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Distorções cognitivas e funcionamento conjugal

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9. DISCUSSÃO

9.2. Distorções cognitivas e funcionamento conjugal

De acordo com Beck (2011), as distorções cognitivas mais comuns em pessoas com sintomas depressivos são inferência arbitrária, que é semelhante a leitura de pensamento, abstração seletiva, hipergeneralização e personalização. No entanto, não encontramos pesquisas empíricas mostrando as distorções cognitivas mais encontradas em casais insatisfeitos com a relação conjugal.

No Brasil, encontramos duas pesquisas de avaliação de distorções cognitivas. Em uma tese de doutorado, Carvalho (2014) realizou uma análise psicométrica com 444 estudantes universitários. Nesta pesquisa a distorção de LP foi mais encontrada levando em conta somente as distorções avaliadas em nossa pesquisa, porém, não houve intervenção para modificá-las. Na outra, Luz em uma dissertação de mestrado (2013) comparou distorções cognitivas, esquemas iniciais desadaptativos, sintomas de depressão, ansiedade e estresse em pessoas com obesidade mórbida e pessoas com peso normal e a LP foi a terceira mais encontrada e HG, a quarta, isto levando em conta somente as distorções avaliadas em nossa pesquisa. Contudo, esta é a primeira pesquisa que avalia a freqência de distorções cognitivas em casais insatisfeitos no relacionamento e intervem.

Os pensamentos automáticos individuais entre o casal, e as distorções cognitivas geram brigas e estão relacionadas ao significado ou interpretação que um cônjuge tem da atitude do outro (Beck, 1989; Dattilio, 2009).

As distorções cognitivas de HG e LP relatadas pela maioria desta amostra e a hipótese é que podem estar associadas aos altos níveis de crenças distorcidas sobre o relacionamento apresentados neste estudo, pois ambas as distorções interferem tanto na comunicação quanto no ajustamento do casal. A LP é um tipo de inferência arbitrária na qual, o indivíduo diz saber o que o outro está pensando e o que vai fazer devido estar com tal pensamento e isto sem nenhuma evidência, por exemplo, a esposa percebe que o marido está quieto e pensativo e, então

conclui: “Ele está planejando fazer alguma coisa de errado, está me traindo; vai me abandonar. Uma vez que estas distorções geram sentimentos desagradáveis e comportamentos disfuncionais, são potenciais para reforços em disfunção na comunicação e para insatisfação em uma relação conjugal (Kavitha, Rangan, & Nirmalan, 2014; Baucom et al., 2011; Yalcin, & Karahan, 2007; Peçanha, 2009; Sher, & Baucom, 2003).

Por outro lado, na distorção de HG o indivíduo tende a interpretar um evento isolado como representação de situações semelhantes em outros contextos, relacionados ou não relacionados. Por exemplo, um cônjuge que é criticado pelo outro por não jogar o lixo fora, conclui: “Ele/Ela sempre me critica”, “nunca me elogia” ou “todas as mulheres são iguais”. Isto leva o indivíduo a não perceber as atitudes funcionais do outro, pois, independente do contexto ou situação, o/a parceiro/a sempre será percebido e interpretado da mesma forma, gerando insatisfação em ambos os cônjuges.

Esta pesquisa traz um aspecto inovador, pois identificou as distorções que geram insatisfação entre os casais e interviu a fim de modificá-los e, consequentemente, melhorou a satisfação dos cônjuges e obteve resultados satisfatórios. Não encontramos pesquisas que investigaram as distorções cognitivas em casais e interviram a fim de melhorar a satisfação conjugal.

Após a identificação das distorções, os casais passaram por uma psicoeducação sobre o funcionamento e possíveis prejuízos na relação, bem como sobre as técnicas de modificação e reestruturação cognitiva. Também foram indicadas tarefas de casa de preenchimento do Registro de Pensamentos Disfuncionais, no qual a pessoa descreve, logo em seguida a uma situação experienciada na relação que causou estresse, colocando a situação específica, a emoção vivenciada e a intensidade (0-100), os pensamentos automáticos que surgiram naquela situação específica e a intensidade (0-100). Dessa forma, a pessoa busca uma resposta racional ou realista baseado em uma série de próprios questionamentos orientados no registro, classifica esta crença alternativa e o seu grau de intensidade e avalia as consequências, comportamento, resposta fisiológica posteriores.

Na semana seguite a situação, terapeuta e casal discutiam sobre o exercício, analisando a percepção de ambos os cônjuges. Ao final da terapia os casais relataram que este exercício desenvolveu entre eles a percepção na identificação e

nomeação dos pensamentos automáticos e na reflexão sobre respostas alternativas mais realistas, reduzindo assim, os conflitos entre eles. Isso é bom, comente, reforce o diferencial do estudo em relação a outros.

Outra questão importante foi que os casais que aderiram as tarefas de casa obtiveram melhores resultados na modificação dos pensamentos disfuncionais comparados àqueles que não cumpriram todas as tarefas desde o início da terapia ou apresentaram resistência, embora tenhamos enfatizado isto durante as sessões, buscando alternativas possíveis para o indivíduo lidar com a atividade e explorando a dinâmica subjacente à resistência.

A literatura mostra que esta é uma das questões mais importantes para a eficácia no tratamento (Kazantzis, Whittington, & Dattilio, 2010; Dozois, 2010; Barbosa, Piovesan, & Barletta, 2010; Peçanha & Rangé, 2008).

Embora os resultados desta pesquisa, a respeito da relação das variáveis sociodemográficas e as distorções cognitivas não tenham sido estatisticamente significantes, com exceção da variável gênero, ou seja, as distorções de LP e HG independem das variáveis idade, número de filhos, escolaridade, religião, tempo de casado, recasamento e renda. A literatura aponta que as distorções cognitivassão PA baseados em conceitos negativos, rígidos e preconcebidos sobre si mesmos, sobre o mundo e o futuro (Barbosa, Piovesan, & Barletta, 2010; Peçanha & Rangé, 2008; Dattilio, 2010). Essas são ideias enraizadas que se desenvolvem principalmente nas experiências mais significativas da família de origem e é levado por toda a vida. A hipóteses para este resultado é o pequeno número da amostra. Talvez uma amostra mais robusta possa apresentar diferenças destas variáveis.

Por outro lado, a variável gênero apresentou resultado significante, ou seja, há diferenças entre as duas distorções e os homens e mulheres. O que esta pesquisa mostrou foi que os homens que apresentaram a distorção de HG eram mais práticos em seus pensamentos, isto é, não refletiam sobre as situaçãoes ocorridas em diferentes contextos, então generalizavam, por exemplo: “toda vez que eu chego do trabalho você pergunta a mesma coisa. Por que chegou tarde?”, quando a esposa só estava preocupada. Já entre as mulheres, que apresentaram mais a distorção de LP, relatavam que pelo tempo de convívio, já conhecia os gestos, feições, imaginações que os esposos tinham e seus significados e sabiam como eles se comportariam, por exemplo: (pensando consigo mesma) “Este sorriso dele é de quem está aprontando alguma coisa. Ele só está esperando eu sair para

colocar o plano em ação”. Ambas as situações não há evidências concretas para as suposições.

Não encontramos pesquisas que demonstrassem qual seria a distorção mais presente entre os diferentes gêneros. Assim, se faz necessário estudos de investigação entre a relação de distorção cognitivas de LP e gênero feminino e HG com o masculino entre casais.

Fazendo uso do questionamento socrático e da seta descendente a fim de encontrar as crenças centrais percebemos que ambos os cônjuges baseavam as suas crenças nas observações e nos ensinos dos pais sobre os papéis no casamento.

Os casais foram treinados a investigar as raízes das suas crenças distorcidas e a descreverem os pós e contra os pensamentos e a descreverem o desencadeamento destes pensamentos a partir do RPD. Observamos resultados positivos nos relatos dos casais no pós exercícios. Este também foi um aspecto inovador desta pesquisa, pois treinou a habilidade de cada indivíduo na identificação dos próprios pensamentos distorcidos e na modificação destes.

Os resultados da análise univariada das variáveis Satisfação Conjugal, Depressão, Ansiedade, Ajustamento Diádico, Habilidades Sociais Conjugais, Crenças Disfuncionais, Pensamentos Automáticos e Atitudes Disfunicionais (antes da intervenção) com as distorções cognitivas HG e LP covariadas por gênero não demonstraram significância estatística, ou seja, tanto para os pensamentos de HG quanto para LP os níveis dos resultados dos instrumentos de medidas foram similares. Isto indica que ambas as distorções interferem igualmente nos sintomas depressivos e ansiosos, no ajustamento e na satisfação do casal, nos pensamentos, crenças e habilidades sociais entre os cônjuges.

A literatura enfatiza estas relações, pois as crenças distorcidas de HG e LP geram pensamentos automáticos negativos que são fatores de vulnerabilidade para a depressão e ansiedade (Dezois & Beck, 2008) e podem gerar emoções adversas desadaptativas, além de reações cognitivas fisiológicas e comportamentais (Kavitha, Rangan, & Nirmalan, 2014; Knapp, & Beck, 2008; Dozois, Bieling, Patelis-Siotis, Hoar, Chudzik, et al., 2009; Deacon, Abramowitz, 2004; Sher, & Baucom, 2003; Gloaguen, Cottraux, Cucherat, & Blackburn, 1998), levar a desajustes na relação e, consequentemente a insatisfação conjugal e comprometimento da qualidade de vida devido as expectativas e percepções

irrealiatas (Kavitha, Rangan, & Nirmalan, 2014; Yalcin, & Karahan, 2007; Sher, & Baucom, 2003; Baucom & Epstein, 1990).

Os casais foram educados a observar as correlações das variáveis Ajustamento diádico, Crenças sobre a relação, Pensamentos automáticos, sintomas depressivos e ansiosos e as distorções específicas de cada cânjuge e o impacto sobre a satisfação conjugal.

Assim, os cônjuges relataram melhoras nas distorções cognitivas, tanto em si próprios como em seus/suas parceiros/as e, por conseguinte, também relataram melhoras na comunicação, no ajustamento diádico, nos sintomas depressivos e ansiosos e na satisfação conjugal.

9.3. Satisfação conjugal

A literatura indica que a significância na avaliação das atitudes disfuncionais são maiores quando associadas a altos níveis de sintomas depressivos (Beshai, Dobson, Adel, & Hanna, 2016; Dozois et al., 2009;).

Em uma pesquisa (Beshai, Dobson, Adel & Hanna, 2016) com o objetivo de verificar os níveis de depressão, pensamentos automáticos e atitudes disfuncionais em 64 indivíduos com depressão e 67 no grupo controle, entre egípcios e canadences, foi identificado significância nos resultados da Escala de Atitudes Disfuncionais somente para os participantes que tinham altos níveis de depressão.

A hipótese para a não significância estatística nos resultados da EAD em nossa pesquisa está nos baixos níveis de depressão da nossa amostra.

Na etapa anterior as intevenções, as maiores correlações foram apresentadas entre desajuste conjugal, habilidades sociais e pensamentos automáticos. Talvez esteja aqui uma hipótese para o maior número de queixas na comunicação e interação na relação, pois, uma vez desajustados, dificilmente o casal interage, além de manterem seus pensamentos automáticos negativos e crenças irracionais.

Para a variável depressão nossa pesquisa apresentou níveis maiores de sintomas depressivos entre as mulheres, tanto antes quanto após a intervenção, comparados aos homens nos dois tempos. Da mesma foram para a satisfação conjugal. Isto está de acordo com a literetura que mostra que as mulheres tendem a ter maiores níveis de depressão do que o homem em caso de insatisfação conjugal (Whisman & Kaiser, 2008; Kendler & Gardner, 2014; Cohen, O'Leary, &

Foran, 2010; Rehman et al., 2010; Miller, Mason, Canlas, Wang, Nelson, & Hart, 2013).

Nossos resultados mostraram que quanto maior for o aumento da satisfação conjugal, maior será a redução dos sintomas depressivos e vice-versa.

Elas também apresentaram maiores níveis de ansiedade, comparado aos homens no tempo antes da intervenção o que também é esperado pela literatura, pois, indivíduos mais ansiosos tendem a ter maiores níveis de insatisfação conjugal, principalmente por apresentarem mais pensamentos distorcidos sobre a relação (Kavitha, Rangan, & Nirmalan, 2014; Peçanha, 2009; Deacon, & Abramowitz, 2004).

A nossa pesquisa enfatiza também que a utilização da intervenção em TCC modificou este panorama de maneira significativa, ou seja, ambos os cônjuges apresentaram redução nos níveis de ansiedade, depressão e melhoraram a satisfação conjugal após a terapia.

Os resultados também apresentaram melhoras significativas nos níveis de ajustamento diádico, habilidades sociais conjugais pensamentos automáticos e crenças sobre o relacionamento e indicaram que baixos níveis de satisfação conjugal impacta nas interações do casal, bem como nas habilidades sociais na relação, corroborando dados da literatura (Del Prette, Villa, Freitas & Del Prette, 2008; Wagner & Falcke, 2001; Edmundson, 2005; Zordan, Falcke, & Wagner, 2009; Zordan, Wagner, & Mosmann, 2012; Sardinha, Falcone, & Ferreira, 2009; Machado, 2007).

Estes resultados reproduzem dados da literatura que associa ajustamento diádico e sintomas depressivos (Parker, Tambling, & Campbell, 2013; Kavitha, Rangan, & Nirmalan, 2014; South, Krueger, & Iacono, 2009; Sher, & Baucom, 2003), funcionamento conjugal e fatores de risco para a depressão (Whisman & Kaiser, 2008; Miller et al., 2013) e efeitos da depressão sobre a satisfação conjugal e habilidades de comunicação (Rehman, Ginting, Karimiha & Goodnight, 2010), nos quais, estão associados padrões de crenças e pensamentos automáticos (Parker, Tambling, & Campbell, 2013; Miller et al., 2013; Dozois et al., 2009; Beck, 2005; Dela Coleta, 1992).

De acordo com Kavitha, Rangan e Nirmalan (2014), Parker, Tambling e Campbell (2013), Baucom et al. (2011), Peçanha e Rangé (2008) e Dela Coleta (1992), cônjuges infelizes com as interações tendem a ter comportamentos mais

disfuncionais do que aqueles que estão satisfeitos com a forma de interação conjugal. Por outro lado, os casais que vivem em comportamentos ou atitudes disfuncionais tendem a ter déficits de habilidades comunicativas e de resolução de problemas, bem como apresentarem atitudes defensivas.

Um diferencial deste estudo está na avaliação destas relações antes e após a intervenção com TCC, pois mostra também os maiores impactos de mudanças após terapia com casais. Além disso, não foram encontradas pesquisas de intervenção desta modalidade que avaliaram a Satisfação Conjugal, Depressão, Ajustamento Diádico, Habilidades Soiciais Conjugais e Pensamentos Automáticos, bem como, demonstraram melhoras quanto as distorções a partir de técnicas cognitivo-comportamentais. Um dos pontos importantes em termos de limitações deste estudo está no tamanho da amostra, acredita-se que um “n” mais robusto poderia proporcionar dados diferentes. Também, não foram exploradas as distorções cognitivas além das HG e LP e as relações com as queixas apresentadas pelos participantes, o que pode ser relevante, pois a partir destas identificações pode-se intervir na modificação dos padrões de pensamentos específicos e melhorar não somente a satisfação na relação conjugal como também pode reduzir os níveis de sofrimento psíquico relacionados às distorções cognitivas.

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