• Nenhum resultado encontrado

PARTE III. Os ODS nas grandes empresas portuguesas: análise empírica

2. Objeto e técnicas de investigação realizadas

Estabelecemos como objeto mais lato da análise “grandes empresas em Portugal”, em função da sua dimensão, peso na economia, na vida das pessoas e sociedades, e expectável maturidade em questões da sustentabilidade. Esta maturidade será decorrente do reforço de quadros mentais para a responsabilidade empresarial perante a sociedade e o ambiente nas últimas décadas, e do aperfeiçoamento dos modelos, ferramentas e estruturas para fazê-lo no contexto de organizações de elevada dimensão. As grandes empresas têm sido também alvo da atenção e pressão crescente em relação a estas matérias, por parte da opinião pública, analistas, governos e entidades reguladoras, a nível nacional, europeu e internacional, levando-as a fazerem evoluir filosofias e práticas de sustentabilidade corporativa.

Para efeitos de seleção das empresas a entrevistar, recorremos ao Forbes Global 2000, o reputado ranking anual da revista norte-americana Forbes, que elenca as 2000 maiores empresas cotadas do mundo com base nas receitas, lucros, ativos e capitalização bolsista (Jurney, 2017).

Em 2017, cinco empresas portuguesas voltaram a marcar presença na listagem: no setor energético, a EDP, que produz, distribui e comercializa eletricidade e gás, e a Galp Energia, que explora, desenvolve e produz petróleo e gás natural, gerando também energia elétrica; o Grupo Jerónimo Martins, nos setores da distribuição alimentar e retalho especializado; e os bancos BPI e Millennium BCP, que oferecem serviços financeiros. A estas juntámos ainda a Caixa Geral de Depósitos, o banco estatal. Embora não integre o ranking, e se inclua no setor público, fora feito um contacto na fase exploratória desta investigação, e entendeu-se que a sua inclusão se justificava pela importância à escala nacional, a maturidade e trabalho existente no domínio da sustentabilidade e pela sua intervenção relevante e estruturada nos ODS.

Estas empresas são portuguesas e gerem marcas bem conhecidas no país, onde têm uma presença forte. Assumem perfis internacionais e atuam em várias geografias, com um número muito diverso de colaboradores, de 6 mil (Galp) a mais de 100 mil em todo o mundo (Grupo Jerónimo Martins). Não obstante, todas têm um peso significativo na economia nacional: a CGD, por ser o maior banco em Portugal, detido pelo Estado; as restantes estão entre as maiores empresas no índice PSI20, se consideradas as receitas, lucros, ativos e capitalização bolsista (segundo a análise da Forbes). A EDP e a Galp integram ainda o Índice de Sustentabilidade Dow Jones World, que inclui empresas líderes globais em sustentabilidade, identificadas pela consultora internacional de investimento RobecoSAM, seguindo critérios económicos, ambientais e sociais de longo prazo.

Entre junho e agosto de 2017, foram entrevistados responsáveis das áreas da Sustentabilidade e da Comunicação destas empresas, nas suas sedes, em Lisboa. O BPI declinou a conversa, indicando que o trabalho para os ODS “está em desenvolvimento”, mas ainda “não suficientemente sistematizado”.

Entendeu-se que a realização de entrevistas semiestruturadas seria a primeira técnica de investigação mais adequada para identificar os temas-objeto desta investigação nas palavras e nos discursos dos atores59.

59 A entrevista semiestruturada tem como vantagens o grau e profundidade dos elementos que permite recolher, o

acesso a grande riqueza informativa, contextualizada pelas palavras e perspetivas dos atores, e a possibilidade de posteriormente esclarecer dúvidas. Como desvantagens, fornece informação sem total espontaneidade, filtrada pelos pontos de vista dos entrevistados, que podem ser influenciados pelo entrevistador, nunca totalmente neutral (Quivy e Campenhoudt, 2008: n.p).

Optámos, em particular, por entrevistas com contacto direto entre investigador e interlocutores, já que permitem recolher “informações e elementos de reflexão muito ricos e matizados” (Quivy e Campenhoudt, 2008: n. p), tornando possível ao interlocutor exprimir “perceções de um acontecimento ou de uma situação, as suas interpretações ou as suas experiências”, cabendo ao investigador facilitar e centrar essa expressão nos fins da investigação (Quivy e Campenhoudt, 2008: n. p.).

O guião da entrevista60 focou-se nos níveis de integração dos ODS nestas empresas, bem como nas lógicas subjacentes ao envolvimento na concretização da Agenda 2030. As leituras teóricas da Parte I e a moldura desenhada em torno destes dois temas na Parte II facilitaram o alinhamento entre o propósito e a interpretação da investigação. Procurou-se ainda perceber quais as ações concretizadas e previstas e as fontes e metodologias usadas no processo de adesão, identificando-se também dificuldades ou ensinamentos a retirar já desta experiência, no sentido de partilhar boas práticas e mobilizar mais empresas para a Agenda 2030.

As entrevistas gravadas em áudio foram transcritas (Anexo B), tendo essas transcrições sido validadas pelos interlocutores, para que aprovassem e se revissem nas afirmações feitas. O Millennium BCP pediu para responder por escrito, o que foi aceite, por se entender que tal não comprometeria os propósitos da investigação, dependente do exercício de ponderação de cada empresa sobre o seu envolvimento nos ODS. As restantes gravações estão disponíveis no CD-Rom acessível apenas ao Júri de avaliação desta investigação.

Num segundo momento, foram enviadas duas perguntas adicionais por escrito, via email, uma vez verificado que a análise das categorias centrais não estava esgotada, e para tornar mais clara aos interlocutores a distinção entre lógicas subjacentes e enfoque da integração, nas várias subcategorias: racional ético, contextual e económico; e enfoque normativo, estratégico e operacional. Isto permitiu uma reflexão posterior e uma resposta mais assertiva quanto ao posicionamento das várias empresas nestes dois temas-objeto.

60 Procurámos seguir boas práticas para a elaboração de entrevistas (Foddy, 1996): a necessidade de informar a

audiência claramente sobre o tópico; procurar formular perguntas inteligíveis (contextualizando, evitando perguntas longas, negativas ou fazer mais do que uma pergunta de uma vez); evitar influenciar a interpretação em relação às perguntas feitas; e assegurar um balanço de opções. Este guião privilegiou perguntas abertas, mas incluiu uma pergunta fechada, sobre as lógicas de integração dos ODS, para tornar transparente o propósito do trabalho.

Como segunda técnica de investigação, fazemos a análise de conteúdo das entrevistas utilizando o software de análise de dados qualitativos NVivo61. Depois de transcritas, as entrevistas e as respostas por email dos interlocutores foram agregadas num documento único, por empresa, e importadas para o software com numeração aleatória (E1, E2, etc.).

Procedeu-se então ao trabalho de releitura de cada uma delas, procurando-se enquadrar excertos relevantes nas categorias e subcategorias previamente definidas na Parte II desta investigação:

• Lógicas subjacentes: racional ético, incluindo ainda expressões do utilitarismo, da teoria da justiça e do absolutismo deontológico kantiano; racional contextual; e racional económico.

• Níveis de integração dos ODS: o enfoque normativo, subdividido em gestão normativa externa e a gestão normativa interna; o enfoque estratégico, pela gestão da estratégia do negócio e gestão da estratégia da organização; e o enfoque operacional, mediante a gestão da inovação das operações e gestão da melhoria contínua das operações.

Outras variáveis empíricas emergiram dos discursos, tendo sido criadas categorias62 relativas à importância dos ODS para o setor privado em geral, às dificuldades sentidas e a propostas de mobilização de mais empresas para este projeto coletivo. Fez-se depois uma leitura dos nós de conteúdo, tentando cruzar-se elementos em linha com os objetivos da investigação, e foram examinadas expressões ou palavras que pudessem conter pistas de interpretação pertinentes, qualitativa e quantitativamente. Por fim, foram construídos dentro e fora do NVivo figuras e quadros para suportar o entendimento e a apresentação dos resultados obtidos nesta análise de conteúdo.

Como explica Laurence Bardin (2009: 9), a análise de conteúdo é “um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais subtis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a ‘discursos’ (conteúdos e continentes) extremamente diversificados”. Estas técnicas têm como fator comum “uma

61 Muito usada pela Escola de Chicago nos anos 40 para trazer significados escondidos à superfície, a análise de

conteúdo começou, a partir dos anos 60, a contar com o apoio de computadores para acelerar e dar mais rigor à codificação e categorização dos textos, minimizando dificuldades destes processos. Em 1991, Raymond Lee e Nigel Fielding cunham o termo CAQDAS (Computer Aided Qualitative Data Analysis Software) para softwares que suportam a análise de dados qualitativos. Estes softwares tornam o processo mais rápido e eficiente, podem ajudar no desenvolvimento de explicações e conexões e potenciam a transparência da análise, ao forçarem o investigador a ser mais explícito e reflexivo. Aumentam, porém, a tentação de quantificar os resultados e podem contribuir para a fragmentação dos materiais textuais, perda do fluxo narrativo e perda do contexto (Bryman, 2012: 591-592).

62 As categorias são rubricas ou classes “que reúnem um grupo de elementos (unidades de registo, no caso da

hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência”, num esforço de interpretação que oscila entre os pólos do “rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade” (Bardin, 2009: 9). A análise de conteúdo assume uma função heurística, que “enriquece a tentativa exploratória, aumenta a propensão à descoberta”, e uma função de “administração de prova”, indissociáveis (Bardin, 2009: 30). É preciso, todavia, ter presente que pode fragmentar a narrativa e dimensões de um fenómeno mais amplo, levar à perda de contexto e não fazer justiça ou contaminar o que é dito (Bryman, 2012). O investigador pode ainda perder-se na complexidade e imensidão dos dados.

Não existindo um “pronto-a-vestir” nesta matéria, e com regras base nem sempre fáceis de transpor, procurámos, como diretrizes, que as categorias e subcategorias fossem homogéneas, exaustivas, exclusivas, objetivas, adequadas ou pertinentes e adaptadas ao conteúdo e objetivo definido, mitigando algumas das dificuldades existentes nos processos de análise de conteúdo (Bardin, 2009: 31; 36).

Neste capítulo, vimos como a presente investigação é construída com base numa metodologia qualitativa, num modelo hipotético-dedutivo, e elaborámos as proposições 1 e 2, que iremos procurar confirmar ou infirmar.

Explorando o potencial do método e das técnicas de investigação eleitas, mas sem ignorar as suas limitações, apresentamos em seguida as conclusões da investigação realizada junto de quatro grandes empresas portuguesas, referenciadas na lista Forbes Global 2000 em 2017, a que juntámos ainda o banco estatal português.