foca nos relacionamentos recíprocos entre ação gerencial e seu respectivo contexto, enquanto que a estratégia como prática está centrada nos gerentes, nas rotinas e procedimentos usados para ativar a estratégia (JARZABKOWSKI, WILSON, 2002).

De outro lado, situam-se aqueles que defendem uma total distinção entre visão prática e a processual. Chia e MacKay (2007), por exemplo, afirmam que a Estratégia como Prática oferece oportunidade para o estabelecimento de uma perspectiva alternativa que é claramente distinta da visão processual. Existem também os que afirmam que ainda não está claro se estratégia como prática é uma agenda distinta de pesquisa ou se representa apenas uma extensão (JARZABKOWSKI; WILSON, 2002) da abordagem processual. Nesse sentido, as distinções e complementaridades entre essas abordagens merecem ser discutidas.

Com relação ao processo de estratégia, Mintzberg (1978) destaca que a concepção da mesma como algo que seja formulado é incompleta. Para ele, modelos prescritivos de

elaboração estratégica, os quais lidam com planos fixados e explícitos, desenvolvidos consciente e propositadamente e cujas decisões envolvidas são tomadas previamente, consideram apenas um dos polos do continnum ao longo do qual se espera que todas as estratégias se enquadrem. Esse polo representa a estratégia deliberada. O outro polo é denominado de estratégia emergente e representa um padrão em um fluxo de decisões, que se forma gradualmente de maneira não intencional.

Assim, Mintzberg (1978) afirma que as prescrições contemporâneas e técnicas normativas de análise de planejamento aparentam não ser capazes de direcionar o processo de elaboração estratégica, já que a realidade organizacional é muito mais complexa e diferente do que esses modelos podem dar conta. Cada formulador de estratégia enfrenta uma carga de informação impossível de ser processada e, como resultado, não existe um processo ótimo a ser seguido. Nesse sentido, ele passa a incluir o fator humano no processo de elaboração estratégica, afirmando que “não há, talvez, na organização, processo que demande mais da cognição humana que a formação da estratégia (MINTZBERG, p. 948, 1978)”.

Apesar de a abordagem processual ter ajudado a humanizar o campo da estratégia e a reposicionar a estratégia como um fenômeno organizacional, ela recebe várias críticas. A visão de Mintzberg, por exemplo, é limitada, pois ele não considera a estratégia como uma atividade vasta e que, como tal, merece ser estudada em diferentes termos: como um tipo de trabalho que vários dos seus leitores irão fazer, como um tipo de profissão que é influente para além das fronteiras de organizações particulares (WHITTINGTON, 2007).

Adicionalmente, para Mintzberg, não há motivo para se preocupar com a exploração dos reais papéis, adaptações e impactos do planejamento na prática, pois os planejamentos não se concretizam nos resultados organizacionais. Isso significa que ao frisar a separação dos resultados organizacionais da intenção estratégica, os processualistas reduzem o trabalho da estratégia a um esforço em vão, até absurdo, para controlar o incontrolável. Para ele, a prática da estratégia é muito insignificante para os resultados organizacionais para valer a pena o esforço de estudá-la (WHITTINGTON, 2007).

Opondo-se a essa visão, os sociólogos afirmam que essa indiferença equivale a ignorar o casamento, somente, porque vários parceiros acabam se desapontando ou divorciando (WHITTINGTON, 2007). Dessa maneira, o trabalho de Mintzberg ajuda a definir as fronteiras entre Processo e Prática.

Outra crítica feita à abordagem Processual e que ajuda a diferenciá-la da abordagem Prática versa sobre o fato de que a primeira ainda trata de maneira superficial as atuais

ferramentas e atividades práticas, minimizando o papel ativo do agente individual na elaboração de estratégia (JOHNSON ET AL., 2003).

O entendimento de como as pessoas utilizam suas ferramentas, como interagem para construir a estratégia em suas práticas é primordial, e não auxiliar, já que a estratégia é algo que as pessoas fazem, e não algo que a organização tem, como propõe Mintzberg (WHITTINGTON, 2007). Ao considerar a estratégia como o que a organização faz, a abordagem processual nega o senso de estratégia como um tipo de trabalho que as pessoas fazem. Por isso não se pode menosprezar os modelos estratégicos que as pessoas utilizam em suas rotinas e nas práticas em uso.

Para Whittingon (2007), o tratamento superficial dado a práticas estratégicas, tais como reuniões de planejamento, consiste em um dos maiores problemas das abordagens processuais, pois, dessa maneira, analisa-se a organização com metodologias longitudinais as quais consideram esses eventos como secundários.

A abordagem processual também é criticada pelo fato de não demonstrar grande interesse pela classe dos estrategistas e executivos, pelos seus processos de socialização institucional e pelo modo com que articulam seus interesses na organização enquanto fazem a estratégia (WHITTINGTON, 2002b, 2007).

Dessa maneira, na abordagem processual, apenas uma estreita gama de praticantes aparece, estando a práxis e práticas (elementos evidenciados pela Estratégia com Prática a serem estudados na próxima subseção) quase ausentes. Adicionalmente, apenas na esfera da práxis as abordagens da Estratégia como Prática e da Processual podem se sobrepor. Em qualquer outra circunstância, seja metodológica, ou de desempenho as abordagens são consideradas diferentes, conforme demonstra o trabalho de Henry Mintzberg (WHITINGTON, 2007).

Ainda comentando sobre as distinções e complementaridades entre as abordagens da Estratégia como Prática e a Processual, Whitington (2007) afirma que deve-se resistir à conclusão de que Prática é Processo, porque a pesquisa em Processo é definida muito restritamente e, ao se colocar a prática sob o olhar sociológico, tem-se uma visão mais abrangente.

Assim, a estratégia sob a perspectiva da prática é vista como uma prática social e que procura entender como os praticantes em estratégia agem e interagem. Dessa maneira, ela muda foco da preocupação, antes relacionada à estrutura organizacional e ao seu ambiente ou às

competências essenciais das empresas, para as competências práticas dos gestores como estrategistas.

Outra forma de diferenciar as abordagens é levando em consideração as refinadas diferenças existentes entre seus focos e bases teóricas. No tocante à diferença de foco entre as abordagens, Whittington (1996), por exemplo, argumenta que o foco da pesquisa processual continua a ser a organização como um todo e o suficiente não é dito sobre o trabalho de praticantes da estratégia comuns no dia-a-dia de suas rotinas. Apesar das contribuições feitas pela abordagem processual, elas não são suficientes para se compreender as características únicas e particulares no nível micro da atividade gerencial (BALOGUN ET AL. 2003; RÉGNER, 2003). Para estudar essas práticas, Balogum et al. (2003) argumentam que métodos complementares que forneçam mais distância e flexibilidade são necessários.

Com relação às bases do desenvolvimento teórico das duas abordagens, Valadão e Silva (2012, p.186) afirmam que elas são significativamente diferentes:

Enquanto o processo da estratégia está fundamentado basicamente no desenvolvimento das teorias da firma, por meio principalmente dos trabalhos de Cyert e March (1963), com interesse sobre as micro e macroatividades individuais e organizacionais, subordinando os atores aos processos desenvolvidos dentro da empresa por meio dos padrões que emergem no fazer estratégico, a estratégia como prática teve, mais recentemente, pela via das teorias sociais, uma significativa evolução motivada, além de outros, pelos estudos de Bourdieu (1990) e Giddens (2000, 2009), com os trabalhos focados principalmente nas práticas desenvolvidas, não somente dentro do contexto organizacional, mas em todas as ações e processos individuais e coletivos que são praticados pelos atores para busca das realizações pessoais e dos ambientes organizacionais nos quais os indivíduos estão inseridos (VALADÃO; SILVA, 2012, p. 186).

Percebe-se, portanto, que o processo de estratégia estava ancorado nas suposições econômicas na pesquisa em administração estratégica, enquanto que a estratégia como prática passa a se basear em recursos da sociologia para se engajar mais firmemente na concepção de estratégia como prática social.

Dessa forma, Canhada e Rese (2009, p.283) entendem que “na estratégia como prática há um refinamento teórico, bem como metodológico que acompanha o interesse da filosofia e da teoria social contemporânea pela questão das práticas sociais que estavam ausentes das

abordagens processuais”. O Quadro 5 ilustra algumas diferenças teóricas entre a Estratégia

Quadro 5 – Diferenças Teóricas da Estratégia como Prática e Processo da Estratégia Perspectivas Raízes Teóricas Teóricos Representativos Interesse Fundamental Bases de Estudo Resultados Estratégia

como Prática Teoria Social

Bourdieu, Giddens, Certeau e Sztompka Práticas Atores e processos constituem as práticas Sucesso das práticas coletivas Processo de Estratégia Teoria da Firma Cyert e March, Chandler e Ansoff Micro e macroatividades Processos são subordinados aos atores Sucesso dos padrões correntes de ação Fonte: Valadão e Silva (2012, p.186)

A partir do exposto, percebe-se que a Estratégia como Prática, de fato, possui relação de complementaridade com a Abordagem Processual, já que as práticas são alimentadas pelos processos. Assim, continuamente, modelam e reestruturam os processos no fazer estratégico realizados por meio das escolhas estratégicas feitas pelos indivíduos que são influenciados pelas práticas socialmente construídas e culturalmente aceitas (VALADÃO; SILVA, 2012). De maneira recursiva ou adaptativa, a estratégia como prática (JARZABKOWSKI, 2004) interligada com o processo de estratégia, pode trazer contribuições significativas para o sucesso da empresa nos ambientes turbulentos e incertos com que o estrategista diariamente lida.

Outra contribuição para o sucesso organizacional pode ser proveniente do entendimento do contexto institucional, já que a análise da atividade estratégica se torna incompleta caso não haja ligação entre o strategizing local e o amplo fenômeno social (WHITTINGTON, 2011; SEIDL; WHITTINGTON, 2014). Portanto, a seguir, discorre-se sobre a Abordagem institucional no intuito de fornecer esse entendimento extra-organizacional e complementar a Estratégia como Prática que foca no nível intra-organizacional (WHITTINGTON, 2006; JARZABKOWSKI; SPEE, 2009; SUDDABY; SEIDL; LÊ, 2013).