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CAPÍTULO III. DEBATE TEÓRICO EM TORNO DO CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL

2. Mapeamento dos territórios relevantes da RSE

2.2. Relação simbiótica entre RSE e desenvolvimento sustentável

A RSE e o desenvolvimento sustentável implicam o envolvimento de múltiplos stakeholders, que têm interpretações diferentes sobre os seus significados, sendo usados até – erradamente – como sinónimos. Muito dependentes do seu espaço e tempo, são conceitos “essencialmente contestados”, multidimensionais e definidos de modo aberto, logo, difíceis de codificar, e em que o debate se faz em

28 Friedman e Miles (2002) dão o exemplo da relação da Greenpeace com grandes corporações. Incompatível e até

antagónica na sua criação nos anos 70, muda nos anos 80, quando o aumento do apoio público e mediático (depois da morte de um fotógrafo seu e de vários desastres ambientais) abrandam o seu radicalismo, permitindo criar pontes de diálogo com as empresas. Dá-se um novo afastamento no final dos anos 80, com o crescimento do movimento anti-ambientalista nos EUA (conhecido como green blacklash), e nova aproximação a partir da Cimeira da Terra, no Rio, em 1992, com a introdução do conceito e adesão crescente aos princípios do desenvolvimento sustentável pelo público, governos e empresas. Desenvolvem-se inclusive algumas colaborações na procura de respostas conjuntas.

29 Estes princípios referem a necessidade de reconhecer as preocupações dos stakeholders legítimos, de adotar

comportamentos e processos sensíveis às suas preocupações e capacidades, procurar uma “distribuição justa dos benefícios e desvantagens da atividade empresarial” e de assumir responsabilidades morais e legais, entre outras. As empresas devem ainda abordar esses conflitos através de uma comunicação aberta e relatórios adequados (The Clarkson Center for Business Ethics, 1999: 4 apud Miles e Friedman, 2006: 151).

torno do conteúdo e da sua aplicação (Moon, 2007). São ainda acusados de serem contraditórios, porque “as empresas são incapazes de ser socialmente responsáveis” e “a sustentabilidade do planeta e dos seus recursos e integridade são incompatíveis com o desenvolvimento económico (e às vezes social)” (Moon, 2007: 297).

Mais especificamente, como vimos, Elisabet Garriga e Domènec Melé (2004) localizam o desenvolvimento sustentável nas teorias éticas da RSC. Esta integração da sustentabilidade nas práticas empresariais, com forte componente normativa, ganha força a partir dos anos 60, com o movimento ambientalista e com a regulamentação cada vez mais apertada em resposta às crises ambientais e pressões públicas. Assente nos pilares económico, social e ambiental, o conceito de desenvolvimento sustentável, introduzido em 1984, espelha e reforça esta inquietação geral com o ambiente, registando forte adesão junto da opinião pública e dos governos nos anos 90.

O debate em torno da RSE torna-se “mais verde”, nesta década. Proliferam abordagens para a gestão ambiental, avaliação da performance e tipologias para classificar os comportamentos das empresas (Linnenluecke e Griffiths, 2013).

A edição especial da Academy of Management Review dedicada ao tema “Organizações Ecológicas Sustentáveis”, em 1995, é um marco nesta reflexão. Um dos textos mais conhecidos é de Paul Shrivastava (1995), que estuda o papel das empresas para alcançar a sustentabilidade ecológica e sugere a adoção de um paradigma de gestão centrado na sustentabilidade. Em 1992, Shrivastava falara já na necessidade do ecocentrismo e de uma renovação verde nas empresas (self-grenewal), pela adoção de estratégias que integrassem a sustentabilidade e o bem-estar dos stakeholders da organização. Os valores organizacionais teriam, por conseguinte, de refletir o papel central da natureza e uma visão estratégica baseada na sustentabilidade, da qual adviriam vantagens competitivas e uma sobrevivência de longo prazo para a empresa.

Nesta mesma edição, Thomas Gladwin et al. (1995) abordam o sustaincentrism (sustentacentrismo, em tradução livre) como um novo paradigma integrador, capaz de reconciliar a oposição entre tecnocentrismo e o ecocentrismo e de criar um novo espaço para o desenvolvimento sustentável no coração das empresas.

Num outro artigo emblemático desta publicação, Stuart L. Hart (1995) questiona o modelo tradicional da gestão de recursos de uma empresa e introduz uma visão prática de formulação e implementação de estratégias de sustentabilidade, baseada nos recursos naturais e pesando os constrangimentos colocados pelo ambiente biofísico. A empresa deveria ter como ambição fazer evoluir uma estratégia de sustentabilidade movida por processos (tendo em vista a prevenção da poluição) para uma estratégia

movida pelos mercados (mediante uma gestão responsável dos produtos), em que todo o ciclo de vida do produto seria considerado. Esta transformação teria de ser feita com os stakeholders externos de uma empresa, incluindo fornecedores, reguladores, ambientalistas e a comunidade, numa visão mais ampla e partilhada. Num terceiro tipo de estratégia, Hart defende que as empresas devem assumir um compromisso de longo termo para o desenvolvimento sustentável, dedicando recursos organizacionais à inovação em tecnologias de baixo impacto ambiental que possam servir as necessidades de países em desenvolvimento.

A procura de modelos de negócio mais sustentáveis torna-se, por conseguinte, num motor para a responsabilidade corporativa. Thomas Gladwin et al. (1995: 876) sublinham que o conceito de desenvolvimento sustentável poderá ser “contestável e/ou ideologicamente controverso”, mas que introduz elementos relevantes nas políticas de RSE.

Por seu lado, o conceito de RSE revela potencial para contribuir para o desenvolvimento sustentável, de forma lata, nas dimensões económica, social e ambiental, trazendo incentivos às empresas para participarem neste desafio global. Apresenta, não obstante, um conjunto de limitações, como seja a questão das relações entre poder económico e interesse económico, ou a dificuldade das empresas em desenharem uma visão de longo prazo para o sucesso do negócio (Moon, 2007).

Há, todavia, limiares para o âmbito da responsabilidade corporativa, já que muitos contributos negativos decorrem de comportamentos individuais, de falhas regulatórias e da ausência de capacidades dos governos. Jeremy Moon (2007: 305) advoga, por isso, que a existência de empresas responsáveis é uma “condição necessária mas não suficiente para o desenvolvimento sustentável”, sendo importante investigar os aspetos da agenda da sustentabilidade que mais conduzem à RSE, os tipos de RSE que mais contribuem para o desenvolvimento sustentável e o que determina o seu sucesso em termos de fatores e motivações corporativas.

Considerando que o conceito de RSC foi impotente face às crises globais e que está condenado a morrer, se não for rejuvenescido, Wayne Visser (2010a, 2010b) liga geneticamente os termos desenvolvimento sustentável e responsabilidade social empresarial, ao propor que o acrónimo CSR – do inglês corporate social responsability – se transforme em responsabilidade e sustentabilidade corporativa, ou seja corporate sustainability and responsibility. A nova CSR terá no seu ADN duas hélices interligadas, diferentes, mas complementares: a sustentabilidade como um destino, uma visão e objetivos; a responsabilidade como o caminho, soluções e a gestão necessária para lá chegar. Esta nova CSR implicaria uma clarificação dos objetivos das empresas, não como o lucro, mas como um serviço à sociedade, que aumenta o bem-estar social sem erodir os ecossistemas.

Depois da era da ganância (com uma visão defensiva pelas empresas), da filantropia (caritativa), do marketing (promocional) e da gestão (estratégica), para o autor terá, assim, chegado o tempo da responsabilidade, de se assumir uma visão sistémica e holística.

A proposta de Wayne Visser tem a vantagem de ajudar a repensar a articulação da RSE com objetivos e desafios sociais e ambientais abrangentes. Mesmo que o desenvolvimento sustentável e social não possam depender apenas das empresas, muitas detêm hoje mais poder do que governos locais, nacionais, até internacionais, pelo que o entendimento que façam do que é a sua responsabilidade económica, social e ambiental será determinante para o desenvolvimento humano e para a preservação ecológica, a várias escalas.

Neste capítulo, vimos como a RSE surge muito associada a um debate de pendor ético sobre as obrigações sociais das empresas, no contexto do próprio mundo empresarial, e como vai evoluindo para integrar aspetos práticos da performance e das estratégias para a responsabilidade social e ambiental. Contestado e camaleónico, o conceito conheceu variações, sendo até secundarizado por outras expressões. Mais recentemente, parece registar um interesse renovado de académicos e praticantes. O seu campo de estudo dispersa-se por disciplinas distintas, como a estratégia ou a psicologia comportamental das organizações. Associa-se e é enriquecido ainda por temas muito diversos. Neste trabalho, debruçamo-nos sobre o desenvolvimento sustentável e sobre a teoria dos stakeholders, ambos tendo contribuído para que as empresas reequacionassem o seu impacto social e ambiental e reforçassem as suas responsabilidades nestes âmbitos.

O conceito de RSE fez uma “viagem que é quase única no panteão das ideias na literatura da gestão” e continua a ser para muitos a interface privilegiada para pensar as relações entre as empresas e a sociedade (Crane et al., 2009a: 3). Institucionalizou-se e está hoje firmemente embebida nas ciências e práticas da gestão. Terá, todavia, ainda de cumprir o seu potencial pleno, na articulação com os desafios do desenvolvimento sustentável.