• Nenhum resultado encontrado

Distribuição das memórias autobiográficas na velhice

103 2.1.2 Estrutura hierárquica

2.1.3. Distribuição das memórias autobiográficas na velhice

Relativamente à distribuição das memórias autobiográficas ao longo do ciclo de vida, a investigação indica que esta não é equitativa variando de forma paralela à evolução do ego e dos objetivos de vida (Rathbone, Moulin, & Conway, 2008). Destacam-

105

se alguns aspectos na denominada curva de memória autobiográfica (life span retrieval curve) (Afonso, 2011; Janssen, Rubin, & Jacques, 2011; Rathbone et al., 2008):

I. Amnésia infantil (do nascimento até aos 5 anos): poucas recordações ou nenhumas associadas a esta época da vida;

II. Pico de reminiscência (entre os 10 e os 30 anos): recuperação de mais memórias de eventos pessoais deste período, do que dos adjacentes; III. Período de caracter recente (do presente até ao período de pico de

reminiscência): recuperação de muitas memórias de anos mais recentes. Os elementos referidos constituem um padrão básico de distribuição das memórias autobiográficas que se observa, também, em caso de patologias tais como a demência e a depressão (Afonso, 2011).

O pico de reminiscência é de particular interesse pois é o período em relação ao qual, em tarefas de recuperação de memórias livres, as pessoas evocam mais memórias autobiográficas (Rathbone et al., 2008). Seja através da pesquisa de eventos de vida importantes ou através da apresentação de palavras-estímulo (método Galton-Crovitz), aparece um pico de reminiscência cuja localização difere consoante a metodologia usada para recuperar as memórias autobiográficas (Rubin & Berntsen, 2003; Janssen et al., 2011). O pico de memórias recuperadas através dos eventos de vida localiza-se na terceira década de vida, enquanto utilizando palavras-estímulo, as memórias acumulam- se na segunda década (Janssen, Chessa, & Murre, 2005; Janssen et al., 2011).

Existem várias explicações para o elevado número de memórias recuperadas no período de pico de reminiscência, destacando-se as seguintes hipóteses (Janssen et al., 2011; Rathbone et al., 2008):

I. Hipótese das novas experiências (novel experiences): explicação cognitiva que assume que a adolescência consiste em muitas primeiras experiências (Pillemer et al., 1988) e que estes novos acontecimentos são usados mais tarde como exemplos quando alguém experiencia eventos similares (Janssen, Rubin, & Jacques, 2011).

II. Hipótese do guião de vida (life script hypothesis): baseia-se em ideias partilhadas, dentro de determinada cultura daquilo que é expectável que aconteça em determinado período de vida das pessoas – casamento, nascimento dos filhos, o primeiro emprego. O guião de vida é o esquema culturalmente esperado dos acontecimentos (Rubin & Berntsen, 2003). O pico de reminiscência surge para acontecimentos positivos e não para eventos tristes ou traumáticos (Rubin & Berntsen, 2003).

III. Hipótese da formação do self (grounding of an individual´s self): investigações recentes sugerem uma nova explicação para o pico de

106

reminiscência, baseada na fundação do ego individual. De acordo com esta visão, sempre que existe material relevante para os objetivos de vida ou a identidade, este estará facilmente acessível na memória autobiográfica pois acompanha a definição do indivíduo e a sua autoimagem (Rathbone, Moulin, & Conway, 2008).

Tendo como base esta síntese sobre as características da MA, o ponto seguinte descreve as alterações presentes na mesma em pessoas com demência. Sendo a MA importante na manutenção de um self coerente (Afonso, 2011), na medida em que armazena as informações relativas ao próprio (Bluck & Levine, 1998), o seu estudo torna- se pertinente no contexto de pessoas com declínio cognitivo e perda de memória, características da população alvo deste trabalho.

2.1.4. Bibliografia

Afonso, R. (2011). Reminiscência como técnica de intervenção psicológica em pessoas idosas. Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para as Ciências e Tecnologias.

Baddeley A. (2001). The concept of episodic memory. Philosophical Transactions of the Royal Society of London Series B, 356 (1413), 1345-1350. doi: 10.1098/rstb.2001.0957.

Berna, F., Schönknecht, P., Seidl, U., Toro, P., & Schröder, J. (2012). Episodic autobiographical memory in normal and pathological aging. Psychiatry Research, 200(2-3), 807-12.

Bluck, S. & Alea, N. (2002). Exploring the functions of autobiographical memory: Why do I remember the Autumn? In J. Webster & B. Haight (Ed), Critical Advances in Reminiscence work: from theory to application (61-75). New York: Springer Publishing Company.

Bluck, S. & Alea, N. (2005). A Tale of three functions: the self-reported uses of autobiographical memory. Social Cognition, 23, 91-117.

Bluck, S. & Levine, L. (1998). Reminiscence as autobiographical memory: a catalyst for reminiscence theory development. Ageing and Society, 18, 185-208.

Bluck, S. & Liao, H. (2013). I was therefore I am: creating self-continuity through remembering our personal past. The International Journal of Reminiscence and Life Review, 1, 7-12.

Conway, M. (2005). Memory and the self. Journal of Memory and Language, 53, 594-628. doi: 10.1016/j.jml.2005.08.005.

Conway, M.A. & Pleydell-Pearce, C.W. (2000). The Construction of Autobiographical Memories in the Self-Memory System. Psychological Review, 107 (2), 261-288. Fivush, R., Habermas, T., Waters, T., & Zaman, W. (2011). The making of

107

International Journal of Psychology, 46 (5), 321-345. doi: 10.1080/00207594.2011.596541.

Gonçalves, D. (2006). Estimulação e promoção de memórias autobiográficas específicas como metodologia de diminuição de sintomatologia depressiva em pessoas idosas.Dissertação de mestrado, Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal.

Janssen, S., Chessa, A., & Murre, J. (2005). The reminiscence bump in autobiographical memory: effects of age, gender, education, and culture. Memory, 13, 658–668. doi:10.1080/09658210444000322.

Janssen, S., Rubin, D., & Jacques, P. (2011).The temporal distribution of autobiographical memory: changes in reliving and vividnessover the life span do not explain the reminiscence bump. Memory & Cognition, 39, 1-11. doi: 10.3758/s13421-010- 0003-x.

Lalanne, J., Gallarda, T., & Piolino, P. (2014). “The Castle of Remembrance”: New insights from a cognitive training programme for autobiographical memory in Alzheimer’s disease. Neuropsychological Rehabilitation: An International Journal, 25(2), 254-282. doi: 10.1080/09602011.2014.949276.

Lalanne, J. & Piolino, P. (2013). Prise en charge des troubles de la mémoire autobiographique dans la maladie d’Alzheimer du stade débutant au stade sévère: revue de la littérature et nouvelles perspectives. Gériatrie et Psychologie Neuropsychiatrie du Vieillissement, 11, 275-285. doi:10.1684/pnv.2013.0422.

Levine, L.J., Lench, H.C., & Safer, M.A. (2009). Functions of Remembering and Misremembering Emotion. Applied Cognitive Psychology, 23, 1059-1075. doi: 10.1002/acp.1610.

Martinelli, P., Anssens, A., Sperduti, M., & Piolino, P. (2013). The influence of normal a disease in autobiographical memory highly related to the Self. Neuropsychology, 27 (1), 69-78. doi: 10.1037/a0030453.

Piefke, M. & Fink, G.R. (2005). Recollections of one´s own past: the effects of aging and gender on the neural mechanisms of episodic autobiographical memory. Anatomy & Embryology. 210, 497-512. doi: 10.1007/s00429-005-0038-0.

Pillemer, D.B. (1992). Remembering personal circumstances: a functional analysis. In E. Winograd & U. Neisser (Ed), Affect and accuracy in recall: Studies of “flash-bulb” memories. (Emory symposia in cognition, 4nd ed, 236-264). New York: Cambridge University Press.

Pillemer, D.B. (2003). Directive functions of autobiographical memory: The guiding power of the specific episode. Memory, 11 (2), 193-202. doi: 10.1080/741938208.

Pillemer, D.B., Goldsmith, L.R., Panter, A.T., & White, S.H. (1988). Very Long-Term Memories of the First Year in College. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory and Cognition, 14(4), 709-715.

Rathbone, C.J., Moulin, C.J., & Conway, M.A. (2008). Self-centered memories: The reminiscence bump and the self. Memory & Cognition, 36(8), 1403-1414.

Rubin, D.C. & Berntsen, D. (2003). Life scripts help to maintain autobiographical memories of highly positive, but not highly negative, events. Memory & Cognition, 31(1), 1-14.

108

Serrano, J.P. (2002). Entrenamiento en memoria autobiográfica sobre eventos positivos específicos en ancianos con síntomas depresivos. Ph.D.Thesys, Universidade de Castilla La Mancha, Albacete, Espanha.

Small, B.J., Dixon, R.A., & McArdle, J.J. (2011). Tracking cognition–health changes from 55 to 95 years of age. The Journals of Gerontology Series B: Psychological Sciences and Social Sciences, 66B (Suppl_1), i153–i161. doi: 10.1093/geronb/gbq093.

Stuart-Hamilton, I. (2002). A Psicologia do Envelhecimento: uma introdução. Porto Alegre: Artmed.

Tulving E. (1972). Episodic and Semantic Memory. In E.Tulving & W. Donaldson (Ed), Organization of Memory. (381-402). New York: Academic Press Inc.

Williams, J., Barnhofer, T., Crane, C., Hermans, D., Raes, F., Watkins, E., & Dalgleish, T. (2007). Autobiographical Memory Specificity and Emotional Disorder. Psychological Bulletin, 133, 122-148. doi: 10.1037/0033-2909.133.1.122.

109

2.2. MEMÓRIA AUTOBIOGRÁFICA E DOENÇA DE ALZHEIMER: REVISÃO DA