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CAPÍTULO 2: EM CENA, O CORPO

2.6 A DITADURA DA BELEZA

Os padrões de beleza são constructos culturais historicamente idealizados, que predominam na sociedade e estão fortemente arraigados em um ideal de magreza e de juventude. Trata-se de um arquétipo distante de promover representações mais plurais de beleza e de feminilidade, visto que busca promover uma imagem homogênea e normativa do corpo das mulheres, desconsiderando as diferenças etárias, étnicas e raciais.

Para Castro (2007, p. 28): "a possibilidade de esculpir-se ou de desenhar seu próprio corpo é algo que propicia a cada um estar o mais próximo possível de um padrão de beleza estabelecido globalmente; afinal, as medidas do mercado da moda são internacionais".

Em complemento a esta ideia, na obra de Bohm (2004) apresenta-se:

O padrão estético de beleza atual, perseguido pelas mulheres, é representado imageticamente pelas modelos esquálidas das passarelas e páginas de revistas segmentadas, por vezes longe de representar saúde, mas que sugerem satisfação e realização pessoal e, principalmente, aludem à eterna juventude” (BOHM, 2004, p. 19).

Ainda falando em beleza, há uma infinidade de cosméticos para disfarçar os resíduos e as imperfeições, bem como desenvolver a elasticidade, o brilho e a beleza da pele. Servem para eliminar os sinais menores a exemplo dos tratamentos com bronzeadores artificiais, que dão o tom exato na pele qualquer que seja a estação do ano.

Tiram-se as manchas, reduzem-se os cravos e eliminam-se as espinhas. Tratamentos e dietas de todos os tipos, desde as mais conservadoras às mais mirabolantes que garantem a quem adere a perda de “toneladas por semana”.

[...] academias, spas, lipoaspiração e personal trainers juram fazer de você uma nova mulher. E, se nada der certo, ainda restam as cirurgias de estômago que, aí sim, deixarão você esbelta e bela como sempre sonhou... o que você faria com uns quilos a menos? Pergunta a propaganda da TV, insinuando praia de biquíni, sexo finalmente desinibido e satisfatório e outras coisas mais (MORENO, 2008, p. 12).

Idealizar a beleza cria um desejo de perfeição nos indivíduos, introjeta e torna imperativo atingir um ideal inatingível. Porém, alguns efeitos colaterais resultam dessa realidade, a exemplo de: baixa autoestima, sentimento de inadequação e constante quadro de ansiedade.

Apesar da questão suscitar uma urgência bastante latente, a legislação brasileira ainda não é consistente de maneira a combater a interferência da indústria e do mercado no comportamento das pessoas, sendo a lógica do nosso modelo o contrário do que ocorreu na Inglaterra, por exemplo, onde o Estado interferiu nas dimensões da boneca Barbie, que serve de modelo comumente entre as meninas e adolescentes como um ideal de corpo a ser atingido, e por isso responsabilizada pelo impacto, na rede de saúde pública, de problemas como a bulimia e anorexia.

E é nessa imposição que a indústria da beleza, da saúde e da boa forma oferece constantemente soluções para satisfazer as necessidades que a mídia cria e repassa para a mulher: o ideal do corpo perfeito, um movimento intenso e que muitas vezes é chamado de ditadura da beleza.

A ditadura da beleza, reflexo da sociedade capitalista, encontra alicerce na mídia que torna o seu corpo objeto. O enfrentamento imposto busca fazer crer numa mulher valorada a partir de sua aparência estética, e não por outros dotes que possua ou pela personalidade que apresente. Esse movimento alterou também a construção da identidade da mulher, que desde a Renascença foi registrada também em razão da sexualidade.

A discussão se aprofunda com Neves e Souza (2015) com a apresentação do conceito da ditadura da beleza. Este está estabelecido na sociedade vigente, e se encontra fincado nos padrões de magreza e definição de músculos. Esse padrão ‘comercial’ do corpo só pode ser alcançado por meio de um investimento preponderante

de tempo, dedicação e esforço, mas também financeiro. Assim, o corpo é submetido a intensas cargas de exercícios físicos, e que ganha destaque na análise social através dos fenômenos da compulsão pela sua modelação.

Em virtude dessa ditadura que estabelece os padrões do que é belo, o corpo adquire um formato, uma dimensão caracterizada por uma condição eternamente jovem, luminosa, despida e musculosa.

Sobre a temática, Alvim Agrícola (2011) em seu artigo sobre a mercadorização do corpo feminino afirma:

O padrão é estabelecido como comportamento social, reforçado pela mídia e deixa-nos a sensação de que é a única possibilidade, e mais, é implantando como desejo coletivo, constituindo, em grande medida, a identidade social. O desenvolvimento da ideia de ‘idolatria’ ao corpo, à aparência, veio acompanhada da necessidade de exposição da forma física. Não se malha, trabalha um corpo, moldando-o, para deixá-lo encoberto, vestido. O apelo de sua exibição se faz tão presente quanto o ato de malhar. A necessidade de exposição do ‘objeto de sacrifício’ (corpo construído, moldado) se estabelece na mesma lógica da adaptação ao padrão social e cultural propagado pela TV (ALVIM AGRÍCOLA, 2011, p. 168).

A padronização determina o comportamento, que por sua vez determina a identidade e os hábitos. É como um ciclo de ações e de sacrifício em busca de se atingir algo que é, na verdade, inatingível. Essa necessidade de se expor e o apelo gerador dessa exibição promovem a inserção de um conceito baseado na expressão “Eu me amo”, frase utilizada por Codo e Senne (1985).

A imposição para se padronizar o corpo feminino está em incontáveis cenários. É possível captar nas revistas, nos outdoors, nas propagandas, nos filmes, nas novelas, nas passarelas, na internet e redes sociais. O corpo violão, que há muito tempo é um padrão estimado pelas mulheres brasileiras, é um símbolo de saúde, de beleza e de sensualidade, tido como aquele que atrai e, portanto, é aceito. Mas, seria correto dizer que são paradigmas que ditam como o corpo feminino deve ser, e mais que isso, quais roupas combinam com determinado corpo? Com que sapato ou corte de cabelo deve- se adequar às mulheres de determinado biotipo (altas, baixas, magras, gordas)?

O questionamento para qual se é direcionado mediante essa imposição ditada pela relação mercado x mídia é: por que não ter o corpo dentro de um dos padrões aceitáveis (violão, magra, top model, funkeira, sarada, etc.) faz com que a mulher não possa ser considerada linda, feliz ou realizada?

É importante, contudo, frisar que isso não é uma regra draconiana29, e que existem mulheres, de variadas classes e linhas de pensamento, a exemplo de algumas correntes feministas, que não concordam com essa realidade e, portanto, vivem na tangente desta relação estabelecida entre mercado e mídia.

Não é comum observar em anúncios mulheres de estatura mediana com alguns quilos a mais estampadas em revistas, ou ainda, desfilando nas passarelas trajando um biquíni. Contudo, essa situação ocorre invariavelmente apenas nos eventos destinados à moda plus size.

A maioria das mulheres não se enquadram nos padrões ditados pela mídia, muito pelo contrário, o modelo adotado pela minoria é considerado o padrão. As mulheres possuem tamanhos corporais variados. São belezas distintas e não existe um motivo para promoverem mudanças nos seus corpos ou estilos, no sentido de se adaptarem a um padrão que pouco faz sentido para elas.

Como afirmou Durkhein (2000, p. 97):

Uma sociedade não pode criar-se, nem se recriar sem criar, ao mesmo tempo, alguma coisa de ideal. Essa criação não é para ela uma espécie de ato suplementar com o qual se completaria a si mesma uma vez constituída; é o ato pelo qual ela se faz e se refaz periodicamente.

Então, caminhando pela contramão do tema questiona-se: qual o modelo corporal não é o ideal?

Não existe um corpo ideal, mas todos aqueles que estão fora do padrão da barriga chapada, magra; da mulher elegante, alta e esbelta; sem celulite ou estrias; de pele lisa e contornos perfeitos; de cabelos lisos ou apenas levemente encaracolados e, preferencialmente, loiras; sem manchas e com viço da juventude estão, de alguma maneira, fora do padrão. Mas, quantas de nós podem se parecer com esse corpo dito ideal?

“A gordinha, com muito peito, quadril largo e muito ‘bunda’”; “a baixinha”; “a magricela esquálida com pouco quadril, pouco peito, pouca ‘bunda’”; “a muito alta e sem nenhuma curva”; “as de cabelos escuros e cacheados ou afro”; “a que não sabe usar maquiagem”; “a que não sabe se vestir”; “a que não malha ou faz tratamentos estéticos”. Muitas são as categorias que estão fora do padrão aceito, e daí é possível

justificar o embate de muitas mulheres em se desvencilhar dessas imposições e escapar da obrigatoriedade, quase inalcançável, de se manter nesse padrão.

Essa obrigatoriedade sempre existiu. Nas décadas anteriores essa foi também uma realidade baseada em musas inspiradoras. Nos anos 1980 e 1990, muita gente desejava estar dentro dos padrões da Vera Fischer, da Luma de Oliveira e de tantas outras atrizes que representavam o ideal de beleza naquela época.

Atualmente, influenciadas pelas redes sociais, a exemplo do Instagram e Facebook, assim como em outras plataformas menos populares, vive-se uma realidade ainda mais complexa. As mulheres não desejam apenas se parecer com a Gisele Bündchen. O que se quer é um verdadeiro quebra-cabeça da beleza: querem o cabelo da Gisele, o nariz da Fiorella Mattheis, as curvas da Juliana Paes, a boca da Grazi Massafera, ser sexy como a Isis Valverde ou ainda ter a ‘bunda’ da Paola Oliveira como garantia de aceitação e ascensão social, ou seja, um quebra cabeças de partes do corpo padronizadas e com um selo de perfeitas.

Isso demonstra que a padronização da beleza contribui para que as mulheres não se aceitem como são; não consigam, muitas vezes, enxergar a beleza na imagem que elas veem em seus espelhos.

Busca-se uma espécie de ‘Frankenstein’ da beleza. Isso porque a uniformização do belo é tão rígida dentro do seu conjunto de padrões aceitáveis, que é quase impossível afirmar que existe alguém que consiga alcançar todos os requisitos impostos. Até mesmo a garota da capa da revista, pode não se achar, realmente, a garota da capa.

As mensagens vinculadas na mídia imprimem um sentindo implicitamente ao fato de ser gorda não é algo usual. Não apenas gorda, mas ser baixinha, não ter um corpo repleto de curvas perfeitas, medidas padrões ou ainda ter uma deficiência física. Há uma espécie de crueldade com quem está fora dos padrões reconhecidos pelo

mercado, produzidos pela mídia e aceitos pela sociedade. “You were born to be real.

Not to be perfect” - Você nasceu pra ser real, não para ser perfeita é a mensagem publicada no Tumblr Via, um tipo de rede virtual de autoajuda, idealizado por uma jovem americana de 19 anos, que colabora com outras jovens através de mensagens motivacionais para que estas compreendam como elas são bonitas naturalmente, do jeito que são.

Com o surgimento das revistas femininas, em meados do século passado, o discurso do corpo ideal ganhou um tom amigável e descontraído. Se antes era possível

encontrar frases do tipo “Você poderá disfarçar os problemas da idade”, agora lê-se “Você pode corrigir os defeitos de sua aparência e ficar bela. Você; em detrimento de senhora”; (SANT’ANNA, 2014, p. 102), as relações estabelecidas de amizade em tom de amigas (leitoras) confidentes sem que houvesse nesse convívio nenhum tipo de constrangimento.

Na imprensa feminina, ter um grau de ‘birutice’ ganhou status de inteligência e charme, as mulheres sereias loiras do cinema, as chamadas glamorous girls apresentavam uma mulher capaz de reunir um sorriso de criança em um corpo perturbador de mulher, a exemplo da beleza exposta de Brigitte Bardot. A publicidade destacava uma jovem longilínea de uma sexualidade tímida (SANT’ANNA, 2014, p. 109).

Nessa perspectiva, a mídia procura exercer um domínio sobre os indivíduos. Le Breton (2011) explicou como este comando é desenhado nas páginas das revistas femininas.

As revistas femininas atuam como uma forma de difusão do marketing a propósito do corpo da mulher são revistas que aconselha sobre as cirurgias estéticas, sobre produtos, uma forma de reforçar essa atratividade. Elas ajudam a transmitir os modelos. Há várias revistas para adolescentes, mulheres jovens e com idade mais avançada e que colaboram na disseminação desse ideal. Tudo isso contribui para banalizar e a naturalizar esses modelos (LE BRETON, 2011, p. 179).

“Em dez anos, a preocupação com o corpo levou à proliferação de produtos, técnicas, salões de beleza, sugestões de regimes alimentares, propostas de cirurgias estéticas, etc.” (LE BRETON, 2011). Se preocupar com o corpo é uma ação maximizada e amparada por meio das práticas de consumo, o que gera uma indústria de embelezamento em torno de si. Dietas, tratamentos estéticos e cirurgias se constituem como uma das técnicas multidisciplinares para a nova modelagem do corpo.

O corpo da mulher, construído historicamente, está ligado aos ideais de feminilidade e determinante de algumas formas de comportamento, práticas e controle, variáveis que os transforma. Essa transformação corporal vai além das mudanças decorrentes no corpo, mas se adensa pela ressignificação de modelos, bem como comportamentos na vida cotidiana dos indivíduos. Essa realidade gera um conflito relativo às inúmeras técnicas de transformação que incitam as mulheres a modificarem seus corpos gerando um valor social no registro de suas aparências e um padrão restritivo de sedução.

Outro arquétipo diz respeito às mulheres gordas que também reivindicam seu espaço e o reconhecimento da sua beleza. Trata-se de outra forma de beleza, e a sociedade não está pronta para ser confrontada com uma diversidade de modelos que não se encontram em concordância com os padrões já aceitos. Para ilustrar essa ideia tem-se um fato transcrito da obra de Moreno (2008), que relata a vivência de uma criança negra e gordinha que se sofre na tentativa de se identificar no padrão espelhado na novela das 9 da Rede Globo, conforme relata a mãe da menina.

Minha filha de 12 anos é facilmente influenciada pelos padrões que estão sendo mostrados, e eu fico horrorizada com a (novela) Belíssima. Minha filha é pequena e gorda, e a belíssima que abre o programa é aquela coisa que dá para contar os ossos do corpo. Sem contar que ela é branca, magra, não tem nada a ver com a gente que está desse lado. Então, isso me incomoda demais. Eu digo a ela: “Filha, você acha isso bonito?”, porque ela sofre por ser gorda (Depoimento colhido de uma militante negra na obra de MORENO, p. 30).

Essa padronização, que almeja transformar meninas em Barbie e na Gisele Bündchen, é também uma forma eficaz de colonização sutil, não à força ou da repressão, mas como uma produção infinita de imagens que seduzem, ocupam e moldam o imaginário feminino. Se por um lado a beleza deve ser individualizada, refletir o seu bem estar interior e a personalidade; por outro se bombardeia todos os dias por meio de imagens os padrões de beleza que devem ser desejados. Encontram-se estampados nas revistas, outdoors, filmes e séries, nas novelas e nas redes sociais e vão, lentamente, ou não, invadindo o subconsciente feminino, se tornando um lugar de referência, como um espelho introjetado desde a infância até a vida adulta, quando passa a ser um modelo aspiracional ao longo da vida da mulher.

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CAPÍTULO 3: RESPEITÁVEL PÚBLICO! O CORPO NA SOCIEDADE DO