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Distribuição Geográfica da Agricultura e Pecuária Mundiais

Geografia Agrária

4.1. Distribuição Geográfica da Agricultura e Pecuária Mundiais

Longe de reproduzir processos e padrões espaciais rigidamente pautados em diferenças naturais derivadas das coordenadas geográficas (latitude e longitude) e suas repercussões nas mudanças climáticas, no solo e na vegetação, os padrões atuais de distribuição da agricultura e pecuária no mundo estão associados cada vez mais, em grande parte do planeta, a fatores socioeconômicos mais amplos que alteraram em muito a distribuição das atividades no campo ao longo do tempo.

Observa-se na atualidade uma distribuição da produção agropecuária no mundo referenciada não só à diversidade natural do planeta, mas, também, crescentemente, articulada a um complexo conjunto de fatores que vão muito além das formas a-históricas de se observar a agricultura segundo sua “vocação natural”.

Desse modo, não resta dúvida que o espaço agrário tradicional passou por um intenso processo de transformação em grande parte dos países, perdendo a autonomia relativa que possuía e se integrando cada vez mais à esfera econômica, social e cultural de uma sociedade e de um território em crescente articulação.

A geografia da agricultura e pecuária mundiais vem seguindo, assim, cada vez mais uma dinâmica espacial que tem como motor o comércio mundial de

commodities e, portanto, a logística que envolve não só as áreas agrícolas,

como, cada vez mais, sua localização frente às vias de circulação e aos pontos de armazenagem, processamento e distribuição da produção e de serviços. A enorme especialização alcançada pela agropecuária norte-americana, que formaram os cinturões de milho e de trigo - “corn belts” e “wheat belts” – são o testemunho marcante da dinâmica espacial de uma agricultura que é considerada, por muitos estudiosos, a mais desenvolvida do mundo27.

Na Europa, por exemplo, Hervieu (s/d apud WANDERLEY, 2000) afirma que ocorre um vigoroso movimento de concentração que tende a relocalizar a produção agropecuária em função dos lugares de transformação e de distribuição. Nesse sentido, o triângulo portuário Rouen-Londres- Amsterdam tem um tal poder de atração, que se poderia imaginar um cenário para os próximos 30 anos, no qual 60 a 70% da produção agrícola europeia tenderiam a se concentrar ao longo da linha do Canal da Mancha e do Mar do Norte, de Brest (França) a Copenhague (Dinamarca).

Na América Latina, em que o espaço agrário é de ocupação histórica mais recente do que o europeu, a distribuição da agropecuária tem avançado em direção ao interior do continente em terras antes consideradas de baixa capacidade de suporte natural do cerrado brasileiro onde, contudo, a introdução de novas tecnologias, tanto nas espécies vegetais, como aquelas que alteram as características dos solos, permitiram a incorporação de extensas regiões do interior do território brasileiro ao mercado mundial enquanto um grande produtor de grãos (soja, milho) e de carne.

Além desses fatores a interiorização da rede de estradas, de energia e de comunicação vem revertendo a posição estratégica do interior da América do Sul e do Brasil, em especial, frente ao competitivo mercado de

commodities agrícolas que passa por constantes mudanças seja do lado da

demanda como da produção e da comercialização de alimentos.

O aumento exponencial da produção e demanda por proteína animal e vegetal28 cria uma nova distribuição geográfica da agricultura e pecuária

27 A forma intensiva, a alta produtividade e a integração à indústria constituem as principais

características da agricultura estadunidense. O emprego de sistemas intensivos associa vários fatores, entre os quais os mais importantes são: intensa mecanização; alta tecnologia; menor utilização quantitativa de mão de obra; qualificação profissional.

28 Com efeito, além do grande desenvolvimento do mercado e do consumo mundial da proteína

animal, um outro segmento que dinamiza crescentemente a economia mundial com reflexos diretos na distribuição espacial da atividade agropecuária constitui o mercado mundial de grãos. Atualmente este mercado é composto principalmente por três commodities agrícolas: trigo, milho e arroz que constituem a base alimentar da maior parte da humanidade.

mundiais, na qual a produção de tais commodities se torna mais um elemento estratégico no jogo político-financeiro que envolve corporações e governos de países e blocos, tanto do mundo desenvolvido, quanto do grupo de países emergentes, como a China, Índia e Brasil.

De acordo com dados da USDA – United State Departament of

Agriculture, a produção e consumo de carne bovina e derivados aumentou

consideravelmente nas últimas duas décadas impulsionada pelo acelerado crescimento das economias de países como a China, a Índia e, em menor medida, também o Brasil, gerando um aumento sensível no poder de compra de parte das populações, sobretudo urbanas, desses países.

Trata-se, assim, de transformações de ordem econômica apoiada em inovações tecnológicas, que afetaram profundamente a forma de produzir e de distribuir a produção agropecuária não só na América Latina como em todo o mundo e que se traduziram, especialmente, pela progressiva modernização do processo de produção aliada a um movimento contínuo de integração desse setor aos mercados, inclusive e, sobretudo, aos mercados extra locais.

Em escala mundial, nas últimas três décadas, a inserção maciça no mercado de produtos alimentícios processados de carnes (aves, bovina e suína) e derivados de soja, cada vez mais acessíveis, alterou substancialmente o padrão de consumo alimentar das populações urbanas em praticamente todo o mundo ocidental e, mais recentemente, também em países de cultural oriental, a exemplo da China e da Índia.

A acelerada urbanização observada em economias emergentes, como a China, Índia e Brasil, projeta um aumento da demanda de produtos alimentares dado que grande parte dos novos habitantes urbanos, principalmente no caso da China, deixam de produzir no campo.

Não é por acaso que esse é um dos pontos que envolve atualmente a discussão acerca da manutenção dos subsídios e da produção de alimentos no continente europeu versus a maior dependência às importações da China, Estados Unidos29

e Brasil, assim como a questão que envolve o esvaziamento e desemprego no campo europeu30 aumentando a elevada urbanização desse continente.

29 Estados Unidos é ainda o maior produtor e exportador mundial de alimentos. Apenas para

citar alguns exemplos, esse país é o primeiro produtor mundial de milho e soja, o segundo na produção de frangos, carne e algodão, e o terceiro na de trigo, açúcar e equinos.

30 Com efeito, durante décadas a política agrícola na Europa garantiu a estabilidade de preços,

comprou excedentes de produção, subsidiou exportações e acumulou enormes reservas, fazendo com que em alguns períodos ocorressem “montanhas de manteiga” ou “lagos de leite”, refletindo

Além da manutenção subsidiada de áreas agrícolas na Europa cabe observar a preexistência de regiões de agricultura tradicional em todos os continentes seja pela sua pequena inserção em uma economia de mercado que marginaliza ainda grande parte de agricultores asiáticos, africanos e latino- americanos, ou seja, devido a uma ação deliberada de preservação de formas tradicionais de reprodução de culturas e técnicas secularmente adaptadas, como é o caso do cultivo do arroz (Mapa abaixo).

Distribuição do arroz no mundo

Fonte: FAO (extraído de: http://www.atmosphere.mpg.de/enid/263.html em 04/06/2009).

O arroz está entre os cereais mais importantes do mundo para a alimentação humana, sendo o continente asiático o responsável por 88,9% do consumo mundial, seguido das Américas (4,9%), África (4,9%), Europa (1,%) e Oceania (0,2%) (http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.htm). Ainda segundo essa fonte, citando dados da FAO, divulgados em 2006, entre os continentes, a Ásia é o maior produtor mundial (90,5%), seguido das Américas (5,9%), África (3,0%), Europa (0,5%) e Oceania (0,1%). O Brasil é o nono produtor mundial de arroz e o primeiro fora do continente asiático.

Considerando os diferentes tipos de arroz produzidos e consumidos mundialmente, a produção mundial é superior a 600 milhões de toneladas em 2005. Os nove maiores produtores mundiais foram responsáveis por 84,8%

situações absurdas dessa política. Nesse sentido, as reservas da União Europeia para instabilidades de mercado foram drasticamente reduzidas nos últimos anos. http://www.agrosoft.org.br/agropag/

da produção mundial naquele ano, sendo China e Índia os maiores produtores, participando com 30,0% e 20,9%; seguidos da Indonésia, com 8,7%; Bangladesh 6,5% e Vietnã 5,9%, além da Tailândia e Miamar, com cerca de 4% (http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.htm).

Em países da América do Sul, como o Brasil, a redução no consumo per

capita do arroz observada ao longo do tempo é atribuída a vários fatores,

entre os quais se destacam: a substituição do arroz por fontes de proteína de origem animal; e a mudança de hábito alimentar com o advento do fast food. Com efeito, o aumento exponencial da produção e demanda por proteína animal e vegetal31 cria uma nova distribuição geográfica da agricultura e

pecuária mundiais, na qual a produção de tais commodities se torna mais um elemento estratégico no jogo político-financeiro que envolve corporações e governos de países e blocos, tanto do mundo desenvolvido, quanto do grupo de países emergentes, como a China, Índia e Brasil.

De acordo com dados da USDA – United State Departament of

Agriculture, a produção e consumo de carne bovina e derivados aumentou

consideravelmente nas últimas duas décadas impulsionada pelo acelerado crescimento das economias de países como a China, a Índia e, em menor medida, também o Brasil, gerando um aumento sensível no poder de compra de parte das populações, sobretudo urbanas, desses países.

Nesse cenário de aumento da produção e consumo de proteína animal e vegetal, o Brasil, através de uma estratégia político-econômica de incentivo à produção agropecuária voltada à exportação, ganha destaque nas últimas três décadas e se consolida entre os maiores produtores e exportadores de carnes e grãos, ao lado dos EUA e da Argentina. Em termos relativos, a produção agropecuária brasileira é a que apresenta o maior aumento na última década.

Os Estados Unidos constituem um dos maiores produtores e exportadores de commodities agrícolas destacando-se no segmento do milho, soja, trigo e algodão, além do setor de frangos, carne e equinos.

Segundo informações da USDA, os EUA lideram a produção e a exportação de grãos no geral e também de soja, seguido por Brasil e China. No entanto, quando se trata de exportações, a China perde lugar para a

31 Com efeito, além do grande desenvolvimento do mercado e do consumo mundial da proteína

animal, um outro segmento que dinamiza crescentemente a economia mundial com reflexos diretos na distribuição espacial da atividade agropecuária constitui o mercado mundial de grãos. Atualmente este mercado é composto principalmente por três commodities agrícolas: trigo, milho e arroz que constituem a base alimentar da maior parte da humanidade.

Argentina, pois seu consumo doméstico de soja é o maior do mundo, perdendo apenas para o bloco da União Europeia. No que se refere à produção de carne bovina, os três maiores produtores e exportadores são EUA, Brasil e China, respectivamente32.

Verifica-se com essa nova produção um deslocamento espacial da atividade. No quadro abaixo são observadas algumas características básicas que explicam em grande parte a distribuição atual da produção agrícola no mundo assim como os eventuais deslocamentos espaciais que poderão ocorrer em futuro próximo, decorrentes de fatores tais com as mudanças climáticas que poderão tornar cada vez mais complexa a explicação da distribuição da produção agropecuária no mundo. Com efeito, na atualidade, a questão da distribuição da atividade agropecuária rebate-se diretamente com a problemática ambiental, fazendo com que os indicadores tanto das áreas de lavouras como das áreas de pastagem e de desenvolvimento da pecuária sejam analisadas tendo como referência a questão ambiental.

A intensidade de uso agropecuário do território constitui, assim, um tema de crescente relevância no mundo contemporâneo transformando o indicador de densidade do rebanho em um valioso instrumento de análise da distribuição da atividade agropecuária no mundo em suas relações com o meio ambiente.

Características territoriais dos principais produtos agrícolas no mundo

Fonte: FAO (extraído de: http://earthtrends.wri.org/text/agriculture-food/map-245.html em 04/06/2009).

32 Cabe observar que os dados da USDA não ser referem ao rebanho, mas à produção em

Em termos de pressão sobre o meio ambiente, o mapa da distribuição mundial da densidade do rebanho (bovinos, caprinos, equinos, bubalinos e camelos), no mapa abaixo, revela que nas regiões onde a densidade do rebanho é baixa, especialmente na África e Ásia, a atividade pecuária se desenvolve em sua maior parte em pastagens naturais sem utilização de insumos.

Nesse contexto, de acordo com o grau de extensividade com que é praticada, a atividade pecuária pode até mesmo ajudar a manter a fertilidade natural do solo, contribuindo para a retenção de nutrientes e de manutenção de sua umidade, criando, desse modo, um ambiente propício para a reprodução de micro flora e fauna. Ao contrário, em áreas onde a pecuária é praticada intensivamente, isto é, com altos índices de cabeça por área, utilizando, portanto, sistemas criatórios com uso de insumos industriais e de confinamento, a concentração do rebanho pode causar sérios problemas ambientais.

Distribuição mundial do rebanho de animais de grande e médio porte*

(*) Bovinos, caprinos, equinos, bubalinos e camelos

Fonte: FAO (extraído de: http://earthtrends.wri.org/text/agriculture-food/map- 245.html em 04/06/2009).

Os sistemas intensivos de produção pecuária, que resultam em grande excedente nutricional desperdiçado, são geralmente encontrados em áreas próximas às grandes concentrações urbanas, como aquelas do noroeste da Europa, do nordeste e centro-oeste dos Estados Unidos e do Japão.

Cabe observar que as maiores densidades mundiais encontram-se no Oriente Médio, Ásia e Austrália.

Na América do Sul, contudo, a expansão da atividade pecuária em áreas de floresta, apesar de ser praticada de forma extensiva e semi-extensiva, tem sido constantemente associada ao crescimento do desmatamento na região amazônica, seja isoladamente, seja dentro de uma dinâmica de uso e ocupação da fronteira agropecuária na qual observa-se constantemente o sequenciamento temporal e espacial da extração vegetal, abertura da pastagem e finalmente, a expansão da lavoura modernizada de grãos, com destaque para a soja e o milho.

Com efeito, embora existam muitas variações quanto à dinâmica de uso da terra nessa região, as madeireiras, usualmente constituem a frente avançada de exploração dos recursos, sendo quase sempre sucedida pelos agricultores itinerantes que se instalam seletivamente nas áreas desmatadas e abandonadas pelos madeireiros. Em sequência, os proprietários de maiores extensões de terra em muitos casos agregam as pequenas propriedades em grandes fazendas de pecuária, com pouca diversificação agrícola.

De acordo com Serrão (1998), a extração de madeira, a agricultura migratória e a expansão pecuária se unem em um processo dinâmico num movimento de abertura de fronteira com desmatamentos da floresta primária. Esse processo se manifesta em um padrão espacial de cobertura da terra, que varia de espaços urbanos desenvolvidos e abertos à agricultura de longos pousios, mesclada com a exploração seletiva de madeira.

Quanto à expansão da pecuária na Amazônia brasileira, cabe observar que longe de ser considerada atividade viável somente para as grandes propriedades, o que se percebe, na atualidade, é sua ampla difusão entre os pequenos produtores rurais dessa região, como revela o processo de pecuarização da agricultura familiar, presente em toda essa região. Tal processo ocorre, inclusive, entre pecuaristas nas frentes pioneiras que nunca tiveram acesso a incentivos fiscais e às políticas de crédito, como no passado. Se na Amazônia brasileira o desmatamento está intrinsecamente associado ao processo de expansão e consolidação da fronteira agropecuária e demográfica articulada direta ou indiretamente à ação pública e privada de

ocupação dessa macrorregião brasileira, nos demais países sul-americanos que compõem a Amazônia sul-americana essa associação também ocorre, com especificidades decorrentes das diferentes formas de inserção das “Amazônias” ao mercado interno e externo, este último ligado, cada vez mais, à demanda mundial de proteína animal e vegetal e de energia.

Na Bolívia, onde o desmatamento ocorre na atualidade, de forma extensiva, dados recentes indicam um aumento das terras agrícolas e da pecuária de forma mais intensa na região de Santa Cruz, onde o desmatamento tem apresentado um dinamismo maior, acompanhando, de certa forma, a expansão da pecuária e do cultivo da modernizado da soja na fronteira amazônica brasileira.

De acordo com Perz (2003), no Peru, como em outros países da bacia amazônica sul-americana, o desmatamento verificado nos departamentos de San Martín e de Pucallpa está relacionado não só a agricultura como, sobretudo, à atividade pecuária. Com efeito, para esse autor, a pecuária vem se afirmando como uma atividade de importância crescente na Amazônia peruana como resposta ao crescimento econômico dos anos noventa e aos planos de implantação da rodovia transoceânica ligando o Brasil ao Peru.

Finalmente, cabe observar que na contemporaneidade, a questão da distribuição geográfica da agricultura e da pecuária mundiais constitui ponto central da agenda política contemporânea ao abranger temas que vão desde a superação das desigualdades socioeconômicas no mundo até aqueles que tangenciam a própria sobrevivência da humanidade e dos recursos naturais no planeta, como a questão da mudança climática e de fontes renováveis de energia, como a biomassa.

4.2. Estruturação e Funcionamento do Agronegócio no Brasil e no