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2 O TELESPECTADOR MULTIPLATAFORMA

No documento Download/Open (páginas 67-69)

As transformações nos modos de ver TV e os reflexos que as mudanças de comporta- mento dos telespectadores provocaram nos índices de audiência da TV aberta serão tratados neste capítulo. Nossa análise confronta hábitos de consumo de televisão que já apareciam como tendência nos 1990 e se acentuaram na década seguinte, graças à popularização de apa- ratos tecnológicos de visualização e gravação de imagens e de novos sistemas de transmissão de sinais.

Embora o hábito de ver TV fazendo outras tarefas não seja uma novidade, verifica-se, atualmente, o que podemos chamar de “consumo multiplataforma”. Ele envolve a sintonia de programas em outras telas, como computador e celular, ou pode se referir ao uso de outras mídias, principalmente a internet, no mesmo momento em que se está assistindo à televisão. As maneiras de ver TV são analisadas em dois aspectos. O primeiro relaciona-se às atitudes do telespectador, considera seus interesses, motivações e outras condicionantes psicológicas que determinam a decisão de se expor ao meio em seu tempo livre e influenciam a escolha de canais e programas. O outro trata dos modos de ver TV de acordo com as possibilidades tec- nológicas à disposição de cada indivíduo.

2.1 Atitudes de Exposição

“Massas não existem, é um conceito ilusório; há apenas maneiras de ver pessoas como massa”, escreveu Williams, (1974 apud ANG, 1991, p. 203). O mesmo autor diz que a regra pode ser aplicada para se pensar a “audiência de massa”. “Há um ponto de vista institucional para definir e pensar a audiência – criado por parte das empresas, produtores e outras organi- zações, mas também pelos organismos encarregados de definir políticas públicas do setor”, observa. Para ANG,

O conceito de audiência não deve ser rejeitado, mas deve levar em considera- ção duas realidades: “audiência de TV” como uma construção discursiva (ins- titucional) e o mundo social das audiências reais. […] Audiência é uma espé- cie de abstração para as instituições; uma construção simbólica como uma ca- tegoria objetiva entre outras que possa ser controlada de acordo com os inte- resses e objetivos de uma instituição (1991, p. 3).

Hamburger reflete na mesma direção e aponta o equívoco em imaginar a audiência como um grupo configurado de pessoas que veem televisão:

Tudo isso [a relação entre programador, público e as pesquisas de audiência] é, na verdade, um jogo imaginário, porque não existe audiência concreta- mente. Você não junta no Estádio do Morumbi a audiência da novela das oi- to. Audiência é uma categoria simbólica, não existe de fato. Você não toca nela, você não distribui um questionário para ela. Você faz um questionário para poucas pessoas que compõem um coletivo que você está inventando. Audiência é um conceito construído de acordo com algumas noções sobre quem é essa audiência (2010).

Já os produtores e programadores, afirma Ang, precisam se dirigir a um tipo de público enclausurado em casa e para isso têm de conhecer seu comportamento, hábitos, preferências. Abelman e Atkin (2002) reforçam o fato de que cada transmissão chega a um grupo diferente de pessoas, a um contingente de telespectadores que num determinado momento se expõe a um programa de TV. Num próximo momento ou em outra transmissão, esse grupo já tem uma composição diferente, perdeu parte das pessoas que participaram no instante anterior e passou a ser integrado por outras. É um processo fluido, de composições permanentemente voláteis, com indivíduos que só constituem um grupo no momento em que atentam para um mesmo conteúdo televisivo. Fuenzalida (2002, p.9) diz que devemos falar de “audiências” no plural, pois “não existe uma audiência homogênea e nem massiva, senão diferenciada e segmentada em diversos grupos”. Para Ang, é preciso distinguir entre o conceito abstrato e o conceito real:

Se uma audiência televisiva não existe em lugar nenhum, as audiências reais estão em toda parte, em uma multiplicidade inesgotável de maneiras de ver e se relacionar com a TV (assistir, receber, consumir, decodificar, utilizar, re- lacionar-se com etc.), sempre em mutação e expansão. (ANG, 1991, P. 14).

A massa não tem comportamento homogêneo, ao contrário. Essa é a conclusão mais di- reta dos estudos desses e outros investigadores. Se o público é visto como massa no sentido quantitativo, na soma de pessoas que se estão expondo a um ou outro programa em determinado momento, as opções que os indivíduos fazem diante da TV são absolutamente individuais.

Verifica-se, principalmente a partir dos anos 1970, uma evolução histórica na maneira como o telespectador é percebido ou reconhecido pelos produtores de televisão, pesquisadores sociais e institutos de medição de audiência. A imagem de um sujeito absolutamente passivo

que se esparrama no sofá e se concentra totalmente na TV durante horas e horas foi evoluin- do, como veremos, para chegar àquela de um indivíduo irrequieto, sempre insatisfeito com o que é exibido e prestes a mudar de canal ou desligar o aparelho.

2.2 “Batatas de Sofá” em Extinção

A televisão tornou-se tão importante na sociedade e inseriu-se tão profundamente no dia a dia das famílias que o próprio público, a partir de determinado momento, começou a observar com atenção alguns tipos de atitude diante da tela, identificando-se ou não com comportamentos tidos como típicos dos consumidores mais dedicados.

Nos Estados Unidos, nos anos 1970, foi criada uma expressão pejorativa para definir os telly addicts ou viciados em televisão. Eles foram apelidados de coach potatoes (“batatas de sofá”) (ANG, 1991, p. 34), sinônimo de pessoas preguiçosas que não fazem nada além de sentar na frente da televisão. Um grupo de amigos que defendia o direito de gastar todo o tempo livre com essa forma de entretenimento, comendo porcarias e “vegetando” na sala de estar, e que rechaçava as críticas dos que pregavam uma vida mais ativa e saudável, criou um clube com o mesmo nome. O movimento adotou um slogan curioso e uma “missão pública”, que reproduzimos na versão original, em inglês:

Couch Potatoes – The society for the prolonged viewing of television. The

Couch Potatoes organization feels that “in a country where there are more homes with televisions than with indoor plumbing, “it was time for television watchers to “come out of the closet and lie down and be counted” (THE PO- TATO MUSEUM, 2010)

Numa tradução livre, o clube Batatas de Sofá defendia o “direito” de assistir à TV por tempo prolongado e afirmava que em um país que tinha mais casas com aparelhos de TV do que com rede de esgoto interna já “era tempo dos telespectadores saírem do armário e deitarem-se no sofá para serem contados”. Para fazer parte do clube, o interessado tinha que declarar prazer em ver TV e listar cinco programas preferidos. A associação teria conseguido atrair mais de 1 milhão de membros não oficiais e passou a publicar livros e até um jornal, o “The tuber‟s voice: the couch potato newsletter”. Mais tarde, o nome Potato Coach foi adota- do para um programa de TV que testava os conhecimentos dos participantes sobre assuntos do “mundo televisivo”.

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