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A divisão política-estrutural da várzea: associações comunitárias, região de pesca

No documento Acordos de pesca (páginas 80-86)

2. CARACTERIZAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E ECONÔMICA DAS

2.2 A divisão política-estrutural da várzea: associações comunitárias, região de pesca

As comunidades são representadas politicamente por uma associação comunitária, que é administrada por uma diretoria eleita a cada dois ou três anos, cuja atuação é regulamentada por um estatuto. As associações comunitárias tiveram sua fundação no final da década de 90 e início dos anos 2000. Entre 1993 a 1997, as organizações formais estavam presentes somente em 10% das comunidades do baixo Amazonas. Nesse contexto, a maioria das comunidades era representada por uma liderança individual ou uma comissão, no caso, sem formalização jurídica (CASTRO, 2000).

O surgimento das associações foi motivado pela busca de controle de acesso aos recursos locais e de subsídios governamentais, a fim de garantir melhores condições principalmente para o desenvolvimento de suas atividades produtivas (CASTRO, 2000).

Atualmente, as associações comunitárias são as maiores responsáveis pela mediação dos acordos de pesca e do manejo do pirarucu. Em geral, uma associação possui a seguinte estrutura: presidente, vice-presidente, primeiro secretário, segundo secretário, primeiro tesoureiro, segundo tesoureiro e um conselho fiscal, composto de três conselheiros fiscais, e seus suplentes.

Dentre as comunidades que fazem parte deste estudo, somente a comunidade Salvação não tem associação comunitária. No entanto, existe a associação do PAE Salvação, criada no início do processo de regularização fundiária do PAE. Este é composto por moradores de mais duas comunidades, Vira Volta e Ilha do Carmo (Quadro 2). Não há uma representação jurídica exclusiva dos moradores da comunidade Salvação. Entretanto, existe um líder comunitário, cuja atuação é considerada ilegítima por alguns comunitários. Em conversas com os residentes, percebe-se que eles desejam criar uma organização que represente somente os anseios e demandas da comunidade Salvação.

Quadro 2 — Entidades representativas das comunidades de várzea da área de estudo. Santarém, 2020.

Comunidade Entidade Representativa Ano de criação

Água Preta Associação Comunitária de Água Preta – ACAP 1999

Pixuna do Tapará Associação Comunitária de Produtores e Pescadores de Pixuna do Tapará – ASCOPPPT

2001

Salvação - -

Santa Maria do Tapará Associação Comunitária de Santa Maria do Tapará – ASCOSAMTA

2003 Tapará Miri Associação dos Moradores de Tapará Miri – AMOTAM 2002 Urucurituba Associação Comunitária Mixta Agrícola e Pesca da

Comunidade Urucurituba

1998 Fonte: elaborado pela autora com base nos dados das associações comunitárias (2018).

A criação da associação dos moradores da comunidade Urucurituba, embora datada de 1998, ficou sem atividade por alguns anos. Verificou-se que o último presidente eleito pela associação manteve o cargo por vários anos até seu falecimento em março/18. Inicialmente, este assumiu como representante legal, mas em seguida continuou atuando mesmo sem reconhecimento jurídico, situação não contestada pelos comunitários. As assembleias não eram regulares e nem se registrava ata e/ou frequência das reuniões.

Com o falecimento do presidente da comunidade, os moradores do Urucurituba sentiram a necessidade de realizar uma eleição para a liderança da comunidade e concordaram na reativação da associação local. Os comunitários preocuparam-se com a celeridade deste processo tendo em vista a não paralisação das atividades de manejo dos recursos pesqueiros, sobretudo em torno do pirarucu. Em junho/18 foi discutido o processo de reestruturação da

associação e a eleição de nova diretoria em reunião comunitária. Em julho de 2018, a associação foi reativada e a nova diretoria empossada.

O presidente da associação comunitária é a principal figura política das comunidades, sendo responsável, juntamente com o restante da diretoria local, pela gestão, coordenação e reivindicação das diversas demandas: sociais, (educação e saúde), produtivas (pesca, agricultura e pecuária), entre outras. Por exemplo, o presidente é visto como aquele que deve reivindicar reformas necessárias à escola, convocar os moradores da comunidade para mutirões de limpeza e, eventualmente, para a construção de infraestrutura de interesse coletivo, como casa dos professores, postos de vigilância, entre outros. Além disso, o presidente é responsável pela condução das atividades de manejo pesqueiro, tais como, buscar parceiras com as entidades de assessoria técnica, liderar a fiscalização das normas locais, bem como encaminhar a aplicação das punições. Caso o presidente e a respectiva diretoria não apoiem a fiscalização e muito menos conduzam a aplicação das devidas sanções, as regras acabam tornando-se apenas teóricas e, portanto, bastante frágeis.

Em quase todas as comunidades, os presidentes da associação comunitária são do sexo masculino com média de idade de 53,2 anos, sendo que o mais jovem (39 anos) é da comunidade Pixuna do Tapará. Na comunidade Salvação a representação da associação do PAE Salvação é exercida por uma mulher de 35 anos.

Nas comunidades existem também as organizações de representação sindical, dos quais os principais são a Colônia de Pescadores e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Os pescadores são vinculados a Colônia de Pesca, cuja representação local ocorre por meio dos Núcleos de Base (NB) (CASTRO, 2000; O’DWYER, 2005). O NB possui, em geral, a seguinte estrutura administrativa: coordenação e secretaria. Nas comunidades estudadas, os NBs possuem entre 55 a 116 associados, dos quais a maioria é do público masculino.

O NB, apesar de congregar a categoria dos pescadores, na maioria dos casos, não é responsável por deliberar sobre os acordos de pesca locais. O NB é uma organização de caráter administrativo, lida com aspectos da documentação e registro dos pescadores, seguro-desemprego, aposentadoria, auxílio-doença, entre outros, o que também pode ser um reflexo da própria atuação das CPs. Isto também está relacionado ao fato que nem todos os pescadores de uma comunidade são sócios do núcleo. Portanto caso a discussão dos acordos fossem somente competência dos núcleos, parte dos comunitários que pescam ficariam excluídos e, provavelmente, não se sentiriam co-responsáveis pela gestão dos recursos pesqueiros locais, fragilizando a ação coletiva. As associações comunitárias, por outro lado,

incluem a maioria dos moradores locais, o que facilita a discussão dos acordos de pesca pela comunidade como um todo.

Em algumas comunidades, no entanto, o NB começou a assumir um papel mais ativo nas discussões sobre o manejo pesqueiro, compartilhando tal competência com a associação comunitária. Nas comunidades cuja atuação do núcleo é fraca em relação à gestão pesqueira, as lideranças da associação e os comunitários reclamam maior envolvimento daquele.

Argumenta-se que a atuação conjunta da associação comunitária e dos núcleos contribui para maior legitimidade do manejo pesqueiro, portanto, maior adesão dos comunitários. Na comunidade Santa Maria, por exemplo, o NB é responsável pela organização do sistema de vigilância dos lagos, o que envolve desde a distribuição dos pescadores em equipes de monitoramento a aplicação de punições.

A comunidade Urucurituba buscou apoio da Sapopema para mediar a convocação do NB local para o envolvimento deste no manejo pesqueiro local. Isto ocorreu, sobretudo, após a ‘descoberta’32 de um novo lago na área da comunidade, o lago do Triste, considerado pelos pescadores como ambiente com potencial para o manejo do pirarucu. Na concepção do líder comunitário a não participação do núcleo enfraqueceria a construção do acordo (e o próprio acordo, se construído, seria frágil) para a sustentabilidade da pesca na comunidade.

Como na comunidade Salvação não existe associação comunitária, o NB é a entidade local responsável pela organização do processo de gestão pesqueira. Portanto, além de uma atuação de ordem administrativa, o núcleo constitui a instância de tomada de decisão quanto ao manejo pesqueiro local. O coordenador (a) do NB é visto como principal responsável pela coordenação das atividades de manejo, o que inclui as etapas de fiscalização e aplicação de punições.

As associações comunitárias e os NB realizam assembleias mensais durante apenas um período (matutino ou vespertino). Em alguns casos, a reunião da associação comunitária é realizada juntamente com a reunião do núcleo. É cobrada uma taxa mensal aos associados, sendo que para a associação comunitária registrou-se o valor máximo de R$ 2,00. Para os associados do NB, registrou-se o valor máximo de R$ 10,00. Quanto à adimplência dos associados, as lideranças relataram que entre 50 a 70% dos associados mantem suas

32O lago do Triste já existia, mas a vegetação aquática cobria quase que inteiramente a superfície do lago.

Durante o período da pesquisa em campo, os moradores notaram o desaparecimento da vegetação (provavelmente, carregada pela correnteza) em parte da área do lago e perceberam a presença de pirarucus no lago.

mensalidades em dia. Eventualmente, quando possíveis benefícios sociais estão a caminho, os associados costumam quitar as dívidas com as entidades representativas.

O nível de participação nas reuniões é bastante variável. Em geral, é maior em períodos de tomada de decisões importantes, presença de novos atores externos e, no caso do NB, no período de assinatura do seguro-desemprego do pescador. Em relação à tomada de decisões importantes, os comunitários consideram que a principal é a definição do período de

‘abertura e fechamento dos lagos’, que significa o período de pesca, de acordo com as regras locais, e o período de suspensão total ou parcial da pesca em determinados lagos da comunidade, bem como a possível redefinição dos arreios permitidos à pesca. Devido à variação interanual na subida e descida do rio, os pescadores consideram necessário discutir o calendário de pesca nas áreas manejadas a cada ano.

Quanto à presença de atores de entidades não governamentais e/ou agências do governo, há aumento da frequência nas reuniões, principalmente por conta que a notícia da visita é, em geral, acompanhada de burburinhos em relação a possível implantação de projetos de interesse da comunidade. Quando se trata de atores externos já conhecidos, percebe-se que isso afeta muito pouco a presença dos comunitários nas reuniões. Em somente duas comunidades, registrou-se alguma sanção no caso de ausência por períodos prolongados às assembleias. No entanto, as lideranças relataram que as sanções apenas constam no estatuto, sendo dificilmente aplicadas.

Das reuniões da associação comunitária e de núcleo de base, nas quais a assessoria técnica da ONG Sapopema esteve presente, seja por demanda da comunidade, seja por interesse da própria ONG, entre os anos de 2014 a 2018, verificou-se que a média de frequência variou de 14,5 a 39,8 participantes (Tabela 2). Na comunidade Salvação, verificou-se que a asverificou-sessoria técnica não participou de reuniões promovidas pela comunidade, por exemplo, mas aquela realizou reuniões extraordinárias na comunidade, cuja frequência média foi igual a 15,2 participantes.

Tabela 2 — Número de reuniões comunitárias acompanhadas pela assessoria técnica e o percentual de participação dos associados nas comunidades estudadas entre 2014 e 2018. Santarém, 2020.

Comunidade N F A P*

Água Preta 02 14,5 95 15,3%

Pixuna do Tapará 15 33,3 90 37%

Salvação - - - -

Santa Maria do Tapará 10 35,2 112 31,4%

Tapará Miri 07 37,4 110 34%

Urucurituba 06 39,8 55 -

Legenda: (N) número de reuniões da associação comunitária/núcleo de base acompanhadas pela assessoria técnica, (F) frequência média de participantes, (A) número de associados da associação comunitária/núcleo

de base e (P) porcentagem de participação comunitária às reuniões em relação ao total de associados. (*) Para o cálculo do percentual de participação comunitária nas reuniões, utilizou-se a quantidade de associados à associação comunitária, pois congrega maior número de pessoas da comunidade; quanto inexistente ou inativa, utilizou-se a quantidade de associados ao núcleo de base.

Fonte: elaborada pela autora com base nos relatórios técnicos da Sapopema (2014, 2015, 2016, 2017, 2018) e dados das associações comunitárias/núcleo de base (2018).

Outra organização sindical presente nas comunidades ribeirinhas é o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que representa a categoria dos agricultores, porém com uma atuação mais tímida em relação à organização dos pescadores. Registrou-se a existência de sindicato rural somente na comunidade Santa Maria do Tapará, que segundo uma associada, não funciona ativamente na comunidade.

Os varzeiros são tanto pescadores, como agricultores, mas acabam optando por filiar-se à Colônia de Pesca em virtude da maior importância econômica da pesca para os ribeirinhos e, nos últimos anos, pela contribuição do seguro-defeso do pescador na renda familiar. Ao filiar-se a organização dos pescadores é garantido o reconhecimento jurídico enquanto pescador profissional, podendo pescar e vender sua produção. Algumas famílias costumam adotar a seguinte estratégia: os maridos filiam-se a Colônia de Pesca e as esposas aos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (O’DWYER, 2005), embora tenha crescido o número de mulheres associadas às Colônias de Pesca (CAMPOS et al., 2007), fragilizando ainda mais os Sindicatos de Trabalhadores Rurais na várzea.

Outra organização representativa são os Conselhos Regionais de Pesca-CRP e Associações dos PAEs (Tabela 3). Estes congregam as comunidades que compartilham um sistema de lagos. Os CRPs, inicialmente, criados no contexto dos movimentos dos acordos de pesca tinham atribuição de discutir as regras de pesca intercomunitárias e fortalecer a representação das comunidades quanto à gestão compartilhada dos recursos naturais. Com a criação dos PAEs que, em geral, englobaram as comunidades pertencentes ao mesmo CRP, estes passaram a assumir as demandas também referentes ao processo de regularização fundiária da várzea, como a organização do processo de elaboração e revisão dos PUs, gestão administrativa e operacional, como a construção das casas, projetos de eletrificação rural, entre outros (MCGRATH et al., 2008). Ultimamente, essas pautas passaram a ter mais destaque do que a própria discussão dos acordos de pesca. As assembleias do CRPs ocorrem a cada dois meses, reunindo as diretorias das associações comunitárias.

O’dwyer (2005) afirma que a partir do momento que os conflitos de pesca tornaram-se o principal problema social da várzea, a pesca tornou-se o “carro-chefe” das discussões quanto à sustentabilidade socioambiental do modo de vida de ribeirinho, resultando na criação

dos Conselhos Regionais de Pesca. Como a pesca é desenvolvida em um sistema integrado a outras atividades econômicas, os comunitários sentiram necessidade de incluir na pauta dos conselhos a discussão de regras relacionadas à agricultura, a pecuária, entre outras. Depois disso, no âmbito de criação dos PAEs, os CRPs assumiram também a discussão do processo de regularização fundiária, como já citado. Portanto, pode-se dizer que os conflitos de pesca foram o pontapé inicial para o processo de organização intercomunitária para a gestão do acesso e uso dos recursos locais.

Tabela 3 — Dados gerais sobre os Projetos de Assentamentos Agroextrativistas (PAE) onde estão inseridas as comunidades deste estudo

PAE Entidades representativas NC NF CF A

AMF (ha)

AC D (Km)

AT (ha) Aritaper

a

Conselho Regional de Pesca do Aritapera – COPERA (2002)

14 633 750 41,22 2006 33,10 30.918,8 1 Atumã Associação do PAE Atumã –

APAT (2008)

11 439 500 67,55 2006 26,47 33.778,9 1 Salvaçã

o

Associação do PAE Salvação – APASVI (2008)

03 129 130 158,49 2006 17,26 20.604,0 1 Tapará Conselho Regional de Pesca

do Tapará – CRPT (2002)

09 553 850 13,76 2006 26,75 11.700 Legenda: (NC) número de comunidades, (NF) número de famílias, (CFA) capacidade de famílias assentadas, (AMF) área média por família, considerando a capacidade do número de famílias por assentamento, (AC) ano de criação do assentamento, (D) menor distância do assentamento até a sede municipal e (AT) área total do assentamento.

Fonte: IPAM (2010).

Nas comunidades pesqueiras de Alenquer, diferentemente de Santarém, não existiam estruturas intercomunitárias de discussão dos acordos de pesca anterior à implantação do processo de regularização fundiária, em 2005-2006, na várzea do baixo Amazonas. O advento dos assentamentos agroextrativistas provocou a criação das associações dos PAEs de várzea, que tornaram-se o espaço de mediação para elaboração dos planos de uso de cada assentamento, isto é, a regulação das atividades desenvolvidas no âmbito dos PAEs, entre elas, a pesca. Portanto, a associação de cada PAE tornou-se responsável pela gestão do sistema de lagos compartilhado pelas comunidades integrantes do assentamento, possibilitando o surgimento de acordos de pesca intercomunitários na várzea de Alenquer.

No documento Acordos de pesca (páginas 80-86)