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Do dever de motivar as decisões

2 A PRISÃO

2.3 Princípios Constitucionais

2.3.3 Do dever de motivar as decisões

Historicamente, as Ordenações Filipinas foram transmigradas para o Brasil e permaneceram em vigor por força do Decreto de 20 de outubro de 1823.

O livro lll, Título LXVI, parágrafo 7º, primeira parte, das mencionadas Ordenações previa que:

[...] todos os nossos desembargadores e quaisquer outros julgadores, ora sejam letrados, ora não sejam, declarem especificamente em suas sentenças definitivas, assim na primeira instância, como no caso de apelação, ou agravo ou revista, as causas, em que se fundaram a condenar, ou absolver, ou confirmar ou revogar.

Posteriormente, nossa legislação previu, por meio do artigo 232, do Regulamento nº 737, de 25 de novembro de 1850, que “a sentença deve ser clara,

sumariando o juiz o pedido e a contestação com os fundamentos respectivos, motivando com precisão o seu julgado, e declarando sob sua responsabilidade a lei, uso ou estilo em que se funda”.

Na fase Republicana do Estado brasileiro, a Constituição de 1891 inaugurou o sistema de dualidade processual, conferindo a divisão de competência legislativa sobre a matéria processual, entre os Estados e a União. Assim, os Estados que detinham competência para legislar sobre processo civil e criminal, fizeram constar em seus estatutos processuais o dever de motivação das decisões judiciais, a exemplo do Código de Processo Civil do Maranhão (artigo 322), do Código de Processo Civil da Bahia (artigo 308), bem como do Código de Minas Gerais (artigo 382) e o de São Paulo (artigo 333).

Com efeito, a Constituição brasileira de 1937 restabeleceu a unidade legislativa em matéria processual, passando a prever, por meio dos artigos 118 e 280, do Código de Processo Civil de 1939, o Princípio da Justificação das Decisões Judiciais:

Artigo 118. O juiz indicará na sentença ou despacho os fatos e as circunstâncias que motivaram o seu convencimento.

Artigo 280. A sentença, que deverá ser clara e precisa, conterá: II – Os fundamentos de fato e de direito.

Parágrafo único. O relatório mencionará o nome das partes, o pedido e o resumo dos respectivos fundamentos.

No Código de Processo Civil vigente, a regra de motivar as decisões se impõe em variados dispositivos, dentre eles o artigo 131, o qual prevê que “o juiz apreciará

livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formam o convencimento”.

Com efeito, é:

[...] mediante a motivação que o magistrado pronunciante de ato decisório mostra como apreendeu os fatos e interpretou a lei que sobre eles incide, propiciando, com a indispensável clareza, lógica e precisão, a perfeita compreensão da abordagem de todos os pontos questionados e, consequente e precipuamente, a conclusão atingida.27

Em outras palavras, é somente por meio da motivação que pode-se constatar as razões de fato e de direito que embasaram determinada decisão. Nesse sentido, é possível afirmar que a motivação dos atos decisórios assegura o cumprimento de várias outras garantias, tais como a imparcialidade do órgão julgador, o contraditório, a vedação das provas ilícitas, a ampla defesa, entre outros.28

27TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 189.

28

Nesse sentido, importa destacar que “a motivação judicial não elimina as „pré-compreensões‟ ou os „pré-juízos‟ inerentes a todos os seres humanos – e, portanto, também aos juízes ‒, porque ela somente ocorre após a relação „juiz/fato‟ já ter se estabelecido. A motivação não pode evitar algo que a precede. O juiz não motiva sua sentença para (re)conhecer os fatos, motiva para convencer as partes (diretamente), os órgãos judiciários superiores e a sociedade (de modo indireto) da racionalidade de suas escolhas axiológicas por ele empreendidas para decidir. A motivação, portanto, não elimina „pré-juízos‟ mas, como o julgador sabe que ao final deverá motivar sua decisão e, portanto, irá se expor, ela funciona (ou deveria funcionar) como impeditivo à utilização de razões de decidir legítimas” (MORAES, Maurício Zanóide. Presunção de inocência no processo penal brasileiro – análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lúmen Júris 2010. p. 479.).

Igualmente, não há que se contestar que a motivação viabiliza a melhor apreciação das decisões pelas instâncias ad quem. Assim, pode-se afirmar que tal garantia se presta a:

[...] no campo da hierarquia funcional, no exercício da jurisdição, permitir o controle crítico do decidido, delimitando o conteúdo da vontade de seu pronunciante, e, conseqüentemente, dos limites objetivos do julgado, e propiciada ao órgão recursal rigorosa análise, tanto no aspecto formal, como no material, do pronunciamento recorrido.29

A importância do princípio ora estudo é tamanha que o legislador constituinte de 1988 consagrou, expressamente, a obrigação de fundamentar as decisões por meio dos artigos 5º, LXI, e 93, IX, da Constituição Federal:

Artigo 5º, LXI – ninguém será preso, senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judicial.

Artigo 93, IX – “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar sua sentença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” e assim segue, com idêntica sabedoria “as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e, em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros”.

Aliás, não poderia ser diversa a postura adotada pelo legislador, tendo em vista a necessidade de se respeitarem os pilares norteadores e definidores do Estado Democrático de Direito, especialmente, no que se refere à garantia de liberdade do indivíduo, bem jurídico que necessita de manifesta salvaguarda.

Desta feita, não se ouse duvidar da imprescindibilidade da fundamentação das decisões, não somente pelos nefastos efeitos que a sua não aplicabilidade acarreta na defesa do acusado, mas, também, pela sua importância como forma de efetivar os demais princípios consagrados pela Constituição Federal.