• Nenhum resultado encontrado

Ditadura da Simplificação

No documento Download/Open (páginas 134-139)

FORMATOS HÍBRIDOS

A) Gênero informativo  Telejornal

3.4 Ditadura da Simplificação

Apesar do sucesso da TV aberta no país, em ambientes acadêmicos e em outros círcu- los frequentados por pessoas mais escolarizadas são comuns críticas de que o nível da pro- gramação é cada vez mais baixo. De fato, não é preciso muito para perceber que a linguagem e os temas de grande parte dos programas aborrecem o público intelectualizado e os grupos mais conservadores. Parece óbvio, também, que tais programas sejam, muitas vezes, apelati- vos, repetitivos ou mesmo medíocres porque agradam à massa.

As críticas sobre o baixo nível não se referem à qualidade técnica ou artística das atra- ções. Ao contrário, a Rede Globo, principalmente, faz pesados investimentos e costuma ser exigente com a qualidade técnica e estética das atrações. Ocorre que a lógica comercial que obriga a ostentação de altos índices de audiência dita também as estratégias necessárias para alcançá-los. Esse imperativo é o responsável pelo conteúdo do que vemos, especialmente nos horários de maior audiência. Para confirmar essa postulação, analisamos informações e depo- imentos prestados por produtores de TV e confrontamos com a interpretação das pesquisas que fizemos anteriormente.

Um dos mais importantes autores de novelas exibidas pela Rede Globo, Silvio de A- breu diz que “não dá para aprofundar nenhum tema (nos roteiros), porque o público não con- segue acompanhar”. Para ele, “o nível intelectual do brasileiro, de uma maneira geral, está abaixo do que era na década de 60 ou 70, porque as escolas são piores e o estudo já não é va- lorizado como antigamente” (MARTHE, 2006, p. 14). Não importa se o autor tem ou não razão sobre a qualidade do ensino, mas Abreu, sem dúvida, expressa uma opinião que predo- mina entre os profissionais de televisão. A de que só é possível atingir a massa ou uma massa de telespectadores com um discurso direcionado a cidadãos com baixíssimo nível intelectual.

Aguinaldo Silva, outro importante roteirista da Globo, diz que não há pressão maior do que escrever uma novela das oito (faixa das 21 horas, normalmente o horário de maior audi- ência) (MARTHE, 2006). Silvio de Abreu concorda e explica que, além das medições de au- diência, a Globo sempre realiza pesquisas para saber como as espectadoras estão absorvendo a trama. Tais levantamentos servem de termômetro para a produção das novas etapas, com a

adequação dos personagens e dos enredos ao gosto do público. Às vezes, o escritor arrisca e erra. Abreu narra uma experiência própria, lembrando de quando tentou inovar a linguagem em As Filhas da Mãe, novelas da faixa das 19 horas exibida no início dos anos 2000. Ele elaborou uma narrativa fragmentada, achando “que seria um sucesso no ibope”, conforme suas próprias palavras. A experiência não funcionou. “Houve rejeição do público das classes D e E. Não que não gostassem da novela – eles simplesmente não a entendiam”, comenta o autor (MARTHE, 2006, p. 16). Miguel Falabella, ator, autor e diretor de TV da Rede Globo, fez um desabafo ainda mais áspero: “O nível mental das pessoas que assistem à TV no Brasil é por volta de nove anos de idade. Em comparação a um jovem francês, o que lê um jovem brasileiro? Um jovem francês lê 200 vezes mais. E um país que não tem educação nos conde- na à mediocridade”. (ARAÚJO, 2009).

Os telejornais do horário nobre são produzidos com a mesma linha de raciocínio e di- recionados a um telespectador supostamente pouco esclarecido. Wiliam Bonner, âncora e edi- tor-chefe do Jornal Nacional, da Rede Globo, manifestou opinião similar à de Abreu e Fala- bella em um episódio que gerou polêmica nos meios acadêmicos e profissionais.

Em uma visita de professores de Comunicação à redação do telejornal em 2005, Bon- ner disse que uma pesquisa realizada pela Globo identificara o perfil do telespectador médio do Jornal Nacional. O levantamento havia constatado que é um cidadão “com muita dificul- dade para entender notícias complexas” e que havia sido apelidado na redação de Homer Simpson22, acrescentou ele. Os visitantes acompanharam os trabalhos jornalísticos do apre- sentador na redação por mais algum tempo. Foram feitas várias outras referências ao persona- gem Homer. As matérias do dia iam sendo selecionadas ou editadas após breves observações e diálogos analisando se o telespectador padrão imaginado (Homer) ia entendê-las ou não. Os professores ficaram surpresos com a analogia e com os critérios jornalísticos utilizados pelo editor-chefe e outros membros da equipe da emissora. Um dos visitantes, Laurindo Leal Fi- lho, publicou artigo na imprensa expressando sua indignação e o constrangimento seu e dos colegas professores que o acompanhavam na ocasião (LEAL FILHO, 2005).

Leal Filho é crítico contundente da qualidade da programação de TV. Tem vários li- vros publicados sobre o assunto, onde condena o conteúdo das emissoras abertas e o sistema de concessões de canais utilizado no Brasil. Ele reconhece que a TV brasileira tem boa quali- dade técnica graças ao monopólio, especialmente da Globo, mas acha o conteúdo “sofrível”:

22

Personagem da série norte-americana de TV Os Simpsons, tido como “obtuso, preguiçoso e de raciocínio lento”, segundo Laurindo Lalo Leal Filho (2005, p. 37).

São programas muito pobres em termos de criatividade, imaginação, de atra- ir o telespectador pela reflexão e provocá-lo com novas ideias e pensamen- tos. A TV está em um nível cultural bastante baixo. As emissoras brasileiras buscam a audiência universal, o que leva ao pensamento único (LEAL FI- LHO, 2005, p. 37).

Puxadas pela Globo, as principais emissoras concorrentes repetem as estratégias na produção de conteúdos. Em janeiro de 2006, a Record lançou seu novo telejornal no horário nobre e procurou “clonar” o Jornal Nacional, como destacou reportagem publicada pela Fo-

lha de São Paulo. O programa acompanhou o formato da Globo em todos os aspectos, inclu-

sive no cenário e no teor das informações. Segundo a Folha, o novo diretor do Jornal da Re-

cord não queria mais um programa opinativo, como o anterior, preferindo um modelo “mais

ágil e moderno”. “As reportagens serão mais curtas e o JR dificilmente começará com notícias densas e complicadas para o Homer”, comentou ironicamente o jornal, lançando mão da mesma referência utilizada por William Bonner para definir o perfil do telespectador médio da Globo (MATTOS, 2006, p. E-6)

Novelas de conteúdo simplista, telejornais com enfoque em temas de grande apelo e tratamento superficial das informações, programas de auditório com ídolos populares e atra- ções simples e divertidas. Eis a fórmula que vem sendo utilizada continuamente e garantindo à TV brasileira, não só à Globo, mas também às concorrentes, sucesso de audiência.

Homer Simpson, assim como a mãe de família que estudou pouco, dá duro na vida, tem poucas perspectivas para o futuro e se consola com a companhia e os dramas dos perso- nagens de TV, não são figuras do imaginário dos produtores televisivos. São representações de pessoas reais, identificadas pelas pesquisas de audiência e opinião e com as quais as emis- soras procuram manter sintonia estreita. Típicos representantes dos grupos IV e V de telespec- tadores, conforme a classificação de Ruótolo (1993), é com esse público que as grandes redes estabelecem seus contratos de comunicação – o conjunto de signos, agendas e linguagens que permitem o estabelecimento de canais de comunicação entre dois polos de emissão/recepção (VERÓN, 2002).

Indivíduos com perfis que se identificam mais com outros grupos de telespectadores, evidentemente, também são atraídos pela programação, ainda que em proporção menor e de- dicando menos tempo à televisão. Mas acabam apenas engrossando o grupo principal que garante estabilidade numérica na audiência. Se os habituais-escapistas e os envolvidos, classi- ficações que Ruótolo usa para dois grupos principais de heavy-users, representam cerca de 40% de audiência diária, basta contar com uma contribuição pequena dos outros grupos de

telespectadores para chegar à soma de pontos de ibope que a TV aberta costuma registrar. Quando há atenção de um público grande de consumidores, as verbas publicitárias vêm facilmente. Com um filme comercial exibido em apenas três emissoras na mesma noite e horário, é possível atingir, diariamente, mais da metade dos lares do país. Falamos em 30 mi- lhões de residências aproximadamente, onde vivem cerca de 130 milhões de pessoas. São números que, sem dúvida, fazem a alegria das agências de publicidade, dos anunciantes de produtos de consumo de massa e, principalmente, dos executivos das redes de TV.

A estratégia de direcionar a programação e seu conteúdo para um público com pouca escolaridade e baixa renda permite à TV aberta brasileira manter as características de meio de massa tal qual este podia ser definido na década de 1970 e 1980. Foi um período em que a mídia trabalhava com grandes audiências, formadas por telespectadores heterogêneos em vá- rios aspectos, sintonizados em alguns poucos veículos e conteúdos. A TV paga, o rádio, os jornais, as revistas e os serviços online em geral têm seguido outro caminho. Essas mídias têm procurado segmentar os conteúdos de acordo com interesses temáticos específicos de um gru- po consumidor ou de acordo com as linguagens adequadas a determinados nichos de público. Por isso temos na atualidade tantos veículos de cada tipo de mídia.

Há oferta abundante de comunicação para públicos que se fragmentam cada vez mais de acordo com interesse específicos. Essa situação diminui a penetração e a influência indivi- dual de cada meio sobre a audiência. Acabou afetando, também, a estrutura comercial de mui- tas empresas midiáticas, pois, como consequência, houve a pulverização das verbas publicitá- rias. Empresas mais sólidas, atualmente, são aquelas que editam vários títulos ou têm atuação multimidiática, mantendo vários veículos, cada um para determinado tipo de público.

Para a TV aberta tem sido diferente. As grandes redes são formadas com dezenas de afiliadas e concentram-se principalmente em uma programação nacional, mantendo poucos programas produzidos e veiculados regionalmente. São ancoradas nas telenovelas, telejornais, reality shows, programas de humor ou de auditório transmitidos para todo o país.

A cada transmissão no horário noturno, as maiores emissoras conseguem reunir públi- cos enormes, integrados por moradores de todos os Estados brasileiros, de quase todos os mu- nicípios, em torno dos mesmos programas – e das mesmas mensagens publicitárias. Formou- se uma dinâmica ágil e que se estabeleceu no decorrer do tempo graças a diversas circunstân- cias socioculturais do país. Tem como esteio um grupo populacional numeroso, formado prin- cipalmente por pessoas que dispõem de oportunidades limitadas de educação e ascensão soci- al e que encontram na TV um entretenimento atraente, sempre pronto a lhes dar satisfação e a preencher determinadas necessidades.

Com esse público, as redes mantêm bases sólidas de audiência, as quais lhes garantem os melhores resultados na comercialização de espaços publicitários. O faturamento comercial generoso, por sua vez, permite às emissoras reinvestir para oferecer sempre uma programação sob medida e, consequentemente, manter os telespectadores mais fiéis bem atendidos.

O sistema está baseado em um ciclo vigoroso, consolidado, porque as emissoras têm sido eficientes em cumprir os contratos de comunicação com o público que ancora seus nú- meros do ibope.

Capítulo IV

A TV NO DISCURSO

No documento Download/Open (páginas 134-139)