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Princípios da Presunção de Inocência e In Dubio Pro Libertatis

6 AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS QUE SE INSEREM COMO

6.4 Princípios da Presunção de Inocência e In Dubio Pro Libertatis

Para que se cogite a aplicação do princípio da presunção de inocência ao tema ora estudado, mister esclarecer que as prisões cautelares não podem ser confundidas com a punição propriamente dita.86

Nesse sentido,

[...] as medidas cautelares têm em comum as seguintes características ou, como preferem outros, elementos: a) são medidas judiciais uma vez que, mesmo nas hipóteses de flagrante delito, logo são submetidas ao crivo do magistrado; b) são medidas instrumentais, ou seja, são adotadas em função do processo, para assegurar o seu processamento, julgamento e eficácia da sentença proferida; e c) são medidas provisórias, isto é, só podem subsistir enquanto subsistam os motivos que a determinam.87

Desta feita, o juízo acerca da possibilidade da decretação da prisão cautelar não se confunde com o julgamento da culpabilidade do acusado. Nesse sentido, esclarece-se que

[...] a verificação acerca da seriedade dos indícios de autoria não se confunde, efetivamente, com eventual prejulgamento, mesmo porque a prisão provisória não será nunca decretada com base nessa constatação, mas, sim, com fundamento em sua necessidade cautelar de seus requisitos. Tal verificação afigura-se, antes de tudo, como uma verdadeira exigência do direito à presunção de inocência, uma vez que vem a tutelar a liberdade dos cidadãos.88

86Nesse sentido, João Mendes de Almeida Júnior, ao discorrer sobre a prisão no curso do processo,

salienta que “a prisão, antes do julgamento, não é ainda a pena do delito; ainda não está legalmente verificado que o preso seja um delinquente, ou que, sendo delinquente, seja culpado” (O processo criminal brasileiro. Rio de Janeiro-RJ: Freitas Bastos, 1959. p. 87).

87DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração.

Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 82 (grifo nosso).

Assim, à luz dos autores supracitados, se o acusado só pode ser considerado culpado após a sentença condenatória transitada em julgado, a prisão cautelar não pode configurar simples antecipação de pena, somente se justificando quando comprovada a sua cautelaridade, proporcionalidade e excepcionalidade.

Nesse sentido, reitera-se que não basta que o magistrado aponte a existência dos requisitos e pressupostos presentes no artigo 312, do Código de Processo Penal, devendo, ao contrário, justificar com fatos colhidos ao longo da instrução criminal a efetiva necessidade de adoção de referida medida cautelar, sob pena de violação do princípio ora em comento.89

Em suma, pode-se deduzir que qualquer prisão provisória deve ter natureza cautelar e não pode resultar de prejulgamento acerca da culpa do acusado, cabendo ao juiz ou ao Tribunal justificá-la com base em fatos concretos, sob pena de inaceitável ofensa ao princípio da presunção de inocência.

Outro aspecto da aplicação de referida garantia diz respeito à efetivação do princípio in dubio pro reo – que, em matéria de prisões cautelares, passa a ser melhor denominado de in dubio pro libertatis. Nesse sentido, esclarece-se que

[...] a presunção de inocência desempenha um papel crucial no caso das medidas de coação destinadas a limitar o direito de liberdade do cidadão porquanto, em sua complementaridade e interdependência com outras normas constitucionais, projeta uma escolha axiológica pelo favor libertatis (liberdade) e pelo favor dignitatis (dignidade da pessoa humana).90

Isso significa que, não atingindo, a autoridade judicial, o nível de certeza necessário para a decretação da medida cautelar, deve-se pugnar pela liberdade do acusado.

89

Nesse sentido, “a privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada ou mantida em situações de absoluta necessidade. A prisão cautelar, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o artigo 312 do Código de Processo Penal (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu” (STF, HC 93.056, Rel. Min. Celso de Mello, j. 16.12.2008).

90MORAES, Maurício Zanóide. Presunção de inocência no processo penal brasileiro

– Análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010. p. 378.

Desta feita, restando dúvida acerca da existência do crime ou dos indícios suficientes de autoria, a prisão cautelar revela-se ilegal e inconstitucional, não podendo ser decretada ou mantida.

Essa afirmação é constatada, inclusive, no conteúdo da Recomendação nº 5, do XXV Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, ocorrido em abril de 1992, em Toledo, na Espanha: “a presunção de inocência proíbe a aplicação e a

manutenção da prisão preventiva, sempre que não existam indícios sérios no sentido da responsabilidade penal do arguido”.91

Consoante salientado, não se exige, em matéria de prisão provisória, a mesma certeza que deve ser alcançada para que se determine a condenação do acusado, o que não significa, entretanto, que o juiz ou Tribunal devam buscar, em atenção ao disposto no próprio artigo 312, do Código de Processo Penal, indícios suficientes de autoria.92

Assim, em consonância com o arrazoado acima, meras suposições ou presunções não são adequadas para justificar a efetivação da prisão cautelar.

É nesse sentido que nossos Tribunais têm se manifestado:

[...] meras suspeitas não podem ser havidas como indícios suficientes de autoria a justificar a necessidade da prisão cautelar. Para tanto, devem os indícios convencer o juiz da probabilidade da prática do crime, e não de mera possibilidade.93

Diante disso, deve-se encontrar um perfeito equilíbrio entre a necessidade de se encontrarem indícios sérios e suficientes da autoria de um fato em tese criminosa e a proibição de transmutar a determinação da prisão cautelar em julgamento de mérito, sob pena de se ferir o princípio da presunção de inocência.94

91RECOMENDAÇÃO Nº 5, XXV Congresso da Associação Internacional de Direito Penal. Revista

Portuguesa de Ciência Criminal, Aequitas, Lisboa, Ano 2, n. 4, p. 654, out./dez. 1992.

92 A propósito da necessidade de existirem indícios suficientes de autoria, Eduardo Espíndola Filho

salienta que a autoria deve ser “determinada por indícios sérios, apontados ao paciente, sem probabilidade de erro” (Código de Processo Penal Anotado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. p. 398).

93STF, RHC 64.240, RTJ 123/925. 94

Nesse sentido, ensina Rogério Lauria Tucci que: “somente com relação à prisão provisória tipicamente cautelar, é que, por não ocorrer apriorística consideração de culpa do indiciado ou acusado, nenhuma afronta sofrerá o preceito constitucional” (TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 406).