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2. CIÊNCIA E DIVULGAÇÃO

2.2 Divulgação científica

A divulgação científica, em todo o mundo tem sido uma atividade bastante difundida, encontrando um aumento considerável principalmente nas últimas duas décadas (Padilha, 2001). No Brasil, a divulgação tem sido modesta mas com uma tradição bastante longa, segundo Hamburger (2002).

Na área de divulgação da ciência há uma diversidade de termos (como a difusão, a disseminação, a divulgação, a popularização, a vulgarização etc.) que é importante serem diferenciados. Os diferentes termos referem-se a diferentes tipos de público ao qual a atividade é dirigida, e contextos no qual a ciência é divulgada. Bueno (1985) caracteriza os termos difusão, disseminação e divulgação da ciência.

Segundo Bueno (1985) a difusão científica é uma categoria ampla, que abrange as outras duas. Ela se refere a todo processo ou recurso utilizado para veicular informações científicas ou tecnológicas. Quando esta veiculação dirige-se a especialistas recebe o nome de disseminação e quando é dirigida ao público em geral denomina-se divulgação científica.

O processo de disseminação científica “pressupõe a transferência de informações científicas e tecnológicas, transcritas em códigos especializados, a um público seleto, formado por especialistas” (Bueno, 1985, p. 1421). O contexto caracteriza-se por periódicos especializados e pelas reuniões científicas (seminários, congressos, colóquios). A divulgação, já tem como alvo o público em geral, pressupondo uma “transposição de uma linguagem especializada para uma linguagem não-especializada com o objetivo de tornar o conteúdo acessível a uma vasta audiência” (Bueno, 1985, p. 1421-1422).

Ao contexto da divulgação científica, vinculam-se os livros didáticos, revistas em quadrinhos especiais, documentários, programas especiais de rádio e televisão, jornalismo científico, centros e museus de ciência e etc. Além da divulgação impressa, também existe a rede de informações de acesso eletrônico Internet, que têm sido um instrumento potente de disseminação e de divulgação da ciência. Através dela, pode-se ter acesso a revistas, jornais e mesmo visitar museus “virtualmente”16. O campo da divulgação é onde se situa o

16 Por exemplo, estando-se no Brasil pode-se “visitar” através da Internet museus brasileiros como o Estação

ciência de São Paulo (http://www.eciencia.usp.br/)) e Museus de outros países como o Science Museum em

interesse desta pesquisa e por isso, há a necessidade de aprofundar-se nos aspectos envolvidos nesta forma de transposição do conhecimento científico.

Schiele (1983 apud Schiele & Boucher, 2002, p. 364) define que de maneira geral, a divulgação científica consiste “em difundir, junto ao público, detentor de um mínimo de cultura, os resultados da pesquisa científica e técnica e, mais freqüentemente, o conjunto das produções do pensamento científico, produzindo mensagens facilmente assimiláveis” Para Almeida (2002), o objetivo da divulgação científica é “mais esclarecer do que instruir minuciosamente sobre esse ou aquele ponto em particular” (...) “Ela se destina mais a preparar uma mentalidade coletiva, do que realmente a difundir conhecimentos isolados” (p. 69). Seu intuito é o de aproximar o leigo da ciência, para que este possa compreender “as vantagens que a cultura científica confere, pela precisão que empresta ao raciocínio e pelo respeito à verdade, além de outras qualidades morais que desenvolve” (Idem, p. 69). De maneira geral, ela vem sendo definida também como uma atividade que acontece fora do contexto escolar complementando o ensino formal (Schiele e Jacobi ,1989).

A divulgação, conhecida na França como Vulgarization Scientifique e nos Estados Unidos como Science Popularization, tem sido um tópico de muitas discussões sobre sua concepção, abrangência e possibilidades em tornar o conhecimento científico realmente acessível ao público (Bauer, 1994; Almeida, 2002; Moreira e Massarani, 2002). Neste sentido algumas reflexões devem ser salientadas.

Fourez (1995) ao discutir a divulgação científica articulando ciência e política, afirma que existem duas perspectivas na divulgação: uma que traz um estilo “vitrine”, que se propõe a mostrar ao público as “maravilhas” que os cientistas são capazes de produzir e uma outra que forneceria às pessoas um certo conhecimento que permitiria agir. Neste sentido, uma escolha por uma das duas não seria uma questão de “escolha científica”, mas de uma opção sóciopolítica. Segundo Fourez, somente a segunda perspectiva leva a uma “transmissão de poder social”, permitindo aos cidadãos “tomar decisões em relação á sua vida individual e a sua existência coletiva” (p. 223)

Schiele e Jacobi (1989), em uma abordagem sociológica, discutem o modelo de comunicação usado normalmente para a divulgação científica. Para os autores, o uso de

que divulgam informações utilizando-se dos “instrumentos de busca” como por exemplo o google (http:// www.google.com) digitando-se apenas uma palavra-chave relacionada ao assunto procurado.

uma linguagem especializada própria da comunidade científica mantém uma distância entre o cientista e o público. E mesmo a mídia, com o grande número de dispositivos que dispõe, ainda se encontra distante, pela própria característica dos comunicantes que nela trabalham (linguagem, interesses diferentes do publico em geral...). Desta forma, é necessário um novo paradigma de comunicação. Este paradigma refere-se ao paradigma do “terceiro homem”, à necessidade de haver um “divulgador da ciência” entre o cientista e o leigo.

Entre os cientistas, segundo Sapir (apud Schiele e Jacobi , 1989), não há problemas de entendimento da linguagem, pois a “verdade científica” não é afetada pelo idioma que a expressa. A forma “especializada” de expressão lingüística que os cientistas do mundo inteiro utilizam permitem a comunicação entre eles. No entanto, entre cientista e público há uma diferença de linguagem em outro nível, “intra-lingüisticamente”. Schiele e Jacobi (1989) acreditam que um “divulgador da ciência”, treinado com habilidades específicas, seria capaz de realizar esta tradução.

Schiele e Boucher (2000), em um estudo sobre as estratégias de comunicação em uma exposição científica argumentam que, embora seja possível uma tradução lingüística na divulgação da ciência, não existe uma “verdadeira popularização da ciência” em uma exposição científica. Segundo os autores, “a exposição e a mensagem vulgarizadora dificilmente instauram as condições de uma relação de apropriação dos conhecimentos. Ela contribui mais para uma reorganização das representações do que para uma real transformação do processo de integração cognitiva” (p. 377). Neste ponto, o alcance da divulgação científica poderia ser considerado limitado.

Ainda a respeito do alcance da divulgação científica, Fourez (1995) afirma que a possibilidade de “vulgarizar” os conhecimentos científicos depende da estrutura dos mesmos (se são mais simples ou muito complexos) e de sua aproximação com a vida cotidiana das pessoas. Conhecimentos muito complexos, exigiriam um conhecimento prévio por parte do público para a sua apreensão, o que dificulta a atividade de divulgação. E, conteúdos presentes em disciplinas científicas que utilizam conceitos básicos que são freqüentes na vida cotidiana (como a física com a eletricidade, a óptica, a física estática e dinâmica), facilitariam esta tarefa da divulgação.

Uma das características presentes na divulgação científica, e que alguns autores criticam (como Bauer, 1994; Moreira e Massarani, 2002), refere-se ao “modelo de déficit”

que está presente na concepção das atividades de “popularização da ciência”. Neste modelo há uma idéia de “despreparo” que pode vir tanto do emissor como do receptor da mensagem de divulgação, sendo que, geralmente, o despreparo, vem do público, ligado a características como falta de motivação para aprender, condicionamentos, rigidez, hábitos, limitações institucionais no trabalho ou na escola etc (Barbichon, 1973 apud Bauer, 1994). Conforme Hilgarter (1990, apud Bauer 1994, p. 238), esta noção pressupõe uma distinção entre “conhecimento científico genuíno” e sua “circulação popular”. Na circulação popular, ocorreriam graus de distorção, degradação e poluição do conhecimento científico.

Os estudos em Representações Sociais trazem uma outra visão da popularização da ciência a partir do conceito de “Resistência” (Bauer, 1994; Schiele e Bouchier, 2000). Segundo Bauer (1994, p. 252) as Representações Sociais funcionam como um “sistema cultural imunizador” onde “inovações simbólicas são ativamente neutralizadas através de sua ancoragem e formações tradicionais”. Com base na memória coletiva dos grupos, o indivíduo ancora as novas informações nas idéias já existentes trazendo o objeto não- familiar à familiaridade. Quando este processo é impedido por algum fator de resistência, as novas idéias podem ser rejeitadas ou mesmo ignoradas.

No processo de divulgação científica, o conceito de resistência leva em conta que o objeto científico se transforma ao longo do processo de divulgação. Nesta perspectiva, as diferenças entre as intenções do emissor e os efeitos da audiência nos processos de comunicação são vistas como “culturalmente significativas” e não “simples indicadoras de um manejo deficiente da comunicação” (Bauer, 1994, p. 252). Assim, a resistência passa a ser encarada como um fator de diversidade e criatividade a ser considerado e não, “superado”. Segundo Bauer (1994), resta ao divulgador uma atitude mais descompromissada, observando a audiência em uma atividade prazerosa e que estimula a diversidade.

Moreira e Massarani (2002, p. 63) ainda neste sentido, também acrescentam a necessidade de se levar em conta os aspectos culturais na divulgação. Segundo os autores, as atividades de divulgação têm se pautado em uma visão de que a população em geral é um “conjunto de analfabetos em ciência que deve receber o conteúdo redentor de um conhecimento descontextualizado e encapsulado”. Neste sentido, os aspectos culturais

importantes são geralmente desconsiderados, ignorando-se com freqüência as interfaces que existem entre ciência e cultura.

Nesta reflexão sobre as possibilidades de alcance da divulgação científica, Stockmayer (2002) aponta para a necessidade de uma perspectiva diferente a respeito do que é “aprendizado” nestes contextos. Atentar apenas ao aprendizado convencional dos conhecimentos em ciência leva a não se ver o quanto os visitantes de exposições científicas aprendem. Em uma pesquisa sobre a percepção de visitantes de exposições científicas, Stockmayer (2002) encontrou os seguintes resultados: a interação em uma exposição científica pode aumentar a curiosidade a respeito de um fenômeno, aguçar a imaginação, leva alguns visitantes a traçarem paralelos com suas experiências ou conhecimentos cotidianos e a apreciarem a experiência estética. Desta forma há aprendizados diversificados nestes contextos que de modo algum podem ser desconsiderados.