• Nenhum resultado encontrado

6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.4 Influência da exposição científica sobre as representações

Conforme foi colocado no capítulo teórico sobre a teoria das representações sociais, Abric (1998, 2003), em uma abordagem estrutural, propõe a existência de três tipos de transformações das representações sociais: resistente, progressiva e brutal. Segundo o autor, se um evento ou novas informações atacam somente os elementos periféricos, não ocorre modificação na representação. No entanto, se ocorre um ataque aos elementos centrais, as modificações que acontecem, dependem se o sujeito percebe a situação em que está envolvido como reversível (temporária ou uma exceção) ou como irreversível desencadeando mudanças significativas nas representações.

Segundo os resultados da questão de evocação livre nos tempos 2 e 3 do grupo experimental, pode-se considerar que não houve um questionamento direto do núcleo central da concepção de meio ambiente do grupo, ou das crenças mais arraigadas aí presentes. Analisando-se o primeiro quadrante (que possivelmente corresponde aos elementos presentes no núcleo central) da segunda mensuração, a maioria dos elementos refere-se ainda a elementos naturais e observa-se o surgimento de palavras ou idéias que estavam presentes na exposição. Na terceira mensuração, esta característica não se modifica, sendo que agora o primeiro quadrante é composto em sua maioria, por elementos presentes no primeiro quadrante da segunda mensuração. Nestas condições, pode-se afirmar que o meio ambiente é concebido, nas três mensurações, como um conjunto de elementos

naturais, a natureza propriamente dita.

Neste sentido, a entrada da palavra vida para o primeiro quadrante na mensuração imediatamente após a exposição, e sua manutenção na mensuração um mês após a exposição, não modifica a constituição do núcleo por completo, mas indica realçá-los como elementos vivos, relacionados à vida ou mesmo, em uma preocupação com a sobrevivência dos seres vivos (enfatizando um aspecto biológico ao pensar o meio ambiente). Desta forma, não há uma ruptura do núcleo central, mas uma integração de um novo elemento, o que indica estar havendo uma transformação progressiva da representação.

Analisando-se as respostas do grupo experimental às questões abertas, pôde-se observar a presença de contradições no conteúdo da questão sobre meio ambiente nos tempos 2 e 3. Estas contradições, em ambas as mensurações trazem, em verdade, visões dicotômicas relacionadas às concepções de meio ambiente Pode-se visualizar esta dicotomia nos exemplos a seguir: “Meio ambiente é tudo (todos os lugares). Mas quando se fala dele, é sempre utilizando a palavra preservá-lo e isso faz com que sempre lembremos de natureza.” (Sujeito 56, Sexo Feminino, Grupo Experimental, Tempo 2); “Meio ambiente é onde pessoas possam sobreviver, ter uma boa saúde. Só que isso as pessoas não percebem” (Sujeito 51, Sexo Feminino, Grupo Experimental, Tempo 2) e “Meio ambiente é um conjunto de aspectos interligados e harmônicos (deveria ser pelo menos)” (Sujeito 62, Sexo Feminino, Grupo Experimental, Tempo 3). Estas concepções trazem reflexões sobre formas diferentes de pensar e de se comportar em relação ao meio ambiente, indicando que o grupo reconhece a necessidade de uma mudança na concepção de meio ambiente socialmente compartilhada pelo grupo (presente no núcleo central). Neste sentido, parecem estar em um momento de transição em suas concepções para uma visão mais globalizante de meio ambiente, com preocupações relacionadas às crenças também presentes no Novo Paradigma Ambiental de Dunlap e cols (2000).

Nas respostas à questão aberta sobre a relação entre água e seres humanos, no grupo experimental nas mensurações 2 e 3, surgem também dicotomias. Nestas respostas, surgem questões relacionadas a uma contradição entre o que estes sujeitos pensam e as práticas sociais, o que pode ser visualizado nos exemplos a seguir: “... o homem precisa de água, mas ao mesmo tempo ele a destrói” (Sujeito 09, Sexo Masculino, Grupo

Experimental, Tempo 2) ou “Quando leio as palavras água e seres humanos penso que o homem não vive sem água, ele sabe disso, mas mesmo assim não economiza e um dia vai acabar” (Sujeito 86, Sexo Feminino, Grupo Experimental, Tempo 2). “... penso no desrespeito e o desinteresse em cuidar melhor dela, afinal de contas dependemos principalmente dela para viver, porque estamos fazendo isso?” (Sujeito 67, Sexo Feminino, Grupo Experimental, Tempo 2) e “... penso no desperdício, desperdício e desperdício. Falta de informação e conscientização do ser humano em relação ao problema da água. Muitos até tem informação, mas falta entender, cair a ficha mesmo de que está acabando” (Sujeito 56, Sexo Feminino, Grupo Experimental, Tempo 3). Neste sentido, nestas respostas pode-se visualizar também um reconhecimento dos aspectos contraditórios entre atitudes (na dimensão comportamental, como intenção em se comportar) e concepções da relação entre homem e elemento natural.

Com relação às atitudes, observou-se que houve uma mudança nas mesmas apenas no grupo experimental imediatamente após a exposição (tempo 2). Nesta mensuração, o grupo apresentou uma maior adesão a crenças presentes no NEP que representavam dimensões relacionadas à existência de limites para o desenvolvimento urbano-industrial e à possibilidade de uma crise ecológica. Desta forma, a exposição exerceu uma influência significativa nas atitudes pró NEP em um curto prazo de tempo, o que não ocorreu em um prazo maior de tempo (um mês após a exposição). Tal resultado aponta para a idéia de que estas crenças presentes no NEP ainda não estão bem “sedimentadas” no grupo, mas que ficam mais em evidência sob algum estímulo, como o da exposição, que instiga à reflexão.

Estes resultados ilustram a dinâmica existente nas representações sociais. Os indivíduos dentro dos grupos sociais estão em seu cotidiano criando e compartilhando “teorias do senso comum” acerca dos mais diversos objetos sociais (Moscovici, 1978). Esta atividade é realizada de forma criativa, com troca de experiências e teorias, interpretações e combinações de informações e com a elaboração de diversos comportamentos. Nas concepções dicotômicas presentes no conteúdo das questões abertas é possível observar um dinamismo entre as concepções comumente compartilhadas (a norma grupal, o que normalmente é pensado no grupo) e concepções mais polêmicas (o que novos paradigmas trazem de informações, novos valores e comportamentos), o que pode estar indicando um

momento de transição, onde estão ocorrendo mudanças de concepções dentro do grupo. Levando-se em conta os resultados encontrados no grupo experimental no tempo 2 e 3, é surpreendente que a participação em uma única exposição científica, sem atividades posteriores sobre o conteúdo da mesma com os participantes, possa contribuir para transformações na estrutura e conteúdo das representações, e nas dimensões atitudinais mensuradas; mesmo que em menor grau, um mês após a exposição. A exposição parece ter contribuído, ainda que de forma momentânea e pontual, para exacerbar as contradições existentes nas representações dentro do grupo, estimulando assim a reflexão a respeito da forma como o grupo tem concebido o meio ambiente, e como tem interagido com os diversos elementos naturais e com o próprio homem.