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PARTE II. Sustentabilidade corporativa: revisão de literatura

2. Níveis de integração da sustentabilidade corporativa

2.1. Enfoque normativo

A integração e o desenvolvimento da sustentabilidade corporativa são inspirados por um legado tão amplo e rico como o pensamento aristotélico sobre as virtudes, o absolutismo deontológico de Immanuel Kant (2005), o utilitarismo de John Stuart Mill ou a teoria da justiça pela equidade de John Rawls (2013). O conceito de desenvolvimento sustentável em si, definido pelo Relatório Brundtland, incorpora uma dimensão normativa, ao preconizar o balanço das necessidades das gerações presentes e do futuro, num respeito pelas dimensões social e ambiental. De resto, como vimos, Elisabet Garriga e Domènec Melé (2004: 51) situam o desenvolvimento sustentável nas teorias éticas da literatura e práticas de RSC.

Baumgartner (2014) explica que a gestão normativa é constituída pela visão e políticas corporativas, governança corporativa e cultura organizacional. Neste âmbito, o enfoque específico da integração serão os valores, atitudes e crenças dos empregados e líderes executivos sobre qual deve ser o seu papel e o da empresa, tendo presente a relação com stakeholders e com a sociedade.

Analisando uma integração ao nível normativo, consideramos um subnível interno e um externo. O primeiro foca-se nos valores, cultura e no papel essencial de cargos de liderança para a sustentabilidade corporativa41. Num subnível externo, exploramos o valor da relação com os stakeholders, bem como de uma nova forma de liderança partilhada e coproduzida com eles, a liderança relacional.

2.1.1. Valores, cultura corporativa e lideranças (subnível interno)

Para Paul Shrivastava e Stuart Hart (1995), uma empresa só será sustentável se incluir na sua estratégia uma gestão ambiental total, com todas as dimensões ambiental, social e económica do desenvolvimento sustentável, tendo ainda de reconhecer as interconexões entre estas dimensões e os temas organizacionais para transformar todos os aspetos e o design da sua organização. A integração da sustentabilidade numa empresa implica, antes de mais, uma revisão da missão, depois declinada num conjunto de normas, valores corporativos e princípios de comportamento, capazes de guiar a ação de gestores e empregados. A missão corporativa ambiental torna-se, neste sentido, na “cola” de todos os elementos organizacionais, das competências, estruturas e sistemas, processos, cultura e da performance para cumprir e executar a estratégia (Shrivastava e Hart, 1995: 160).

Ingrid Bonn e Josie Fisher (2011: 11) realçam a importância da cultura organizacional na implementação de estratégias de sustentabilidade, até porque “culturas centradas na sustentabilidade reforçam a visão de que os valores sociais e ambientais são importantes para a organização e guiam os comportamentos de gestores e empregados”. As autoras propõem, por isso, um modelo para a integração da sustentabilidade, num sentido holístico de estratégia, que vai além do nível operacional e atua na esfera da cultura corporativa. Este modelo é elaborado para ajudar os gestores a darem sentido a processos complexos e multifacetados, partindo de uma visão e de um propósito partilhados.

Para serem tomados seriamente e serem eficazes, os assuntos de sustentabilidade devem integrar a formulação da estratégia desde o início e chegar a todos os seus níveis, de modo contínuo: desde a visão ao processo de tomada de decisão estratégica, conteúdo da estratégia e sistema organizacional. Nestas dinâmicas, a sustentabilidade torna-se parte da cultura e dos comportamentos da organização.

Também Carla Millar et al. (2012: 491) acreditam que a agenda da sustentabilidade exige mudar atitudes e pensamento, o que “habitualmente tem de começar com liderança”. Abordando os dilemas mais frequentes na gestão da sustentabilidade, da conciliação de prioridades do curto ao longo prazo, da mudança versus a estabilidade, dos objetivos estratégicos à implementação diária, os autores constatam que em todos é preciso liderança firme.Os líderes devem, assim, ter uma visão e assegurar que são dados os passos necessários para concretizá-la, definindo neste processo prioridades e compromissos e fazendo escolhas (Millar et al., 2012: 491). Em particular, os “melhores líderes” serão aqueles que “não

41 Diane Swanson (2009: 228) evidencia o papel discricionário de tomada de decisão empresarial, “largamente

vão só transformar os seus próprios negócios, mas vão ter a visão para mudar atitudes e quadros mentais nas suas indústrias. Vão ter impacto nos empregados, nos consumidores, nos decisores políticos e na sociedade como um todo” (Millar et al., 2012: 492).

A liderança e os stakeholders, com as suas expetativas, necessidades e influências, são os dois componentes essenciais na integração do desenvolvimento sustentável nas estratégias corporativas, segundo Maria João Simas et al. (2013). Criam, por isso, um modelo conceptual42 integrado para incorporar o conceito de desenvolvimento sustentável na implementação da estratégia organizacional, que lista os stakeholders direta ou indiretamente ligados à organização, posiciona-os no processo estratégico e identifica os seus atributos para estabelecer prioridades, usando a tipologia de Mitchell et al., 1997: poder, legitimidade e urgência. Suporta depois a operacionalização do conceito de desenvolvimento sustentável nas suas várias dimensões.

Em todo este processo, ao líder cabe orientar, guiar e “investigar o conhecimento e alinhamento de necessidades com a estratégia da organização”, ajudando a definir a identidade corporativa e a missão partilhada, e planeando e executando estratégias capazes de suportar a proposta de valor (Simas et al., 2013: 518). Em suma, um líder tem de estar preparado para orientar esforços, ligar a estratégia a recursos e pessoas e ser catalisador da mudança.

2.1.2. Relações e expetativas de stakeholders e da sociedade (subnível externo)

No Capítulo III da Parte I (ponto 2.1), vimos como a gestão dos stakeholders se tornou um pilar na reflexão ética sobre a responsabilidade das empresas perante a sociedade, exigindo que as empresas compreendam e acompanhem as suas exigências e necessidades. A abordagem conceptual de Edward Freeman (1984), o pensador central da teoria dos stakeholders, ajuda as empresas a gerirem a mudança internamente, repensando o modelo tradicional de negócio, e externamente, em resposta à crescente pressão de vários atores sociais. De acordo com Freeman, as empresas devem reequacionar práticas, modelos e estratégias de gestão, de modo sistemático, auscultando o ambiente externo e todos os atores afetados pela atividade empresarial.

Entre stakeholders e empresas estabelecem-se assim alianças, estratégias de influência e níveis de colaboração que mudam ao longo do tempo, como notam Andrew Friedman e Samantha Miles (2002, 2006). São, por isso, necessárias plataformas de diálogo para garantir as melhores soluções conjuntas.

Paul Min-Dong Lee (2008) salienta também que as influências externas e as dinâmicas negociais com os stakeholders moldam as estratégias de responsabilidade social corporativa. Lee conclui que as teorias

42 Tem como base o modelo extended bottom line – gestão da mente sustentável, desenvolvido em 2005 por

Evandro Vieira Ouriques, por sua vez construído sobre o triple bottom line de John Elkington, e a que adiciona uma quarta dimensão, de mudanças de atitude e ação (Simas et al., 2013).

de RSC fizeram um longo caminho desde as perspetivas macro-sociais e éticas dos anos 50 e 60, passando para o nível da gestão empresarial e estando hoje cada vez mais ligadas aos objetivos financeiros das organizações, em face do legado de autores como Archie Carroll (1979) Edward Freeman (1984) e Max Clarkson (1997). No seu entender, será, contudo, necessário desenvolver ferramentas conceptuais e mecanismos teoréticos que permitam explicar as mudanças no comportamento organizacional de uma perspetiva societal mais ampla.

Elizabeth Kurucz et al. (2017) exploram de modo mais concreto o papel das lideranças sociais e coletivas na facilitação e aceleração de iniciativas de sustentabilidade estratégica. Como desafio transdisciplinar e complexo, a sustentabilidade implica uma orientação firme, que ainda não terá sido devidamente estudada. Esta liderança deve ser “relacional”43, nascendo do alinhamento contínuo das intenções e ações dos stakeholders mais relevantes com a realidade, num processo coletivo de prática refletiva, criação de significados e identificação de prioridades.

A liderança relacional torna possível dirimir tensões, compreender posições e executar a transformação para a sustentabilidade estratégica. No entanto, para conseguirem gerir positivamente a sustentabilidade, as organizações têm de se libertar gradualmente dos esforços de gestão dos stakeholders e dos trade-offs muitas vezes existentes, procurando o ponto de interseção de prioridades, interesses e capacidades de todos, para assim resolver problemas em conjunto.