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CAPÍTULO II. ANÁLISE DOS DADOS E DOS RESULTADOS

2. Discussão dos resultados

2.2. Diversidade e correlações com as lógicas subjacentes (P2)

Na Proposição 2 (P2), indagamos se existe uma correlação identificável entre o racional de adesão e os níveis de integração dos ODS, em casos em que parece haver uma conexão semântica. A figura 2.1. permite avaliar esta proposição mais detalhadamente.

Figura 2.1. Relação entre a principal lógica subjacente e o enfoque da adesão

A partir dele, e da análise de conteúdo feita, podemos tirar as seguintes conclusões:

• Pode existir uma relação entre o racional ético, de pendor normativo, e um enfoque normativo centrado na visão, valores e cultura organizacional (P2.1), mas essa relação não é exclusiva. O racional ético também se relaciona com o enfoque operacional, que inclui a medição do impacte e melhorias da performance.

• Não existe aqui uma relação privilegiada entre o racional contextual de gestão das expetativas e necessidades dos stakeholders e um enfoque normativo externo, isto é, centrado na gestão do diálogo com esses atores-chave; nem entre esse racional e o enfoque operacional, no que respeita ao reporting da atividade e à gestão do risco reputacional (P2.2);

• O racional económico não é apresentado por nenhuma das empresas como a principal motivação subjacente, não sendo possível identificar relações com o enfoque operacional ou o enfoque estratégico (P2.3), tendo em vista ganhos económicos decorrentes de uma maior eficiência ou ganhos de competitividade decorrentes de maior eficácia, respetivamente.

Conclui-se que a principal lógica subjacente à adesão em cada caso não determina o enfoque da integração, embora possa naturalmente haver influência, infirmando parcialmente a P2.

Os discursos analisados revelam ainda que, de modo transversal, estas grandes empresas têm incorporados um conjunto de conceitos e ideias que suportam a adesão à sustentabilidade corporativa no contexto das organizações:

• o entendimento do desenvolvimento sustentável como uma questão ética;

• a preocupação e abertura ao diálogo com stakeholders para a gestão da mudança, que marcam as políticas de RSE, fortemente influenciadas pelo legado de Edward Freeman, num racional contextual;

• finalmente, num racional económico, a defesa do “caso de negócio” para a sustentabilidade pelo seu potencial de criação de valor social e de vantagens competitivas para a empresa, em simultâneo, além de permitir assumir uma vanguarda ambiental face a concorrentes, como sugere a Hipótese de Porter.

É esta complexidade de pensamentos que as tornará mais permeáveis à adesão aos ODS.

2.2.1. Setor e localização orgânica como possíveis influenciadores do racional central

A localização das duas empresas do setor energético num racional contextual poderá ser explicada pela forte regulação e fiscalização a que estão já necessariamente sujeitas devido ao seu impacte social e ambiental e aos riscos decorrentes da sua atividade (como, aliás, lembram vários entrevistados). A legislação e a ameaça da legislação são tipicamente, já o dissemos, os motores mais importantes para a responsabilidade corporativa ambiental (Dummett, 2006). Estas empresas estão muito expostas às necessidades e exigências de stakeholders, tais como clientes, analistas, governos, reguladores e media, e têm de procurar plataformas de entendimento com atores sociais a diferentes escalas.

É curioso verificar ainda que, nestes dois casos, os porta-vozes para o tema dos ODS pertencem à Direção Corporativa de Ambiente, Qualidade, Segurança e Energia e à Direção de Sustentabilidade Corporativa, que apoia o Conselho de Administração. Têm perfis técnicos, da área das engenharias, enquanto nas restantes empresas falámos com responsáveis das direções de comunicação67. Se nestas

67 Numa destas empresas, a área da Sustentabilidade, sob a chancela da comunicação há uma década, irá passar

em breve para uma “nova estrutura departamental de suporte à Gestão Corporativa do Grupo”. A mudança acontece porque o programa de sustentabilidade “evoluiu bastante e atingiu um ponto que, para continuar a evoluir (mais orientado ao pilar económico e à evolução de modelos, processos, etc.) teria que se desmarcar de um contexto mais ligado à reputação e imagem e adquirir uma legitimidade diferente de atuação e de gestão”.

empresas do setor energético há um racional contextual para a adesão aos ODS, mediante a necessidade de consideração dos stakeholders, nas empresas do setor da banca e da grande distribuição é o racional ético que suporta este envolvimento. Os três responsáveis destas direções de comunicação fundamentam a adesão à Agenda 2030 pela narrativa da comunicação empresarial, ou seja, pela sua história, missão e valores.

A opção por um racional contextual ou ético poderá, neste sentido, depender de dois fatores distintos: • Por um lado, das realidades diversas destes setores, já que o setor energético é produtor e tem

de considerar os seus impactos sociais e ambientais, de maneira cuidada e estratégica, enquanto estas empresas da banca e da grande distribuição tendem a integrar as matérias de sustentabilidade muito por via das suas políticas de responsabilidade social e ambiental.

• Por outro lado, não é de excluir também que o perfil do porta-voz possa ter influído no racional subjacente identificado, já que os responsáveis técnicos se posicionaram no racional contextual e os responsáveis da comunicação no racional ético.

Embora vários entrevistados vejam os ODS como uma ferramenta de comunicação eficaz, mesmo os que não são de direções de comunicação, a proximidade com esta área orgânica revela a importância que é dada à sustentabilidade corporativa na construção da reputação e da confiança. A eficácia dos ODS é, de resto, ligada nos discursos à eficácia da comunicação, como revela a figura 2.2.:

Figura 2.2. Contextos de referência a “eficácia”

A construção da confiança será essencial para qualquer empresa, mas sobretudo para os bancos, que se distinguem pela marca e não tanto pelos produtos e serviços, e que viram a sua reputação abalada pela recente crise financeira e outros processos litigiosos em Portugal.

Este ponto e a análise feita levam-nos a deduzir que a localização orgânica numa área independente da empresa, e não na direção de comunicação, poderá dar sinal de maior proximidade da sustentabilidade com a estratégia core.

A proximidade da sustentabilidade corporativa com as direções de comunicação poderá ainda ajudar a compreender melhor o enfoque operacional de um dos bancos inquiridos e da empresa de grande distribuição, no que respeita ao valor e à necessidade do reporting e do acompanhamento da melhoria contínua das operações, já que cabe a estas direções divulgá-la. Como vimos, um dos benefícios principais das estratégias de sustentabilidade corporativa é a melhoria da reputação e da imagem (Harmon et al., 2009), podendo a reputação e as expetativas do público e dos consumidores pesar mais do que a regulação, quando se considera a RSC nas suas múltiplas dimensões (Maximiano, 2007).