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Energia, logística e reordenamento territorial pós-fordista

Geografia Econômica

3.3. Energia, logística e reordenamento territorial pós-fordista

A organização econômica do mundo sofreu grandes transformações a partir dos anos de 1970. O modelo de acumulação dominante até então, o fordismo, era baseado na divisão do trabalho, na produção em massa, na padronização dos produtos e produção verticalizada nas empresas. Todavia, a grande inovação que Henry Ford concebeu e implantou em 1914 foi “o seu reconhecimento explícito que produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma política de controle e gerência do trabalho,

25 O Nafta é uma zona de livre comércio composta pelos Estados Unidos, México e Canadá. A

ASEAN/AFTA é uma zona de livre comércio composta por Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Miamar, Filipinas, Singapura, Tailândia e Vietnã. Informações detalhadas sobre os blocos econômicos existentes pode ser obtida no sítio da Organização Mundial do Comércio, via http://www.wto.org/english/tratop_e/region_e/region_e.htm.

Quadro 01 - União Europeia

A União Europeia nasceu de um contexto político bastante específico, a Europa do pós-guerra, sendo criada em 1951, a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) unindo Alemanha, França, Luxemburgo, Bélica, Itália e Holanda. “O seu objectivo primordial era assegurar a paz entre as nações europeias vencedoras e vencidas, associando as num sistema institucional comum regido pelos princípios da igualdade e da cooperação” (UNIÃO EUROPEIA, 2009). Em 1957 estes mesmos países assinaram o tratado de Roma, criando a Comunidade Econômica Europeia (CEE), promovendo a livre circulação de bens e serviços em um prazo de até dez anos.

O bloco econômico é ampliado já 1973, com a entrada do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca e novamente em 1986, com com Portugal, Espanha e Grécia. A entrada destes países tornou mais urgente a expansão dos programas de desenvolvimento regional, criados em 1975, implicando em maciças transferências de recursos para Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha. O tratado de Mastricht, assinado em 1991, criou a União Europeia (UE), ampliando a cooperação intergovernamental. Em 1993 estava completo o processo de construção de um mercado único, passando a ser livre também a circulação de pessoas. O passo seguinte foi a implantação da moeda comunitária, o Euro, que passou a circular em 2002. A UE é o único grande bloco econômico que possue moeda comunitária.

A expansão da UE continuou nos anos de 1990 e 2000, agregando Áustria, Finlândia, Suécia e a maior parte dos países do leste Europeu. A UE conta com 27 países membros (Mapa 01), uma população de 495 milhões de habitantes (2007), um PIB de US$ 14,82 trilhões (2008)(a) – superior ao norte americano – formando a maior e mais ambiciosa experiência de integração política e econômica do mundo. O bloco possui uma avançada estrutura institucional, uma ativa política de desenvolvimento regional e um forte nível de integração econômica. São candidatos a ingressar na UE a Romênia, a Bulgária e a Turquia e a Eslovênia. Caso estes países ingressem no bloco, significará uma ampliação sigficativa da UE, especialmente por causa da Turquia, país de grande população e diversidade cultural.

(a) Fonte: CIA – World Factboo, considerando a metologia de poder de paridade de compra.

uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista” (HARVEY, 1989).

Do ponto de vista da distribuição produtiva no espaço, a verticalização característica do fordismo significava a existência de grandes plantas industriais – necessárias para a obtenção de ganhos de escala – com a concentração de todas ou a grande maioria das etapas produtivas num mesmo local. Esta estrutura, se garantia baixos custos produtivos, não respondia de forma rápida as variações de demanda e nem era capaz de atender de forma satisfatória a diversificação de produtos que os mercados consumidores, cada vez mais fragmentados, passavam a exigir. Era um sistema muito rígido no sentido de imobilizar capitais fixos em larga escala e no longo prazo, com pouca flexibilidade de planejamento. Esta rigidez também era manifestada no mercado de trabalho pela força dos sindicatos, que dificultavam qualquer mudança.

O fordismo entrou em crise no final dos de 1960 e início dos anos de 1970, apesar de continuar em expansão com sucesso em países como o Brasil. A resposta para a crise foi flexibilizar a produção. O sistema produtivo que emerge26, mais enxuto,

busca escapar da rigidez fordista e se baseia num modo de acumulação flexível:

“Ele se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento, de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores, como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego, no chamado ‘setor de serviços’....”. (HARVEY, 1989)

Esta flexibilização implicou num profundo processo de desverticalização produtiva. As empresas passaram a se concentrar somente na suas atividades mais nobres, mais rentáveis, terceirizando muitas vezes a própria produção. Para isso, são utilizadas inúmeras formas de articulações entre as empresas: contratações de serviços, consórcios modulares, condomínios industriais, franquias, rede de pequenas e médias empresas, etc. É um exemplo deste tipo de inovação gerencial a fábrica de caminhões e ônibus da Volkswagen, no município de Resende (RJ), que opera no modelo de consórcio modelar,

onde a própria montagem dos veículos é terceirizada. Pode-se citar a produção em rede de pequenas e médias empresas da Terceira Itália, onde as etapas produtivas são divididas sem que haja uma grande empresa contratante dos serviços. Cita-se ainda, a profusão de serviços avançados nas metrópoles (trabalhado no capítulo 5) como outra faceta importante deste processo.

Em termos espaciais, o reordenamento territorial pós-fordista significou uma dispersão maior do processo produtivo, em todas as escalas: intraurbano, regional, nacional, continental e global. As empresas tendem a terceirizar tudo aquilo que não faz parte de sua área de excelência, focando o seus recursos na qualidade e na tecnologia. Esta dispersão é apoiada em novos arranjos institucionais (como os blocos econômicos), no desenvolvimento de técnicas gerenciais, em redes informacionais e na logística.

São facetas do mesmo processos de reordenamento territorial:

• o fortalecimento das cidades globais como locais concentradores da oferta de serviços avançados a empresas;

• a dispersão da produção industrial. No Brasil, para o Nordeste e mesmo para o interior do Sul e Sudeste. No Mercosul, o complexo produtivo da indústria automobilística montado entre o Brasil e Argentina. No mundo, o deslocamento da produção industrial para a China e outros países da Ásia;

• a dispersão e a produção em rede por parte de empresas de serviços, possibilitando, por exemplo, o crescimento do setor de serviços ligados a área tecnológica na Índia.

• O fortalecimento do setor de serviços em detrimento do setor industrial. Neste modelo produtivo a conectividade passa a ser uma palavra chave e a logística passa a ser um conceito que expressa a conectividade e seu papel na aceleração das transformações. No mundo contemporâneo, tal como proposto por Paul Virilio, (1976, apud BECKER 2006), a logística é um sistema de vetores de produção transporte e processamento que garante o movimento perene e a competitividade. Sistema de vetores que corresponde cada um deles a múltiplas redes – de transporte, de energia, de comunicação, etc – que em conjunto geram forte sinergia (BECKER , 2006). É fácil perceber a importância da logística na organização e na dinâmica do território e seu efeito na diferenciação espacial.

A nova racionalidade tende a se difundir pela sociedade e o espaço, mas em nível operacional, em nível concreto, é seletiva, gerando uma geopolítica

de inclusão/exclusão. Avança rapidamente no setor produtivo privado através da formação de sistemas logísticos espaço-temporais viabilizados por redes técnicas e políticas e alimentados pela informação. Em alguns casos o setor público, dada a sua estrutura pesada e rígida, e a sociedade desprovida de meios econômicos e de informação, tem muito mais dificuldade em operar a logística (BECKER , 1993).

A logística não se resume às redes de infra-estrutura – ela é hoje um serviço sofisticado capaz de suprir a redução de custos, a confiabilidade e a velocidade necessárias à competitividade global, sendo um elemento decisivo na definição dos padrões territoriais e na inserção social. A logística está, então, diretamente relacionada aos padrões de aproveitamento da base territorial de uma região, podendo facilitar a sua inserção competitiva ou marginalizá-la dos processos sociais e econômicos mais dinâmicos. (BECKER & STENNER, 2008).

A logística é um elo que interliga as diversas etapas das cadeias de suprimento e distribuição, incluindo operações integradas de transporte, armazenagem, distribuição, e serviços jurídicos, de planejamento tributário, de seguros de gerenciamento de estoque. Dentre estes itens, o transporte propriamente dito representa, na média mundial, cerca de 1/3 dos custos logísticos. (MT& MD, 2007 apud BECKER & STENNER, 2008). Entretanto, a logística, num sentido mais amplo, abrange ainda outros tipos de redes e serviços estruturantes, como produção e distribuição de energia, e telecomunicações.

É a logística que possibilita que as corporações estruturem sofisticadas redes de fornecedores, parceiros e clientes espalhados por todo o mundo, como nos exemplos mostrados no ítem 3.1 da Embraer e do Google, potencializando o desenvolvimento e a lucratividade. Sistemas produtivos baseados no just in time, modelo no qual as empresas trabalham com baixos estoques, dependem de confiabilidade e pontualidade na entrega dos fornecedores, o que só é possível com uma logística eficiente.

É então direta a relação da logística com reordernamento territorial pós- fordista. A produção e o consumo dispersos só podem se conectar através dos sistemas logísticos. A logística é a espinha dorsal do sistema em suas duas facetas: as infraestruturas e os serviços envolvidos. O comércio internacional e os investimentos diretos no exterior só atingiram os níveis atuais porque os sistemas de transporte, manuseio e armazenagem de mercadorias

serviram de base técnica e com um custo relativamente baixo. De fato, as inovações no campo da logística – e das tecnologias de informação não representam apenas um facilitador das formas tradicionais de internacionalização da economia, mas uma das condições impulsionadoras de uma nova divisão internacional do trabalho. A logística é uma base tecnológica que possibilita novas redes produtivas, sociais e geográficas (CORÒ 2003).

As áreas mais fortemente conectadas às redes logísticas, seus nós mais importantes, são aquelas de maior grau de desenvolvimento. Estes nós são representados especialmente pelas cidades globais, para onde converge não somente as sistemas físicos nos quais a logística se baseia, mas principalmente onde são produzidos os serviços especializados relacionados a logística.

Assim, é notável como nas áreas economicamente mais desenvolvidas as redes físicas dos sistemas logísticos assumem tal densidade que formam uma malha que cobre praticamente todo o território. Esta é a situação do entorno da metrópole de São Paulo, do nordeste dos Estados Unidos ou do coração da economia europeia, envolvendo o sul da Inglaterra, a região de Paris, o vale do Reno e o norte da Itália. Em áreas como na Amazônia, as redes se apresentam de forma isoladas e pouco articuladas.

Estruturas de destaque dos sistemas logísticos são os portos e aeroportos. A presença de terminais de carga aéreo é fundamental para o desenvolvimento de uma economia de alto valor agregado. Para este tipo de produto os elevados fretes aéreos não representam um grande impacto no preço final do produto, mas a velocidade e pontualidade do sistema viabilizam a produção.

No Brasil, é interessante destacar o papel que São Paulo representa não só na atração de passageiros para a para a própria metrópole, mas também como o mais importante centro de conexão do país: muito passageiros desembarcam em São Paulo apenas para embarcar em um novo voo para dentro ou fora do país. Brasília tem também este papel em relação aos voos que seguem para a Região Norte.

Os portos são estruturas indispensáveis para o comércio internacional. Os portos necessitam ser eficientes no processo de carga e descarga, no desembaraço jurídico dos produtos e na integração com outros modais e ainda serem capazes de receber navios de grande porte, melhoria a economia de escala.

Na escala global é por navios que circulam a maior parte das mercadorias comercializadas, em quantidades cada vez maiores. Isto está diretamente relacionado ao baixo preços dos transportes - e de seu insumo principal, a energia – permitindo um alto grau de liberdade locacional das unidades produtivas. De outro modo, não seria viável, por exemplo, a importância, pela China, de minério de ferro brasileiro. O fato da China ter se tornado a grande “fábrica” do mundo está diretamente relacionado ao baixo custo da energia. Caso contrário, as corporações tornariam a sua produção mais regionalizada, pois os custos de transporte superariam as vantagens locacionais de uma região mais distante.

A energia circula globalmente de forma indireta, incorporada nos produtos. Assim, graças aos avanços da logística, as atividades energo- intensivas se distribuem no globo seguindo a lógica da disponibilidade energética. É o que explica a presença de grandes plantas de produção de alumina e alumínio – produtos eletro-intensivos – na Amazônia brasileira, pois ali existe energia farta e barata proveniente a usina hidrelátrica de Tucuruí, além de disponibilidade de bauxita, matéria- prima para o alumínio. A produção dos metais é praticamente toda exportada para países como o Japão, carente em recuros energéticos. Em casos como este, é possível identificar um DIT baseada na distribuição de energia no globo.

As diferenças de conectividade e da distribuição das atividades econômicas no mundo significam profundas disparidades regionais. No caso brasileiro, são marcantes as diferenças regionais, assunto do próximo item.