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As distinções dos sistemas do common law e civil law e a repercussão na prevalência e coexistência das fontes

3 PLURALIDADE DE FONTES E PLURALISMO JURÍDICO

3.2 FONTES EM ESPÉCIE

3.2.1 As distinções dos sistemas do common law e civil law e a repercussão na prevalência e coexistência das fontes

Como visto as fontes de direito constituem-se em processos legislativos, atividade jurisdicional, prática consuetudinária e atividade negocial. Todavia, antes de analisar especificamente cada uma dessas fontes, cumpre evidenciar que diante de um panorama pluralista não há primazia pré estabelecida de uma fonte sobre a outra. A prevalência alardeada por construções doutrinárias dá-se em função de uma representatividade maior ou menor que depende exclusivamente de circunstâncias sociais e históricas, bem como de experiências culturais. Tais circunstâncias impactaram nas formas de organização social jurídica, de maneira que foram construídos dois sistemas de organização de normas jurídicas (e suas respectivas fontes), conhecidos como ordenamentos jurídicos do civil law e common low.

O sistema do common law apresenta tradição anglo americana. A principal fonte é a atividade consuetudinária, de modo que em seu ordenamento encontra-se relevo as produções normativas oriundas dos usos e costumes, consolidadas especialmente pela jurisdição. Chama-se de direito misto (pois que é costumeiro e jurisdicional), sendo ausente ou escassa a produção de codificações em matéria civil ou comercial.

Vale dizer que atualmente países com tradição anglo americana (como Inglaterra ou os Estados Unidos da América) deixaram de ter como principal fonte a consuetudinária, ofertando-se especial privilégio à produção jurisdicional, em especial aos precedentes jurisdicionais. Ainda que tais decisões magistrais estejam baseadas em usos e costumes prévios, estes já não são validados de modo livre e independente, necessitando da retificação jurisdicional. Nesse sentido, é preciso ponderar que:

[...] nesse sistema de Direito, nenhum costume obriga, enquanto não consagrado pelos tribunais. Como estes são órgãos do Estado, verifica-se que, quer se trate de primado da lei (como no civil law) quer do primado do precedente judicial (como no common law) o que

se dá, no Estado Moderno, é a supremacia das normas editadas pelo Estado sobre todas as demais. (REALE, 2001, p. 145).

Verifica-se, pois, que ainda nestes ordenamentos nos quais a lei não assume posição de destaque, o monismo estatal conseguiu fincar raízes, concentrando as principais produções normativas no Estado, representado neste caso pelo Poder Judiciário. Não se trata de um monismo legalista, mas de um “monismo jurisdicional”.

Há que se falar, entretanto, que, de fato, o monismo encontra-se muito mais consolidado, fechado e concentrado quando este se organiza em torno do atributo da legalidade como sua fonte central. Isto é o que caracteriza o sistema do civil law. Este apresenta tradição romano-germânica, tendo influenciado na construção do ordenamento nos países da Europa Ocidental e nas nações latinas, como acontece no Brasil.

Observa-se que neste tipo de ordenamento existe um primado do processo legislativo, sobre as demais fontes. Tal fato sustentou-se especialmente “após a Revolução Francesa, quando a lei passou a ser considerada a única expressão autêntica da Nação, da vontade geral, enunciados normativos elaborados através de órgãos legislativos próprios” (REALE, 2001, p. 131). Neste tipo de ordenamento a “lei é indiscutivelmente a mais importante das fontes formais da ordem jurídica. Ela é a forma ordinária e fundamental da expressão do direito”. (MONTORO, 2013, p 377).

No direito brasileiro, tendo em vista a herança romanística, ocorreu analogamente a afirmação da supremacia do processo legislativo. Tal fato encontra respaldo, por exemplo, na Constituição Federal, artigo 5º, inciso II que anuncia que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei”. Ademais, o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro aduz que “somente quando a lei for omissa” é que se aplicarão as demais formas de expressão do direito. Sendo assim, a lei acaba por ser a representação mais expressiva dos fundamentos e preceitos do Direito.

Vale destacar conclusões de Miguel Reale, a respeito da comunhão atual de ambos os modelos de sistemas jurídicos quanto à prevalência de fontes estatais:

Com o predomínio do processo legislativo; ou do processo jurisdicional, correspondentes às duas áreas culturais básicas do mundo contemporâneo, prevalecem neste as fontes de direito de natureza estatal sobre as de caráter puramente social, sem que este fato importe no olvido da grande importância do direito constituído graças às atividades desenvolvidas pela coletividade, de maneira autônoma, nos planos religioso, econômico, esportivo etc. É indispensável,

todavia, que haja correspondência cada vez mais adequada e fiel entre os ideais e as exigências de Sociedade Civil e o ordenamento jurídico do Estado. (REALE, 2001, p. 145).

Essa análise comparativa importa em validade para demonstrar que o primado de uma fonte sobre a outra fonte de direito, não é pré estabelecido e não possui razões lógicas, sendo apenas uma construção social, histórica e cultural que, em virtude de novas ocorrências, pode ter seus contornos alterados e, igualmente, sofrer novas influências. Desta feita, não é novidade que ambos os sistemas estão passando por influências recíprocas. Assim é que cresce no sistema do civil law a relevância da atividade jurisdicional, bem como amplia-se no common law a ocorrência de processos legislativos.

Com efeito, não há que se falar que um sistema é melhor ou mais perfeito que o outro. Ambos são circunstanciais e, por assim dizer, podem absorver novas fontes e assumir novas estruturas. Diante, por exemplo, da atual crise do Estado, os seus poderes Legislativo e Judiciário, então centralizadores dos modos de produção de normas jurídicas (e abarrotados ou defasados nestas funções), necessitarão conviver com processos autônomos, como os negociais. Tal fato merece ser levado em consideração pois, sob o paradigma pluralista, mais experiências jurídicas e processos criativos de normas necessitaram ser observados ou até incorporados e os mencionados sistemas do common law e civil law – como até então conhecidos – poderão necessitar ser reajustados.

Para fins de pesquisa, deve-se evidenciar que será efetuado um recorte, de modo que as fontes acima suscitadas serão a seguir examinadas individualmente, sob a égide do sistema do civil law, haja vista que é este o modelo ao qual se enquadra o ordenamento jurídico brasileiro na atualidade.