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3.1 DA POSSIBILIDADE

3.1.1 No inquérito policial

A ausência do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial é doutrinária e jurisprudencialmente aceita. Por isso, afetado está o valor probatório da investigação policial, embora o tenha, mas tão-somente de valor relativo, por exatamente, ter seus elementos colhidos na ausência da garantias constitucionais em estudo, e como complementa Capez (2009), de um juiz de direito.

Assim sendo, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:

[...] para que seja respeitado integralmente o princípio do contraditório, a prova obtida na fase policial terá, para ser aceita, de ser confirmada em juízo, sob pena de sob pena de sua desconsideração. Tal significa que, acaso não tipificada na fase judicial, a solução será absolver- se o acusado (BRASIL, 1998).

Por ser desprovido do contraditório, o inquérito policial, peça informativa dos elementos necessários para a propositura da ação penal, não justifica por si só decisão condenatória, devendo, pois, no decorrer do processo-crime, serem colhidos elementos que a justifiquem sob pena de ferir o art. 5º, LV da CF/88.

Aqui, buscando exaurir o tema proposto, torna-se necessário analisar a questão da garantia do contraditório e as provas irrepetíveis a se realizarem no inquérito policial.

Acerca do tema já se manifestou o STF, da seguinte forma:

O dogma deriva do princípio constitucional do contraditório de que a força dos elementos informativos colhidos no inquérito policial se esgota

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com a formulação da denúncia tem exceções inafastáveis nas provas - a começar pelo exame de corpo de delito, quando efêmero o seu objeto, que, produzidas no curso do inquérito, são irrepetíveis na instrução do processo, porque assim verdadeiramente definitivas, a produção de tais provas, no inquérito policial há de observar com vigor as formalidades legais tendentes a emprestar-lhe maior segurança sob pena de completa desqualificação de mera idoneidade probatória (BRASIL, 1997).

Demonstra-se, então, segundo Aguiar (2000), que, apesar de ausente no inquérito policial as garantias do contraditório e da ampla defesa – que informam todo o processo penal –, é imperioso que, durante a investigação policial, sejam observadas algumas formalidades legais que, se ausentes, são capazes de contaminar todo o ato, sob pena de saneamento ou desconsideração judicial, a exemplo da nota de culpa e da produção de provas quando irrepetíveis.

Através da Lei nº 10.792/03 (BRASIL, 2003) foram adicionadas ao ordenamento jurídico substanciais mudanças, no que tange ao regime jurídico do interrogatório judicial do acusado, as quais deverão ser aplicadas, também, em sede de inquérito policial, por força determinante do disposto do art. 6º, inciso V, do Código de Processo Penal.

Esta nova legislação impõe a presença do advogado, constituído ou nomeado, para o indiciamento do investigado, especialmente quando preso em flagrante delito.

A atuação do advogado nesta fase, no entendimento de Ribeiro (2010) é nada menos que o reconhecimento do contraditório neste procedimento administrativo, tendo em vista que fora assegurado ao indiciado, conhecimento das provas produzidas na investigação preliminar, o direito de contrariá-las, arrolar testemunhas, bem como o direito de não ser indiciado com base em provas ilícitas. A presença deste contraditório, no indiciamento, não desnatura o êxito das investigações, como pensam alguns, muito pelo contrário, abaliza e dar maior legitimidade às conclusões da investigação. A adoção deste princípio remete a esta fase processual outra natureza, não de mera peça informativa, mas de valor de prova na instrução.

Isso tem por finalidade potencializar e inserir definitivamente a prevalência dos direitos fundamentais dentro do ordenamento vigente, afirmando-se a justiça dentro do Estado democrático de direito, assegurando o direito a dignidade da pessoa humana.

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É de conhecimento comum, que cerca de noventa por cento, das ações penais em cursos são precedidas de investigação criminal, repetindo-se praticamente todas as provas obtidas no inquérito policial, com exceção dos exames periciais, entres outros irrepetíveis na ação penal. Pode-se assim, concluir, que o inquérito só é informativo nas nuances doutrinárias, uma vez que na prática é ele, de fato, a alma da ação penal.

Diante disso, a doutrina brasileira, tem divergido a respeito da aplicabilidade dos princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, com predominância das posturas que refutam tal possibilidade.

No que diz respeito a ampla defesa, esta é perfeitamente exercitável no inquérito policial. Além de logicamente com ele compatível, tem sua aplicação no inquérito indicada pelos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal. O seu exercício, nesta fase, contudo, não tem o caráter obrigatório, estando diante de mera faculdade, colocada ao alcance do indivíduo envolvido, podendo ou não ser por este exercida.

A atuação defensiva, ao logo do inquérito policial, inclui um amplo espectro de possibilidades, que vai muito além das medidas normalmente apresentadas pela doutrina (em especial, pedido de fiança, liberdade provisória, relaxamento de flagrante). A plenitude da ação defensiva ao longo deste não compromete a eficiência da persecução penal, além do que serve à importantíssima proteção aos direitos fundamenteis do homem.

Diversamente, entretanto, grande parte da doutrina não cede espaço ao contraditório nesta fase preliminar da persecução criminal.

Barbosa (1993) e Tucci (1993), não aceitando tal pensamento, entende, em dissertação de mestrado na Universidade Presbiteriana Mackenzie intitulada “Garantias Constitucionais de Direito Penal de Processo Penal na Constituição de 1988”, que o texto constitucional quando menciona as expressões “acusado” e “processo administrativo”, engloba toda pessoa e situação passível de restrição de direitos individuais. Para estes, o contraditório seria aplicado aos “acusados em geral”, o qual engloba o indiciado, que é considerado um tipo de acusado.

A esse respeito Tucci (1993, p. 86) descreve, ainda, que:

[...] à evidência que se deverá conceder ao ser humano enredado numa persecutio criminis todas as possibilidades de efetivação de ampla defesa, de sorte que ela se concretize em sua plenitude, com a participação

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ativa, e marcada pela contrariedade, em todos os atos do respectivo procedimento, desde a fase pré-processual da investigação criminal, até o final do processo de conhecimento, ou da execução, seja absolutória ou condenatória a sentença proferida naquele.

Deste modo, para este professor, a defesa ampla e o contraditório devem estar presentes em todo e qualquer tipo de acusação, mesmo que não formal.

Na verdade, certas peculiaridades desautorizam o ponto de vista dos que acham que o inquérito tem caráter meramente informativo. Tal argumento não tem nenhum sentido quando se trata de prisão em flagrante, de decretação de custódia preventiva e prisão temporária. É que, para examinar a legalidade destas, o juiz terá que se valer de prova pré-constituída, sendo certo que na colheita das mesmas, deverá a autoridade policial garantir o princípio do contraditório, com efetiva intervenção de advogado, a quem se deverá, obrigatoriamente, ser propiciado a oportunidade para contraditar testemunhas e fazer reperguntas. Isso porque, a prisão afeta o status libertatis do indivíduo, que não pode ocorrer sem o devido processo legal.

Por conseguinte, se os elementos oferecidos ao juiz com vistas ao constitucional exame da legalidade não tiver sido objeto do contraditório, é óbvio que o magistrado não poderá, validamente, proferir uma decisão pela constrição da liberdade, porquanto o referido princípio, como dito, tem cabimento mesmo em atos do inquérito policial, que é espécie de procedimento administrativo.

Neste sentido, a observação de Barbosa (1993, p. 83), ao informar que:

Não parece correto entender que a expressão "processo administrativo" esteja colocada na Constituição em sentido estrito, porque, com a alusão a "acusados em geral", tem-se por conseqüência a abrangência de todas as situações coativas, ainda que legais, a que se submetem os cidadãos diante de autoridades administrativas

A prisão de uma pessoa impõe a restrição a um dos princípios constitucionais fundamentais que é o direito à liberdade. Sendo assim, deve ser resguardado de todas as cautelas, ensejando-lhe amplo direito de defesa, mesmo estando diante da fase inquisitorial, com a garantia do contraditório.

Infelizmente, a inobservância deste princípio tem ocorrido com relativa frequência, tanto que, sobre o assunto, assim destacou Slaibi Filho (1990, p. 21):

Tal dispositivo tem sido, simplesmente, ignorado na prática pretoriana, o que representa grave violação dos direitos fundamentais e

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permite a manutenção de um processo diretivo e autoritário, o que só serve para denegrir a imagem da magistratura.

A jurisprudência ainda segue no sentido da não aplicação do contraditório no inquérito policial. Apesar disso, é de fundamental importância dar destaque a importante decisão que foge a esta regra, oriunda do Tribunal Regional Federal da 2ª Região no MS 8790-5/1989, tendo como relator o juiz Arnaldo Lima, onde se afirma que cabe a aplicação do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, uma vez que este é espécie de processo administrativo.

A presença do contraditório, no indiciamento, segundo Ribeiro (2010) não desnatura o êxito das investigações. Pelo contrário, abaliza e dar maior legitimidade às conclusões da investigação.

De outra parte, a Súmula Vinculante 14 (STF, 2009), sinaliza para a materialização do contraditório nos inquéritos policiais, ao estabelecer que o advogado deve ter amplo acesso aos elementos de prova, impondo a referida súmula uma modificação de interpretação quanto ao alcance de prerrogativas constitucionais com relação aos inquéritos policiais (RIBEIRO, 2010).

Assim, tais medidas visam a prestigiar e evidenciar a amplitude dos direitos e garantias fundamentais no bojo do ordenamento pátrio. A utilização deste principio em sede de inquérito policial afirma a diretriz hermenêutica do principio da pessoa humana dentro do Estado Democrático de Direito, assegurando o direito a dignidade da pessoa humana.

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