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Objetivos da mediação

2.3 NOÇÕES CONCEITUAIS E PROCEDIMENTAIS SOBRE A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA

2.3.3 Objetivos da mediação

Adotando-se a delimitação de Lilia Sales (2004), entende-se que a mediação possui quatro objetivos principais, que norteiam os procedimentos empregados ao longo do processo, sendo eles: solução do conflito, prevenção de conflitos, inclusão social e paz social. Para o cumprimento destes objetivos, se torna imprescindível à atuação do mediador, que de forma imparcial, mas não neutra, deve estar implicado em atingi-los, mediante a promoção da comunicação saudável e proveitosa entre as partes.

2.3.3.1 A solução do conflito

A solução do conflito é entendida como a celebração de um acordo entre as partes. Culturalmente, a mediação somente pode ser considerada vitoriosa na hipótese de ter originado a produção de um acordo. Assim, embora a solução do conflito não seja o único objetivo da mediação, este normalmente é tido como o objetivo principal, ou, ao menos, como resultado mais representativo.

Vale lembrar que o acordo a ser formulado deve ser justo e satisfatório para ambas as partes. Logo, se pressupõe a sua produção foi fruto da existência de um diálogo fluente, bem direcionado, pautado na solidariedade. Então, “o acordo é conseqüência do diálogo honesto e a mediação instrumento que possibilita esta comunicação.” (SALES, 2004, p. 28).

Em uma mediação não se deseja alcançar um acordo, qualquer que seja ele, com a única intenção de evitar uma demanda judicial. Justamente por isso é que o mediador não propõe soluções, deixando-as a cargo das partes, que devem atuar ativamente durante o processo. Ou seja, o mediador não tem a faculdade de propor um acordo, ou muito menos forçar a aceitação deste.

Cumpre comentar que o acordo produzido em uma mediação pode ser verbal ou escrito (reduzido a termo). Nesta hipótese, caso as partes desejem, o termo de acordo pode ser convertido em título executivo extrajudicial ou judicial – necessitando cumprir requisitos de formalidades disposto no Código de Processo Civil. Assim, na mediação, o acordo produzido, em regra, não possui força executiva (como as decisões judiciais), mas poderá vir a ter quando convertido em título executivo. Deste modo, ressalta-se que na mediação “a observância do acordo independe de qualquer força executiva, visto que, tendo sido o conflito tratado pelas partes e por ela solucionado, o seu cumprimento é conseqüência natural” (SALES, 2004, p. 41).

Na mediação comunitária a informalidade é um fator favorável à efetividade do acordo, tendo em vista que o mesmo para ser cumprido depende, exclusivamente, da vontade e comprometimento das partes – sendo estes tributos devidamente trabalhos e alertados ao longo do processo de mediação. Esta característica faz da mediação um processo bastante adequado à solução de contendas em comunidades – cujo desfecho merece ser dotado de simplicidade e ausência de burocracia.

2.3.3.2 A prevenção de novos conflitos

Como conseqüência da boa comunicação tem-se (também) o segundo objetivo da mediação, qual seja, a prevenção de conflitos. A mediação, através do diálogo que se permite desenvolver, cria vínculos, constrói conexões entre as partes que antes não existiam, intentando a consolidação de uma nova forma de relação, em que poderão administrar ou evitar novos conflitos que porventura venham a surgir.

Para tanto, cabe ao mediador proceder à transformação do conflito em busca do novo elo de comunicação que será (ou deverá ser) conquistado pelas partes, a fim de se criar novas formas de se relacionar e novos vínculos, o que irá contribuir para prevenção do surgimento de novas controvérsias. Nesta linha, aprofunda Luís Alberto Warat (2001, p.89) que a transformação do conflito e a nova comunicação (que culminam com a conseqüente prevenção), podem ser obtidas na mediação pela observação e pelo tratamento dos “ditos” e “não ditos” expostos por elas:

Na mediação é fundamental trabalhar os não-ditos do sentido, esses expressam o conflito com maior grau de riqueza. Os detalhes de um conflito revelam-se muito mais pelo não-dito do que pelo expresso. Não podemos esquecer que a mediação se realiza, sempre, pela percepção e pelo trabalho que se pode realizar em relação aos infinitos detalhes.

Prosseguindo na mesma posição, Lilia Sales (2004, p. 31-32) explica que a mediação preventiva é a mediação transformadora, “que ultrapassa o objetivo do acordo entre as partes para modificar a relação entre elas, passando da relação de uma disputa para uma relação de colaboração, estabelecendo comunicação harmônica, mitigando os conflitos futuros”. Logo, outra característica de mediação que favorece a prevenção de conflitos é que este processo pauta-se na colaboração entre as partes. Na mediação a relação binária “ganhador e perdedor”, “vencedor e vencido” deve ser afastada, para que ambas as partes sintam-se vitoriosas. Conforme esclarece Dora Fried Schnitman (1999, p. 17):

Nossa cultura privilegiou o paradigma ganhar-perder, que funciona como uma lógica determinista binária, na qual a disjunção e a simplificação limita as opções possíveis. A discussão e o litígio – como métodos para resolver as diferenças – dão origem a disputas nas quais usualmente uma parte termina ganhadora, e outra, perdedora. Essa forma de colocar as diferenças empobrece o espectro de soluções possíveis, dificulta a relação entre as pessoas envolvidas e gera custos econômicos, afetivos e relacionais.

Enfatizando tal entendimento, vale lembrar que o processo judicial, por se concentrar apenas no litígio (não no conflito) e possuir forma de difícil absorção e internalização por membros de comunidades marginais, não estimula o diálogo, a construção de novas conexões, ao passo que fortalece a disputa entre os envolvidos, por conceder “ganho de causa” apenas a um deles. Uma decisão judicial definitiva não representa, obrigatoriamente, a resolução do conflito, mas apenas do litígio. Muitas vezes, “resolve-se uma querela judicial e outras dezenas aparecem como conseqüência.” (SALES, 2004, p. 30).

Na mediação comunitária, a prevenção de conflitos favorece diretamente na pacificação social. Isto porque, pela sua própria definição, a mediação comunitária não favorece apenas à formação e fortalecimento de novos vínculos entre as partes, mas a criação de laços entre membros de uma mesma comunidade, estimulando o sentimento de participação social e cidadania. Nesse sentido, pontua Lilia Sales (2004, p. 135) que:

A mediação comunitária possui como objetivo desenvolver entre a população valores, conhecimentos, crenças, atitudes e comportamentos conducentes ao fortalecimento de uma cultura político democrática e uma cultura de paz. Busca ainda enfatizar a relação entre os valores e as práticas democráticas e a convivência pacífica e contribuir para um melhor entendimento de respeito e tolerância e para um tratamento adequado daqueles problemas que,no âmbito da comunidade, perturbam a paz.

Sendo assim, através da mediação se deseja a consolidação de uma comunicação, de formas de entendimento e compreensão, fortalecendo-se uma participação ativa e colaborativa das partes envolvidas, o que culmina em mitigar o surgimento de novos conflitos, ou possibilita a autonomia para administrá-los caso venham a surgir.

2.3.3.3 A inclusão social

A inclusão social é obtida na mediação a partir do conhecimento das partes sobre o conflito em que estão inseridas, da ciência a respeito dos direitos e deveres que lhes atingem e, também, pelo empoderamento que lhes é ofertado quando da necessidade de participar ativamente durante o desenvolvimento do processo, expondo o conflito e propondo diretamente as soluções.

O conhecimento sobre o conflito deverá ser transmitido pelas partes, com o auxílio do mediador. Já o conhecimento sobre o processo deve ser exposto às partes, pelo mediador. Ressalva-se que o trabalho do mediador não se resume a uma mera exposição, mas compreende, especialmente, o esclarecimento detalhado e educação para o exercício de direitos e deveres – atitudes que comunicam o significado da expressão inclusão social.

No que tange à mediação comunitária, vale dizer que nos centros em que estas cocorrem, durante o atendimento prévio à mediação, são oferecidas às partes esclarecimentos sobre informações legais de seus direitos e deveres. Estas não devem ser transmitidas pelo mediador durante a sessão para não ferir a imparcialidade. Porém, podem ocorrer por outros profissionais do centro de mediação que não estejam atuando como mediador naquele caso.

O objetivo da inclusão social torna-se tanto mais importante quanto mais distante as partes envolvidas estão da sociedade, ou seja, quanto mais marginalizada elas se encontram, com menor possibilidade acesso à educação, renda e justiça. A inclusão social, portanto, é sensivelmente notada na mediação comunitária, pois, “ao mesmo tempo que incentiva a participação dos indivíduos socioeconomicamente marginalizados na gerência de seus conflitos, estimulando-os a solucioná-los, possibilita a conscientização de direitos e deveres” (SALES, 2003, p. 33). A mediação comunitária, além de solucionar conflitos e conservar relacionamentos, transmite às partes a noção de que elas próprias são capazes de construir uma solução para as situações conflituosas, estimulando o empoderamento e o sentimento de inclusão.

Com isto, a mediação torna-se útil para manutenção da coesão entre os membros de uma determinada comunidade. Na verdade, enfatiza Vilson Vedana (2003) que “quanto maior a intensidade dos laços que unem os membros de uma determinada comunidade, maior será a importância dada aos métodos de resolução não-judicial de disputas e mais condições existirão para que se consiga realizar a autonomia e o empoderamento da comunidade.”

As partes, então detentoras de conhecimento e consciência, começam a ter o domínio da situação, possibilitando um resgate da autonomia, auto-determinação, sentimento de responsabilidade. Assim, o alcance do objetivo da inclusão social implica diretamente no resgate do exercício da cidadania. Nesse sentido, compreende-se que:

A mediação é uma forma ecológica de resolução de conflitos; uma forma na qual o intuito de satisfação do desejo substitui a aplicação

coercitiva e terceirizada de uma sansão legal. A mediação como forma ecológica de negociação ou acordo transformador das diferenças. Em termos de autonomia, cidadania, democracia e Direitos Humanos, a mediação pode ser vista como a sua melhor forma de realização (WARAT, 1999, p. 79).

Por conseguinte, a inclusão social pode ser considerada como objetivo primordial na mediação comunitária, pois, ainda que não tenha sido alcançada a formulação de qualquer acordo, ou que não sejam prevenidos outros conflitos, se a comunicação proporcionou conhecimento sobre direitos e deveres, atingiu-se a inclusão social.

Então, estando o cidadão consciente dos seus direitos e deveres, mesmo que se afaste do processo de medição, estará ele consciente das possibilidades existentes para a resolução de sua controvérsia (judiciais ou extrajudiciais), podendo agora escolher o método ou processo que irá utilizar, com clareza de quais são os respectivos efeitos e locais disponíveis para solicitação de apoios específicos.

2.3.3.4 A pacificação social

A pacificação social é o objetivo máximo da mediação, pois concentra o êxito dos demais objetivos deste processo, quais sejam: resolução do conflito, prevenção de novos conflitos e inclusão social.

Tais objetivos estão intimamente conectados, estabelecendo-se uma relação de interdependência entre os mesmos, possuindo como premissa comum e imprescindível para suas concretizações uma comunicação sensível, objetiva, eficiente e eficaz entre as partes, sendo, para isso, a atuação do mediador (como terceiro imparcial e implicado) peça fundamental.

A mediação comunitária é um processo altamente educativo. Através do seu desenvolvimento, as partes são educadas para se comunicarem de forma civilizada, colaborativa e proveitosa, para participarem na construção de soluções e tomada de decisões, para se comportarem em situações adversas e para aplicarem seus direitos e deveres. A mediação oferece a possibilidade das partes adquirirem conhecimento, consciência e responsabilidade. E ainda, promove a formação de novos vínculos na comunidade, favorecendo a melhor coesão desta.

Por conseguinte, como objetivo mediato de uma cultura de mediação em uma comunidade, espera-se a aplicação do diálogo, nos casos de controvérsias, em lugar

da violência; uma atuação colaborativa e solidária, em lugar de uma atuação adversarial e destrutiva. “Um dos benefícios da mediação comunitária é a prevenção da violência, uma vez que a solução das controvérsias é obtida, de uma forma célere, pelas partes envolvidas e não imposta por um terceiro [...]” (PAES DE CARVALHO, 2010).

Observa-se, pois, que existe uma vocação da mediação comunitária em promover a paz e coesão social nas esferas da comunidade, onde os conflitos em geral não são levados ao Judiciário, de maneira que esta se constitui em importante instrumento de realização de justiça. (FOLEY, 2006, p. 20-21). “O convívio social entre os membros da comunidade passava a acontecer de forma mais harmoniosa, [a medida que] era disseminada a noção de que cada um deles era responsável pela manutenção dessa harmonia.” (VEDANA, 2003).

Cumpre lembrar que ideal de pacificação social é a máxima de todos os processos, sejam eles judiciais ou extrajudiciais, autocompositivos ou heterocompositivos, concretizando-se em um ideal de justiça social. Logo, a mediação não deve ser interpretada em substituição ao processo judicial, mas sim em complementariedade a este. Ou seja, a mediação comunitária deve ser vista como método auxiliar ao Poder Judiciário, pois tem a capacidade de redirecionar conflitos para esfera exterior ao Poder Judiciário, reduzindo a quantidade de demandas judiciais, acabando por favorecer a redução a celeridade processual e qualidade das sentenças judiciais. Em busca da pacificação vale coexistir uma pluralidade de alternativas para garantir o acesso à justiça, devendo cada uma destas ser aplicada às questões mais pertinentes as suas características e competências.