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Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito – crise do monismo e ascensão do pluralismo

3 PLURALIDADE DE FONTES E PLURALISMO JURÍDICO

3.1 DO MONISMO ESTATAL AO PLURALISMO DOS CENTROS DE PODER PARA CONSTRUÇÃO DE NORMAS

3.1.3 Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito – crise do monismo e ascensão do pluralismo

Evidente que o Estado de Direito (Liberal) não foi suficiente para suportar as transformações oportunizadas pela Revolução Industrial, especialmente no que tange a formação de conglomerados econômicos e crescimento de uma nova classe social, qual seja, do proletariado. Surgem diversas críticas ao modelo econômico do liberalismo, sob o argumento de que este alimentava o capitalismo selvagem, bem como ao individualismo exacerbado. Em decorrência, foi solidificando-se a convicção de que para o efetivo aproveitamento das liberdades negativas, fazia-se necessário garantir condições mínimas de existência para cada ser humano. O bem comum ou o sentido de justiça não prescindiam de recursos que promovessem a igualdade. Assim é que se oportuniza um Estado do Bem Estar Social, com propostas de intervenção econômica e tratamento desigual dos desiguais.

A política do Estado do Bem Estar Social promoveu o primado do público sobre o privado, mediante a intervenção estatal e regulação de comportamentos individuais, o que ocasionou o inchaço do Estado, tornando seu aparelho deveras burocrático. Ademais, houve a geração de uma crise na saúde e previdência em virtude do crescimento populacional, decorrente, sobretudo, de avanços da medicina e expectativa de vida. Este contexto foi agravado, uma vez que o mercado foi dominado pela

globalização econômica. Esta, por sua vez, é fruto do grande avanço tecnológico no campo da informática e comunicações, que encurtou distâncias e acelerou a velocidade das informações, ampliando mercados e diluindo as fronteiras nacionais.

Devido ao avanço tecnológico industrial e grande velocidade do mercado de consumo, a globalização acabou por preterir os homens nas relações de emprego, buscando máquinas e redução de custos, o que acarreta o aumento do desemprego e diminui o poder dos trabalhadores e sindicatos. Com isto torna-se latente a produção de desigualdades econômicas, que assolam a justiça social. Com o impacto da globalização, o Estado do Bem Estar Social não resistiu e entrou em crise.

Essa conjuntura favorece a ressurreição da ideia de Estado mínimo, sem intervenção econômica, que se equilibra por forças próprias e com significativa redução dos gastos públicos. O mundo, portanto, passar a conhecer o neoliberalismo, o qual defende que:

o mercado deixou de ser meio para se converter em fim, e no seu altar estão imolados os direitos sociais, vistos como causas do déficit público, de opressão e da ineficiência dos atores econômicos. O mercado, alforriado dos mecanismos estatais regulatórios e compensatórios, que o cingiam, torna-se o ambiente propício para o mais violento darwinismo social, onde o mais fraco é excluído de todas as benesses da civilização. (SARMENTO, 2001, p. 397).

No Brasil, mesmo com estas mudanças ocorridas no cenário mundial, o modelo constitucional continuou por ser interventor, com normas que orientam para a consecução de igualdade material e justiça social. É verdade que houve Emendas Constitucionais diversas que não desprezam o mercado. Todavia, não há no texto constitucional maior reverência às especulações neoliberalistas8.

Assim como no Brasil, outros países possuem Constituições redesenhadas, frente às declaradas no Estado do Bem Estar Social, mas, contudo, ainda conservadoras em relação às ideias neoliberais. Estas Constituições, que nem são neoliberais e nem são sociais, passam a ser chamadas neste trabalho simplesmente como “pós-sociais”- expressão esta utilizada por Daniel Sarmento (2001, p. 402). As Constituições pós-

8 Isto porque o neoliberalismo, conforme assevera Paulo Bonavides “cria mais problemas do que os que

intenta resolver. Sua filosofia do poder é negativa e se move, de certa maneira, rumo à dissolução do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de soberania e, ao mesmo passo, doutrinando uma falsa despolitização da sociedade”. (BONAVIDES, 2005, p. 571). Assim, afirma o mesmo autor que a globalização política neoliberal caminha silenciosa, sem realizar nenhuma menção sobre valores. Mas, contudo, age com estratégias que visam, no futuro, o privilégio e a expansão das hegemonias supranacionais já formadas e conhecidas atualmente.

sociais deixaram de ser vistas como um documento essencialmente político, e adquiriram definitivo reconhecimento de sua força normativa, sendo capaz de imprimir ordem e conformação à realidade política e social9. E, ao contrário dos interesses

neoliberais, incorporam valores, opções políticas e diretrizes aos poderes públicos. Tendem a ser programáticas, prolixas, ecléticas e totalizantes.

Tem-se o nascimento do neoconstitucionalismo (ou constitucionalismo contemporâneo) que caracteriza o período de meados do século XX que se estende até o atual século XXI. Este não tem a pretensão de ser uma proposta eterna e universal aplicável em qualquer época a todos os tipos de Constituição. Trata-se, em verdade, de um modelo particular aplicado a sistemas de organização político-jurídica desenvolvidos em um Estado Democrático de Direito.

O Estado Democrático de Direito funda-se no princípio da soberania popular, que impõe a participação efetiva do povo na coisa pública, que não se exaure na simples formação das instituições representativas. É um “Estado de legitimidade justa (ou Estado de justiça material), fundante de uma sociedade democrática, qual seja que instaure um processo de efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do controle das decisões, e de sua real participação nos rendimentos da produção.” (SILVA, 2008 p. 118).

O Estado Democrático de Direito possui como objetivo máximo a construção de um Estado de justiça social, baseada na dignidade da pessoa humana, realizado pela prática dos direitos sociais inscritos na Carta Magna (rígida, emanada da vontade popular, dotada de supremacia, especialmente em relação aos poderes públicos) e pelo exercício de instrumentos que oferecem cidadania. Assim, o “Estado Democrático de Direito impõe à ordem jurídica e à atividade estatal um conteúdo utópico de transformação do status quo” (STRECK, 2002, p. 64).

Com a crise do Estado de Direito (já mencionada, que agora se apresenta como Estado Democrático de Direito), oportunizou-se a crise do positivismo. Isto porque, pelos fatos históricos constatou-se que a constituição escrita (positivada pelo Estado) não correspondia à constituição real. Logo, analisando o prisma da legitimidade da Lei nota-se que, no caso da norma escrita não expor os valores que eclodem no seio da comunidade, que fundamentam a ordem jurídico-política, não terá ela nenhuma

9 Embora a Constituição (agora com reconhecida força normativa), não realize nada por si só, ela impõe tarefas que, quando são identificadas a vontade de concretização da ordem ou mesmo a realização efetiva desta, tornam-se força ativa. (HESSE, 1991, p. 15-19).

eficácia social ou, se tiver, terá que ser imposta única e exclusivamente pela força, ocasionando descontentamentos e arbitrariedades (MELLO, 2007, p. 184).

O grande equívoco do positivismo foi não reconhecer a existência do Direito em formações sociais diferentes do Estado, afastando-se das práticas e necessidades sociais hodiernas. Nesse sentido, dentre os efeitos decorrentes da crise do Estado e do Direito, citam-se os seguintes:

descompasso entre o Direito e a realidade; crise da modernidade e crise dos paradigmas; crise do Direito estatal e o fenômeno do pluralismo jurídico; surgimento de ordens jurídicas paralelas; crise da soberania nacional; crise da codificação ou a era da descodificação; novas necessidades sociais; reordenação do capitalismo mundial; integração dos mercados; privatização; descentralização e globalização do capitalismo monopolista.” (CAIRO JR., 2001, p. 19).

Este período, coincidente com as trágicas sequelas humanitárias deixadas pela Segunda Guerra Mundial, foi assinalado pela necessidade de uma nova dogmática, que tivesse um ponto de equilíbrio entre jusnaturalismo e positivismo, configurando pedestal aos valores civilizatórios que aproximam Direito e moral e conferindo normatividade aos princípios (agora tidos como mandamentos de otimização). (NOVELINO, 2010, p. 35-36). Tem-se, por conseguinte, a disseminação do pós positivismo, que:

surge em resposta ao dogma positivista contrariando suas características de cientificidade, objetividade, neutralidade, estatalidade e completude. Ao Direito não cabe mais uma visão da ciência neutra e objetiva, uma vez que não podemos atribuir-lhe, como ciência humana que é, aspectos inerentes as ciências naturais. Por ser um produto do meio social, resguardando seus valores e anseios, e sendo a sociedade dinâmica, o Direito também precisa ser dinâmico, seu conteúdo deve estar em conformidade com as necessidades e valores sociais, acompanhando suas transformações. (SIQUEIRA JÚNIOR, 2011, p. 259).

O pós-positivismo busca a concretização das garantias constitucionais para lhes conferir o máximo de eficácia. Propõe-se que o Direito aproxime-se das necessidades sociais, deixando de ser um discurso legitimador das forças dominantes, para ser de fato um instrumento de transformação social. Mediante uma nova hermenêutica, os valores antes considerados ideais e inatingíveis passam a ser objetos em busca de concretização. Essa nova hermenêutica trabalha com a aplicação da norma ao caso concreto, mediante uma abordagem principiológica ou valorativa. Observa-se, pois, a estipulação de um vínculo entre o Direito e a ética, rompendo com o cientificismo positivista e reintroduzindo noções de justiça e legitimidade.

A principal finalidade desta nova proposta é aproximar o Direito estatuído e vigente junto à sociedade, em busca de sua efetivação. Para tanto, observa-se a necessidade de afirmação de um sistema jurídico aberto e plural. A crise do Estado de Direito e a crise do positivismo ocasionam a crise do monismo, o que oportuniza a concepção de um novo paradigma, qual seja, pluralista, potencializado pela emersão do Estado Democrático de Direito e pelo pós positivismo.

3.1.4 O pluralismo progressista democrático – presente na Constituição Federal de