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Local de estudo

No documento Acordos de pesca (páginas 58-63)

1. INTRODUÇÃO

1.7 Metodologia

1.7.1 Local de estudo

O estudo foi conduzido em comunidades de várzea situadas na região do baixo Amazonas, que compreende ao trecho do rio Amazonas entre a fronteira dos estados do Pará e Amazonas até a foz do rio Xingu (MITRAUD; MCGRATH, 2013), cuja produção pesqueira é calculada em torno de 7% em relação à bacia amazônica (BARTHEM; GOULDING, 2007).

Às margens do baixo Amazonas situam-se treze municípios, que congregam 30396 pescadores associados a 11 colônias de pesca, dentre os quais os municípios de Santarém e Alenquer (SILVA et al., 2017). Santarém é o principal porto de desembarque da região e o terceiro principal da bacia amazônica, cuja produção desembarcada variou de 2,3 a 4,4 mil toneladas entre 1992 e 2004. Alenquer está entre a 13ª e 15ª posição no ranking de produção pesqueira (159 t a 247 t, entre 2001 a 2004) entre os municípios da bacia amazônica e entre a 04ª e 05ª posição entre os municípios do baixo Amazonas (ISAAC; RUFFINO, 2000; ISAAC;

SILVA; RUFFINO, 2004; RUFFINO, 2002; 2005; RUFFINO et al., 2006; THOMÉ-SOUZA et al. 2007).

O município de Santarém possui 8023 pescadores associados à Colônia de Pesca Z-20.

Possui, aproximadamente, 149 comunidades ribeirinhas que integram dez regiões pesqueiras, na qual quatro regiões são áreas totalmente de várzea (Arapixuna, Aritapera, Ituqui, Urucurituba), outras quatro regiões são áreas de várzea e terra firme (Cidade, Maicá, Tapará e Lago Grande do Curai) – na região do Tapará, apesar da área de terra firme, predomina o ambiente de várzea – por fim, outras duas regiões pesqueira são situadas às margens de rios de águas claras (Tapajós e Arapiuns). Em Alenquer existem 2200 pescadores filiados à Colônia de Pesca Z-28, que abrangem 42 comunidades ribeirinhas, englobando cinco regiões pesqueiras: Cidade, Curumu-Uruxi, Curicaca-Paracari, Cuipeua-Arariquara e Atumã, predominantes de várzea (CAMPOS et al., 2007; SILVA, 2017).

Especificamente, as comunidades de várzea deste estudo são as seguintes: Água Preta (região do Aritapera), Pixuna, Santa Maria do Tapará e Tapará-Miri (região do Tapará), localizadas em Santarém e; Urucurituba (região do Atumã) e Salvação (região do Curicaca-Paracari), situadas em Alenquer (Figura 2).

Figura 2 — Localização geográfica das comunidades alvos do estudo, situadas na região de várzea do baixo Amazonas, estado do Pará

Fonte: Sede Municipal, Hidrografia, Limites Municipais, Rodovias e Estradas; IBGE; Sapopema (2017).

A várzea corresponde às planícies laterais dos rios de águas brancas periodicamente inundadas devido à elevação do nível do rio durante parte do ano. A área total da várzea amazônica é calculada em torno de 300.000 km² (JUNK; BAYLEY; SPARKS, 1989; JUNK;

PIEDADE, 1997) e no baixo Amazonas cada margem lateral é coberta pela inundação numa extensão aproximada de 200 km, cobrindo uma área de 17 674 km² (RENÓ et al., 2011). Os rios de águas brancas, com destaque o rio Amazonas, carreiam alta taxa de sedimentos, sobretudo arenoso e argiloso, daí sua coloração “café com leite” e formam a maior rede hidrográfica de bacia sedimentar, a bacia amazônica. Os sedimentos são originários da Cordilheira Andina, onde se localiza a foz do rio Amazonas e seus tributários, de formação geológica recente, com presença de rochas sedimentares (JUNK; BAYLEY; SPARKS, 1989;

SIOLI, 1968).

Os sedimentos carreados dos Andes rio abaixo e depositados nas áreas marginais são uma rica fonte de nutrientes à biodiversidade aquática-terrestre – promovendo um ambiente de alta produtividade biológica (BARTHEM; FABRÉ, 2004). Por conta disso, a várzea destaca-se por elevada riqueza e abundância da fauna aquática (CASTELLO et al., 2013b), notadamente sua diversidade ictiológica (LÉVÊQUE et al., 2008), cujo potencial pesqueiro

foi calculado em torno de 900.000 t/ano (BARTHEM; FABRÉ, 2004; BAYLEY; PETRERE, 1989; CRAMPTON; CASTELLO; VIANA, 2004).

O pulso de inundação é regido pela diferença na distribuição das chuvas ao longo do ano, o que resulta no aumento e diminuição do nível dos rios, isto é, um ciclo anual de cheia e seca. O nível do rio, próximo à Santarém, atinge seu máximo entre os meses de maio e junho e diminui a partir de julho, atingindo seu nível mais baixo entre os meses de outubro/novembro; e a partir de dezembro começa a subir novamente. Nos últimos quatro anos (2014 a 2017), o menor nível do rio foi de 0,6 m em novembro/2015 e o maior nível do rio foi de 8,3 m em maio/2014, sendo que a maior diferença anual no nível do rio foi de 7,4 m, ocorrida no ano de 2015. Dentre as cotas máximas, a menor cota ocorreu no ano de 2016 que foi de 6,2 m (Figura 3) (ANA, 2019).

Considerando a série histórica do nível do rio, podem-se definir as seguintes fases:

enchente (janeiro a março), cheia (abril a junho), vazante (julho a setembro) e seca (outubro a dezembro), classificação semelhante foi adotada por Bentes et al. (2018) e Cruz, Isaac e Paes (2017) (Figura 3). Vale dizer que, embora o nível do rio começa a aumentar a partir de dezembro em alguns anos, este ainda fica bastante raso e, dificilmente, alcança os canais de várzea. Portanto, os comunitários também se referem ao período de outubro até dezembro como seca.

A precipitação média anual na região do baixo Amazonas é de 2035 mm (ALBUQUERQUE et al., 2010). O ciclo de chuvas é aproximadamente igual ao regime de inundação, podendo ser divididos em um período chuvoso (inverno amazônico), que dura mais ou menos cinco meses, e um período seco (verão amazônico), de mais ou menos sete meses. O período chuvoso inicia em dezembro e dura até o mês de abril/maio, sendo que no mês de março observam-se os maiores índices pluviométricos. No mês de junho o nível de precipitação cai drasticamente e os meses mais secos são agosto e setembro (Figura 3). Entre os anos de 2015 a 2017, a menor média anual de precipitação foi de 1465 mm em 2015 (INMET, 2019). Fatores ambientais, como El Niño, podem alterar a previsibilidade do regime de chuvas e descarga do rio oferecendo riscos às atividades produtivas e sobrevivência dos moradores de várzea (CASTRO; MCGRATH, 2001; PINAYA et al., 2016).

Figura 3 — Índice pluviométrico e nível do rio Amazonas próximo à Óbidos-PA. Santarém, 2020.

Fonte: elaborada pela autora com base nos dados da ANA (2019) e INMET (2019).

O padrão cíclico anual do nível do rio e de chuvas modifica a paisagem ao longo do ano, que pode ser dividida em duas fases: período dominado pela água (fase aquática) e o outro período pela terra (fase terrestre) (JUNK; BAILEY; SPARKS, 1989). Na fase aquática, a inundação atinge as florestas e contribui para o crescimento da vegetação flutuante, provendo um ambiente rico à alimentação dos peixes e de refúgio; época também que muitas espécies se reproduzem (COX-FERNANDES, 1997). À medida que o nível do rio baixa (fase terrestre), as espécies migratórias saem dos lagos e retornam à calha principal do rio, subindo o rio até que ocorra um novo ciclo de enchente e cheia, quando adentrarão novamente nos ambientes de várzea (BARTHEM; FABRÉ, 2004).

Portanto, ao longo do ano, os principais elementos da paisagem de várzea, rio, lago, restinga, campo, canais e floresta, ora estão isolados, ora formam um ambiente amplo e integrado devido aos processos de inundação, processo extremamente importante para diversos processos ecológicos (BARTHEM; FABRÉ, 2004; JUNK; BAYLEY; SPARKS, 1989). As populações humanas que historicamente habitam a várzea (CRAMPTON;

CASTELLO; VIANA, 2004; MCGRATH et al., 1993) tem um modo de vida adaptado às condições do ambiente (MORAN, 1990), combinando as diferentes unidades da paisagem da várzea com diferentes atividades produtivas (MCGRATH et al., 1993).

Os lagos são a principal unidade de paisagem do ambiente varzeiro, tendo grande importância para pesca de subsistência e comercial das famílias ribeirinhas. Eles são considerados como áreas de propriedade comum aos moradores da comunidade. Portanto,

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jan/16 fev/16 mar/16 abr/16 mai/16 jun/16 jul/16 ago/16 set/16 out/16 nov/16 dez/16 jan/17 fev/17 mar/17 abr/17 mai/17 jun/17 jul/17 ago/17 set/17 out/17 nov/17 dez/17 Nível do rio (m)

Precipitação (mm)

Precipitação Nível do rio

proíbe-se o acesso e uso dos recursos destes aos indivíduos externos. Os lagos, em geral, estão localizados no interior da comunidade, logo atrás dos terrenos de moradia dos ribeirinhos. Em frente aos terrenos, localizam-se os rios e/ou canais, os quais também são utilizados como áreas de pesca das famílias ribeirinhas, que são consideradas como áreas de livre acesso. Por isto, sem restrições de acesso a pescadores forasteiros (MCGRATH et al., 1993; 2008) (Figura 4).

As restingas são terrenos altos margeados pelos rios, canais e/ou lagos, na qual se constroem as moradias e desenvolve-se o plantio de roças e outros cultivos de ciclo curto.

Estas áreas são consideradas como propriedade privada, embora legalmente terrenos de marinha e várzea são de posse da União (BENATTI, 2005). Os campos naturais situam-se entre as restingas e os lagos e são utilizados como pastagem pelos criadores de animais, principalmente gado, mas também para a agricultura. Nos terrenos mais altos, adjacentes aos lagos, está a floresta de várzea (CASTRO; MCGRATH, 2001; MCGRATH et al., 1993) que detém diversas espécies de plantas cujos frutos servem de alimento aos peixes durante a alagação. A floresta alagada, chamada de igapó, também serve como refúgio contra predadores e de local de desova para algumas espécies (Figura 4).

Figura 4 — Representação da ecologia humana na várzea

Fonte: McGrath et al. (2008).

Portanto, a variação sazonal do regime do rio influencia na dinâmica e modo de vida dos grupos humanos que residem no ambiente de várzea e fatores de ordem social são determinantes no processo de ocupação das várzeas e na permanência da população (ALENCAR, 2005). Os que vivem na várzea são conhecidos por varjeiros e estão incluídos

também na categoria ribeirinho, que abrange os moradores das margens tanto da várzea quanto da terra firme. Trata-se de uma classificação que associa a identidade social ao ambiente, além de remeter a um modo de vida que é particular a cada um dos habitats (FURTADO, 1993; O’DWYER, 2005).

No documento Acordos de pesca (páginas 58-63)