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3. Análise do filme Deixados para trás

4.1. Exegese de 1 Tessalonicenses 4,13-18

4.2.7. Divisão da perícope

1ª Visão: a prisão de Satanás por mil anos (v. 1-3) 2ª Visão: o reino milenar de Cristo (v. 4)

3ª A explicação da segunda visão (v. 5-6)

A perícope é estruturada sobre as visões. O uso constante da conjunção aditiva, característico do relato de visões, promove uma somatória de ideias constituídas de verbos de ação dando vivacidade e dinamismo às cenas.

Na primeira visão os elementos de contraste são fortes: anjo-dragão, céu-abismo, preso-solto, mil anos-pouco tempo. Mas a mensagem importante é que o anjo vindo do céu aprisiona Satanás por mil anos. Alguns consideram que a prisão de Satanás é o evento mais importante dessa perícope. Charles140 R. Erdman atenta para o fato de que

muitos focalizam demais os mil anos, sem levar em conta que a prisão de Satanás e sua impossibilidade de agir é que favorece a ocorrência dos mil anos. A figura do dragão ,que aparece também em vários outros textos de Apocalipse, aqui recebe quatro nomeações, o que promove categoricamente sua identidade e parece não querer deixar dúvidas de quem se trata; e cinco verbos141 são usados para relatar a sua prisão, o que

reforça sobremodo o acontecimento de caráter dramático e restritivo. Só então acontece a segunda visão.

João vê, então, tronos e pessoas que se sentam sobre eles, as quais recebem autoridade para julgar. Prigent142 chama a atenção aos paralelos que ocorrem com os termos e imagens do capítulo 20 em relação ao livro todo, bem como com tradições veterotestamentárias. Quanto aos tronos do v. 4, Prigent143 afirma terem sido inspirados na tradição de Dn 7,9 do Ancião de Dias e do Filho do homem que julgam e reinam, e onde os santos recebem a realeza. Vasconcellos144 salienta que, embora não seja a primeira vez que João veja tronos no Apocalipse, é a única vez que ele vê muitos tronos, e dessa vez não ao redor do trono de Deus,; um paralelo interessante

140 ERDMAN, Charles R. Apocalipse de João. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1960, p.12. 141 Agarrou, amarrou, lançou, fechou, selou.

142 PRIGENT, Pierre. O Apocalipse. São Paulo: Loyola, 1993, p. 354-355. 143 Ibidem p. 365.

144 VASCONCELLOS, Pedro L. A vitória da vida: milênio e reinado em Apocalipse 20,1-10. Revista de

encontramos em Mt 19,28145. Contudo, tão importante quanto esses muitos que irão

julgar, é a identificação que o texto faz deles, isto é, eles são “os que foram degolados por causa do testemunho de Jesus e da Palavra de Deus, não adoraram a besta nem sua imagem e não receberam a marca na fronte e na mão”. São também “os que viveram e reinaram com Cristo os mil anos”. Parece estar ligada à tradição dos santos que julgam o mundo (cf. Mt 19,28; Lc 22,30; 1Cor 6,2). Porém, aqui parecem ser mais do que fiéis; afinal, são também mártires, pois levaram sua fé às últimas consequências, a ponto de serem degolados. Segundo Prigent, é importante notar que o verbo peleki,zw, empregado para especificar os mártires, significa decapitar com machado, suplício usado na Roma republicana, não porém na Roma imperial (que preferia a espada). Seria por influência do procedimento antigo que João usou tal termo, ou ele estava pensando nos grandes mártires do passado? Infelizmente, não há como afirmar peremptoriamente este particular. Somente es tá claro que foram mortos por sua fé. Prigent146 ainda suscita

a dúvida de se “as almas dos decapitados (no acusativo) seriam as mesmas dos que não adoraram a Besta etc.”, visto que está no nominativo, como se tratasse de sujeitos. Porém, não há necessariamente desarmonia no pensamento de João, e é preciso levar em conta os erros de construção gramaticais do grego do Apocalipse joanino; por isso, há que se conviver com essas dificuldades. Além do que, mesmo os que não foram degolados, mas não adoraram a Besta, nem sua imagem ou não receberam marcas na fronte e nas mãos (cf. 13,15-17) podem ser considerados dignos de morte pela decisão que tomaram. Destarte, as questões que surgem são do tipo: somente os mártires viveram e reinaram? E os cristãos que morreram de outras formas? Levando em conta o forte apelo de João no decorrer da obra à radicalidade da fé em Cristo, a vitória dos perseverantes e o julgamento parecem indicar que somente os que

foram degolados por causa do testemunho de Jesus e por causa da palavra de Deus e todos que não adoraram a besta nem a imagem dela e não receberam a marca sobre a fronte e sobre a mão deles

viveram e julgaram. Todavia, desde Cipriano147, em Ad Fortunatum 12, já se interpreta que aqueles que, pela fé firme e constante, foram conduzidos a se opor às pretensões

145 “Em verdade vos digo que vós, que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do Homem se assentar

no trono da sua glória, também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel” (Mt 19,28).

146 Ibidem, p. 366.

idólatras do império são incluídos na primeira ressurreição. Em outras palavras, a dificuldade interpretativa continua.

O v. 5 explica a situação dos que permanecem mortos, e no v. 6 o macarismo privilegia os que participam da primeira ressurreição, pois sobre eles a segunda morte não tem autoridade. Antes, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele. Conforme Ap 1,6, o tema do povo de Deus como reino sacerdotal parece seguir a tradição bíblica (cf. Ex 19,5, 1Pd 2,5.9). Desse modo, a explicação da visão esclarece ao menos que para João há duas ressurreições. A primeira, dos fiéis para o reino messiânico temporário, e uma segunda ressurreição, da qual somente participaram os que não reinaram os mil anos. Ainda juntamente com a ideia de duas ressurreições, também aparece a ideia de duas mortes148. A questão sobre quem são os mortos que não

ressuscitam também dependerá de como se interpreta a primeira ressurreição. Segundo Prigent149, os pais da Igreja de forma geral interpretavam que os fiéis que ressuscitaram

eram os justos notáveis, e os que não ressuscitaram, os justos menos notáveis, juntamente com o restante da humanidade150. Outros acreditam que a primeira

ressurreição é atual, espiritual, enquanto a segunda será corporal e geral; também aqui dependerá da forma literal ou simbólica que se queira seguir. Outros, cf. Vielhauer151, acreditam que seja a combinação de duas concepções judaica da ressurreição: uma mais antiga, sobre a ressurreição dos justos apenas, e outra mais recente, sobre a ressurreição geral dos mortos.

A segunda morte (v. 6) tem sua explicação no v. 14: trata-se da condenação eterna ao lago de fogo, que ocorrerá após a soltura e condenação de Satanás e principalmente após o julgamento do Grande Trono Branco. A segunda morte aparece como consequência do que estará escrito nos livros (das obras e da vida); portanto, entre os mortos estarão alguns que não serão condenados. Tal ideia parece confirmar a interpretação de que entre os que não ressuscitaram no v. 5 há “cristãos”, “salvos”, e portanto a primeira ressurreição é apenas e tão somente dos mártires.

148 A primeira morte obviamente seria a morte física, natural. 149 Ibidem, p. 367.

150 Tal interpretação parece estar de acordo com Ap 20,13: “E deu o mar os mortos que nele havia; e a

morte e o inferno deram os mortos que neles havia”, onde os locais de habitação dos mortos são mencionados.

151 VIELHAUER, Philip . Historia de la literatura cristiana primitiva, p. 522, apud VASCONCELLOS,

Pedro L. A vitória da vida: milênio e reinado em Apocalipse 20,1-10. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana 34. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 90.

4.3. Crítica exegética do arrebatamento: convergências e divergências