• Nenhum resultado encontrado

Motivações e Gratificações

No documento Download/Open (páginas 73-80)

2.2 “Batatas de Sofá” em Extinção

2.3 Motivações e Gratificações

No que diz respeito às motivações que levam os indivíduos a passar horas diante da TV e a escolher o que assistir, Abelman e Atkin (2002) afirmam que, acima e além de qual- quer outra função que a televisão possa ter, ela diverte as pessoas. Inclusive os programas jornalísticos e os comerciais são elaborados principalmente com o objetivo de entreter o pú- blico, apesar de haver muitos documentários e reportagens apresentados com seriedade.

Na maioria das vezes, assistir à TV é um ato voluntário, decidido com o uso da razão e realizado com o objetivo de obter gratificação pessoal em necessidades que precisam ser satis- feitas, explicam Abelman e Atkin (2002, p. 72-3). Segundo eles, não existe uma razão única para explicar por que as pessoas veem TV, mas a maioria dos fatores de motivação se enqua- dra em algumas das seguintes categorias: a) prazer – os seres humanos são motivados a per- petuar e aumentar as experiências prazerosas e gratificantes e ao mesmo tempo minimizar as situações que provocam desconforto ou aversão – “o caráter hedonista da natureza humana pode explicar a quantidade obscena de tempo que um típico ser humano gasta na frente da TV”; b) relaxamento físico – um sofá confortável, o controle remoto e horas sem fim de entre- tenimento no lugar de outros tipos de atividade mais complicados são, inquestionavelmente, motivações para quem procura descanso; c) escapismo e entretenimento – depois das pressões das atividades de trabalho ou estudo ou das tensões nas relações sociais enfrentadas durante o dia, a TV é o método mais cômodo e barato de controlar ou evitar sofrimento e estímulos ad- versos; ver os problemas dos personagens televisivos, os perigos e os desafios de indivíduos que parecem estar em situações piores do que as que se enfrentam pessoalmente podem trazer conforto emocional; d) companhia – esta é uma motivação muito comum para pessoas que tem dificuldade de relacionamento social ou que estão isoladas por força de doença ou idade avançada – uma pesquisa realizada nos anos 1990 (KELLOGG, 1995 apud ABELMAN; AT- KIN, 2002, p. 74) revelou que pelo menos 42% do telespectadores entrevistados ligavam a TV eventualmente apenas para ouvir o som de vozes ao fundo e diminuir a sensação de soli- dão; e) vigilância e afirmação – as pessoas confiam na TV para saber o que acontece no am- biente externo e para se assegurar de que as coisas estão sob controle, isto é, no sentido de que não há nenhuma ameaça que requeira ações pessoais; f) voyeurismo – saber da vida alheia, entrar na intimidade de outras pessoas, vasculhar o universo proibido, secreto, ou ilegal de políticos e celebridades são curiosidades que a TV satisfaz “saborosamente” aos telespectado- res; estes se comportam como voyeurs invisíveis, silenciosos, que podem assistir a tudo e sa- ber de tudo sem risco ou comprometimento; g) hábito – quando não há nada melhor a fazer, nenhuma atividade mais interessante para preencher o tempo livre, as pessoas ligam a TV; ver TV estimula a ver cada vez mais – a gratificação imediata pode vir de várias formas (distra- ção, relaxamento, informação, companhia) em alguns segundos, o que faz o telespectador associar emocionalmente e fisicamente o ato de ligar o televisor com um prazer instantâneo.

Por tudo isso, ver TV pode facilmente se transformar num hábito, que é simples e ba- rato de manter. Para alguns críticos, a sociedade norte-americana teria sido impregnada com o

teor de entretenimento que o público se habituou a ter com a TV, efeito que em grau maior ou menor pode-se aplicar à sociedade contemporânea em geral:

Os Estados Unidos hoje são uma sociedade de entretenimento televisivo 24 horas. Tudo na América contemporânea é um entretenimento, dos eventos esportivos aos grandes negócios, a política, certamente a religião e mesmo a academia. Se não for divertido, simpático ou embalado em uma mensagem de dez segundos, esqueça. Se não puder ser apresentado com uma face sorri- dente, otimista, sexy, não vale apena prestar atenção. Nós somos espectado- res em uma grande sociedade de entretenimento admirando alguns superas- tros no palco que não apenas interpretam mas se expõe o suficiente para se- rem consagrados como heróis da nossa época (MITROFF; BENNIS, 1993 apud ABELMAN; ATKIN, 2002, p. 18).

Duas pesquisas feitas no Brasil no anos 1990 mostraram resultados similares aos obti- dos nos estudos mencionados por Fuenzalida e por Abelman e Atkin sobre o que atrai o pú- blico à TV. Ruótolo (1993) fez uma investigação na região conhecida como ABC paulista, a qual inclui os municípios de Santo André, São Bernardo e São Caetano, no Estado de São Paulo. Borelli e Priolli (2000) trabalharam com focus groups formados nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

Embora os dois estudos tenham tido âmbitos regionais e tenham utilizado metodologi- as diferentes – o primeiro, quantitativa, e o segundo, qualitativa, ambos trouxeram constata- ções relevantes, e, em muitos pontos, coincidentes a respeito da relação dos telespectadores com a televisão.

A discussão dessas pesquisas é importante porque estudos recentes que iremos analisar revelam em que grau certos tipos comportamento de consumo televisivo verificados na época se acentuaram e passaram a definir novas atitudes de exposição.

Ruótolo organizou uma tipologia de telespectadores a partir do cruzamento das infor- mações que foram obtidas num estudo de campo sobre os hábitos de consumo de TV e o per- fil do público. O objetivo era traçar um quadro motivacional da audiência. Baseado nos resul- tados, ele divide os telespectadores em cinco categorias principais, de acordo com caracterís- ticas sociodemográficas e psicológicas, preferências e hábitos de consumo de mídia.

A análise é feita com base na Teoria de Usos e Gratificações, que tem como foco cen- tral o conjunto de motivações que levam o telespectador a expor-se à televisão. Segundo essa

corrente teórica, “não se pergunta o que a televisão está fazendo às pessoas, mas o que as pes- soas estão fazendo com a televisão”, explica Ruótolo (2001, p. 13).

Conforme a interpretação do pesquisador, a teoria indica que os indivíduos escolhem os meios de comunicação e a eles se expõem para satisfazer certas necessidades:

A formulação da teoria de Usos e Gratificações afirma que as condições so- ciais e psicológicas do indivíduo dão origem à sua motivação de ver televi- são para preencher determinadas necessidades. Essas necessidades aparecem a partir das situações vividas pelos indivíduos na sua experiência diária. As situações do quotidiano são, portanto, a gênese das gratificações, na medida em que facilitam o maior ou menor envolvimento com os meios de comuni- cação ou que geram necessidades não plenamente satisfeitas na vida real e que são compensadas pelo uso dos meios de comunicação (RUÓTOLO, 2001, p. 15)

O levantamento no ABC confirma que o hábito de assistir à TV pode ter motivações que vão do desejo de atualização e fortalecimento de opiniões à simples necessidade de rela- xamento. O Quadro 3 resume a classificação proposta pelo estudo e o conjunto de motivações para cada tipo de telespectador.

Observa-se que os telespectadores são agrupados em cinco categorias, de acordo com perfil psicológico e socioeconômico e com as preferências em relação à mídia.

A fim de facilitar a compreensão da análise, o autor atribuiu a cada tipo de telespecta- dor uma denominação, conforme expresso na coluna da esquerda no Quadro 3.

Quadro 3. Tipologia dos telespectadores

Fonte: Quadro elaborado pelo autor a partir da pesquisa de Ruótolo (1993).

Obs.: O resumo apresentado neste quadro foi feito com base nas características predominantes em cada grupo de telespectadores. Exemplo: o grupo V é composto principalmente por telespectadores do sexo feminino, mas não exclusivamente.

Como se nota, assistir à TV é um passatempo ou relaxamento para a maioria dos teles- pectadores. É também uma atividade usada para esquecer os problemas, como fonte de infor- mação sobre o que acontece no mundo, para fortalecer opiniões pessoais, como companhia e aliada na solução de problemas pessoais/emocionais. Muitos a reconhecem como hábito ou como parte da rotina do dia a dia.

A pesquisa de Borelli e Priolli (2000, p. 211-50) com pessoas das classes A, B e C, de ambos os sexos e idades de 15 a 40 anos, residentes na cidade de São Paulo e Rio de Janeiro, chegou a conclusões similares sobre fatores de motivação.

O estudo apontou que, para as donas de casa,

a TV é um veículo indispensável; a vida pela – ou com -a televisão torna-se um pouco mais „ampla‟, movimentada, divertida; é principalmente pela TV que essas mulheres se informam, se divertem (...); essas entrevistadas têm pouco acesso a outras mídias (…) a condição econômica menos favorecida, os filhos e uma rotina doméstica exaustiva impedem que elas tenham ativi- Tipo de telespectador % da população Perfil predominante Tempo dedicado à TV Interesses/ Motivações Programas preferidos I – eclético 24% - mais jovem

- alta escolaridade - bom padrão de renda Médio (menos tempo no domingo) - atualização - fortalecimento de opiniões - informação, hábito, passatempo Telejornais Esportes II – instrumental 24% - alta escolaridade - bom padrão De renda

Pouco tempo - atualização - temas de conversa - telejornais -documentários III – desintegrado 11% - mais velho - escol. Média - renda baixa Médio - informação P/ interação social - relaxamento - diversão - esportes - variados Iv – habitual- escapista 18% - mulheres - baixa escolaridade - renda baixa

Muito tempo - rotina p/ esquecer problemas - companhia, relaxamento, diversão - novelas - auditório V – envolvido 23% - mulheres - baixa escolaridade - renda baixa Muito tempo (especialmente aos domingos) - relação ativa - TV como aliada (emoções, companhia, respostas) - variados (não há programas rejeitados)

dades extralar com constância, assim a TV “é obrigatória”, é companheira indispensável (BORELLI; PRIOLLI, 2000, p. 213).

Outras constatações dos pesquisadores a partir do estudo foram que as mulheres e ho- mens que trabalham fora e os grupos mais jovens têm menos apego à televisão, “mas não se imaginam sem o meio”. Como têm acesso a outros meios, consideram a TV uma mídia a mais, “embora seja a mais corriqueira, habitual e cômoda”. Os mais jovens, principalmente, são muito críticos em relação à programação, acham-na decadente, dizem que “há pouco o que ver”.

Os entrevistados de maior poder aquisitivo têm três ou quatro televisores em casa, principalmente em salas de estar e dormitórios. Nas residências do público B e C, a média é de dois aparelhos. Um hábito comum das mulheres que trabalham fora é “ouvir a TV”, isto é, deixar o aparelho ligado enquanto fazem as atividades domésticas e parar quando algum pro- grama interessa. Os jovens de 15 a 18 anos costumam ficar horas sentados ou deitados vendo TV. A televisão está incorporada ao cotidiano, mas esse cotidiano é tão rápido e intenso que eles são levados a fazer várias coisas ao mesmo tempo. Enquanto estão com o televisor da sala ou do quarto ligado, têm por hábito falar ao telefone, ouvir música, estar no computador e jogar videogames. Os jovens tendem a se isolar mais nos quartos para assistir à TV, onde op- tam por programas diferenciados do restante da família (BORELLI; PRIOLLI, 2000).

Na pesquisa realizada por Borelli e Priolli, boa parte dos entrevistados já tinha acesso à internet e a videogames. Para eles, tanto os jovens como os adultos, essas novas atividades pareciam ter ocupado um tempo antes reservado à televisão. Disseram preferi-las por serem mais dinâmicas e que a internet permitia à pessoa ficar ligada ao que acontecia no mundo e se relacionar com os amigos e outros internautas.

Os telespectadores com TV por assinatura também se mostraram desiludidos com os canais. Excesso de repetições de filmes e programas, a mesma “monotonia” da TV aberta, a falta de ousadia e de novidades foram as críticas mais comuns.

Um dos hábitos observados em todos os entrevistados foi o de zappear pelos canais, pagos ou abertos. “Não há quem veja TV de maneira atenta e estática”, concluíram os pesqui- sadores (BORELLI; PRIOLLI, 2000, p. 247). Usar o controle remoto constantemente oferece “uma visão global do mundo televisivo, mesmo que fragmentado”, relatam. Outras conclu- sões relevantes: apesar das muitas críticas aos programas, pela “mesmice, excessiva populari- zação, decadência e vulgaridade”, não há quem não tenha na TV um meio de distração, diver-

são e informação; o poder do meio, sua capacidade de fazer “sonhar e fantasiar continuam fortes e muito presentes.

Para os pesquisadores, “há uma mudança significativa no ato de assistir à TV, o espec- tador fiel está em extinção” (BORELLI; PRIOLLI, 2000, p. 223). O zappear constante indica uma diversificação de interesses num mundo rápido e complexo. O telespectador busca novi- dades o tempo todo, requer novos modelos, mas ainda precisa das referências antigas:

A atitude [de zapear o tempo todo] parece confirmar necessidade do novo, do tradicional e do diverso, do ficcional e do espetacular e ainda do real, do palpável, num modo de vida internacionalizado e extremamente „exigente‟. […] Ver TV parece acompanhar o ritmo agitado e diverso que os entrevista- dos vivem em suas próprias vidas, um ir e vir, estar lá e cá, recebendo uma carga considerável de informações, digerindo-as, reciclando-as, retendo e e- legendo o que lhes é mais significativo (BORELLI; PRIOLLI, 2000, p. 223).

Entre 1993 e 1996, o controle remoto chegou às classes mais pobres. A venda de apa- relhos com o dispositivo para esse público subiu 158%. Pesquisa do Ibope (BORELLI; PRIOLLI, 2000) revela que, de 1993 a 2001, aumentou de 30% para 88% o número de domicílios com TV com controle remoto.

O Datafolha também pesquisou o fenômeno em 1998 e acusou que 53% dos telespec- tadores já tinham o hábito de mudar de canal enquanto assistiam à TV, passando por cinco emissoras, em média, a cada vez que faziam zapping. A MTV fez um levantamento entre a própria audiência e constatou que 73% dos telespectadores mudavam de canal até durante os programas preferidos (ANDRELO, 2006).

Reter os telespectadores durante os intervalos tornou-se um desafio para as emissoras. As pessoas já costumavam fazer outras coisas no horário dos comerciais, como ir ao banheiro ou até a cozinha. Com o controle na mão, quando não saem do local onde está a TV, é comum fazerem zapping por outros canais.

A perda de audiência nos intervalos tem sido combatida pelas emissoras com algumas estratégias, como anunciar as atrações do bloco seguinte, interromper os capítulos de novelas no clímax ou estender a duração de entrevistas (ANDRELO, 2006). Em 1997, o Datafolha apurou que 23% dos telespectadores trocavam de canal na hora dos comerciais.

A fuga dos consumidores durante as mensagens dos anunciantes, segundo Borelli e Priolli (2000), estimulou o crescimento das ações de merchandising inseridas dentro dos

programas, como novelas, revistas televisivas e atrações de auditório, a ponto de a venda desse formato comercial tornar-se fundamental para as emissoras.

A popularização do controle remoto é tida como um dos principais fatores que provo- caram uma divisão maior da audiência entre os canais de televisão, fazendo a Globo perder a situação de quase monopólio que detinha até o início daquela década: “O controle é, ao mes- mo tempo, o desespero e a salvação das redes de televisão. Desespero daquelas que tinham uma audiência cativa – caso da Globo – e salvação daquelas que começam a ser descobertas pelo zapping, como as emissoras de UHF” (BORELLI; PRIOLLI, 2000, p. 151).

A universalização do videocassete nas residências também provocou mudanças. Sob estímulo de uma queda drástica dos preços em relação à década anterior, a venda anual do equipamento, no mesmo período do boom do controle remoto, de 1993 a 1996, aumentou em 43%. Com fitas alugadas em videolocadoras ou gravações feitas a partir do que passava nos canais normais, propalou-se o hábito de ver filmes e programas alternativos àqueles exibidos na grade das emissoras (BORELLI; PRIOLLI, 2000).

Os discos e tocadores de DVD e os DVRs digitais, que simplificam ao máximo o ato de fazer gravações diretamente do televisor, substituíram os videocassetes e estimularam ain- da mais os novos modos de ver TV.

Mais adiante, voltaremos aos dois estudos analisados para discutir de que maneira as motivações dos telespectadores ajudam a definir as estratégias utilizadas pelos produtores de programas de TV na busca de grandes audiências.

Na seção a seguir, analisamos a evolução dos hábitos de consumo de TV e dos índices de audiência nos anos 2000, diante do surgimento das novas mídias e das novas plataformas de acesso aos programas televisivos.

No documento Download/Open (páginas 73-80)