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3.1 DA POSSIBILIDADE

3.1.2 Do atingimento de finalidade

Para que o inquérito policial atinja sua finalidade, com a devida observância do contraditório, é necessário tecer comentários sobre a função do Ministério Público.

Para Cintra, Grinover e Dinamarco (2009), o Ministério Público é, na sociedade moderna, a instituição destinada à preservação dos valores fundamentais do Estado enquanto comunidade.

A Constituição Federal, em seu art. 127, o define como “[...] instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da

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ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (BRASIL, 1988).

Tais valores recebem a atenção dos membros do parquet, seja quando se encarregam da persecução penal, deduzindo em juízo a pretensão punitiva do Estado e postulando a repressão ao crime (pois este é um atentado aos valores fundamentais da sociedade), seja quando no juízo civil os curadores se ocupam da defesa de certas instituições, certos bens e valores fundamentais ou de certas pessoas (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2009).

Conforme ministram Cintra, Grinover e Dinamarco (2009, p. 228):

É que o Estado social de direito se caracteriza fundamentalmente pela proteção ao fraco (fraqueza que vem de diversas circunstâncias, como a idade, estado intelectual, inexperiência, pobreza, impossibilidade de agir ou compreender) e aos direitos e situações de abrangência comunitária e portanto transindividual, de difícil preservação por iniciativa dos particulares. O Estado contemporâneo assume por missão garantir ao homem, como categoria universal e eterna, a preservação de sua condição humana, mediante o acesso aos bens necessários a uma existência digna – e um dos organismos de que dispõe para realizar essa função é o Ministério Público, tradicionalmente apontado como instituição de proteção aos fracos e que hoje desponta como agente estatal predisposto à tutela de bens e interesses coletivos ou difusos.

Segundo Bonfim (apud GOMES; RIBEIRO; CRUZ, 2007, p. 357-358):

[...] há consenso doutrinário e jurisprudencial de que a finalidade do inquérito policial é tão somente possibilitar a reunião, de elementos de prova que reforcem e fundamentem as suspeitas acerca da prática de delito de natureza penal, sendo um procedimento preparatório para eventual ajuizamento da ação penal. Além disso, esse procedimento preliminar na apuração de crimes serve também como ‘filtragem’ do sistema penal, ao prevenir a movimentação do Poder Judiciário para o processamento de fatos não esclarecidos ou de autoria ainda desconhecida.

Quando se fala em apurar a autoria quer dizer que a autoridade policial (Delegado de Polícia e seus agentes) deve encontra o verdadeiro autor do fato criminoso, haja vista que não é possível promover a ação penal competente, sendo desconhecido quem o praticou, ou seja, não poderá o órgão do Ministério Público, ou o ofendido – caso o crime seja de alçada privada –, dar início ao processo por meio da denúncia ou queixa, pois o artigo 41 do Código de Processo Penal exige como um dos requisitos para o seu oferecimento, a qualificação do réu, ou, pelo menos, elementos pelos quais se possa identificá-lo, sob pena da denúncia ou queixa ser rejeitada por inépcia formal. (TOURINHO FILHO, 2004).

 

Assim, como peça de informação, o inquérito policial inicia a persecução penal, sendo o conjunto de informações que, sem se vincular a um rito preestabelecido, apresenta uma seqüência cuja única preocupação é a apuração da infração ocorrida e a determinação da respectiva autoria (SALLES JÚNIOR, apud GOMES; RIBEIRO; CRUZ, 2007).

O artigo 5º, LV, da Constituição Federal, prescreve que “aos litigantes no processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral serão assegurados os princípios do contraditório e da ampla defesa” (BRASIL, 1988).

Entretanto, não se pode dizer que o processo administrativo aí compreenda o inquérito, pois, de acordo com Mello (2002), processo administrativo é uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo. Ademais, o artigo se refere aos acusados em geral e, segundo maioria na doutrina, não podendo aplicá-lo ao indiciado, à medida em que não há nessa fase investigativa uma acusação propriamente dita.

Se o inquérito é sigiloso e não possui contraditório, afirma-se a sua natureza inquisitiva, tendo em vista o fato de as investigações e diligências serem comandadas pela autoridade policial com certa discricionariedade, não havendo um rito pré-estabelecido para elaboração ou andamento das suas investigações. Não há acusação nem defesa. A autoridade policial, por meio de seus agentes, é que procede a pesquisa dos indícios necessários à propositura da ação penal. (SALLES JR., apud GOMES, RIBEIRO e CRUZ, 2007, p. 360).

Classificar o inquérito como procedimento administrativo, entretanto, não significa dizer que não devam ser resguardados ao longo do seu curso, os direitos fundamentais do investigado, devendo a autoridade policial, o magistrado e o Ministério Público zelar para que a investigação seja conduzida de forma a evitar afrontas ao direito do acusado, como é, por exemplo, o direito à liberdade, pois a polícia não pode, sem autorização judicial, prender quem quer que seja, a não ser em flagrante delito.

É notório que o inquérito policial, enquanto modelo administrativo e inquisitorial, alberga inúmero e graves problemas.

Apesar disso, Lopes Júnior (2006, p. 112), ao discorrer sobre o contraditório e o direito de defesa no inquérito policial, diz:

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[...] buscando sempre a máxima eficácia do art. 5º., LV, da CB, bem como a necessária conformidade do CPP a ela, parece-nos inafastáveis a incidência do contraditório e o direito de defesa no inquérito policial. A postura do legislador constitucional no art. 5º., LV, foi claramente garantidora, e a confusão terminológica (falar em processo administrativo quando deveria ser procedimento) não pode servir de obstáculo para sua aplicação no inquérito policial.Tampouco pode ser alegado o fato de que a Constituição menciona acusados e não indiciados é um impedimento para sua aplicação na investigação preliminar. Sucede que a expressão empregada não foi só acusados, mas sim acusados em geral, devendo nela ser compreendida também o indiciamento, pois não deixa de ser uma imputação em sentido amplo. Em outras palavras, é inegável que o indiciamento representa uma acusação em sentido amplo, pois decorre de uma imputação determinada. Por isso o legislador empregou acusados em geral, para abranger um leque de situações, com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal (vinculada ao exercício da ação penal) e com um claro intuito de proteger também ao indiciado.”

No mesmo sentido, Tucci (1993, pp. 25) afirma que,

[...] de modo também induvidoso, reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, estendendo sua incidência, expressamente, aos procedimentos administrativos [...] ora assim sendo, se o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento, nele se encarta, à evidência, a noção de qualquer procedimento administrativo, consequentemente, a de procedimento administrativo-persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal, que é o inquérito policial”.

Silveira (2011) cita alguns doutrinadores, como Fredie Didier, Rogério Tucci, Aury Lopes Júnior e outros que defendem a teoria da processualização, qual seja, na defesa da aplicação do princípio do devido processo legal aos procedimentos investigativos.

Isto significa aplicar os princípios do contraditório e da ampla defesa aos procedimentos preliminares.

Assim, tem-se o inquérito policial como procedimento administrativo que visa ofertar subsídios ao titular da ação penal para o oferecimento de denúncia ou, não havendo indícios de autoria e materialidade, o seu arquivamento.

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