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4 ANÁLISE DO ARTIGO 5º, INCISO LVII, DA CONSTITUIÇÃO

4.4 O Estado de Inocência

Atualmente, a garantia constitucional define um estado de inocência, isto é, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Como status já não remanesce a incompatibilidade com as medidas coativas do processo penal incidentes sobre o acusado e objetos (prisão provisória, exame de sanidade mental, busca e apreensão, sequestro, etc.).

É de se anotar, aliás, que a própria Constituição cogita da custódia cautelar (artigo 50, incisos LXI e LXVI), cabendo à lei infraconstitucional ditar os requisitos delineadores da necessidade e conveniência da medida.

Afirme-se que a consagração do princípio da inocência não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões cautelares, que continuam sendo pacificamente reconhecidas pela jurisprudência de todos os tribunais.

A presunção de inocência é parte vital da democracia em que, por princípio, todos são iguais perante a lei. Assim sendo, é justo que todos sejam nivelados pelo lado mais positivo, o da inocência.

Não deve haver precipitação no momento de decidir o futuro do agente, pois, como ser humano, é passível de erros e pode praticar um crime.

Ressalte-se, por oportuno, que é inconteste o entendimento quanto ao caráter cautelar da prisão preventiva e sua natureza instrumental. Nesse sentido a jurisprudência é pacífica: “A prisão cautelar tem função exclusivamente instrumental, não pode se converter em forma antecipada de punição penal”.62

Deduz-se que a prisão processual só é legítima quando atende aos princípios básicos e fundamentais de uma vida em sociedade, tais como a preservação da integridade física dos indivíduos, a igualdade entre as pessoas, como meio para combater injustiças, etc.

Há que se admitir que a prisão preventiva constitui-se em uma medida de exceção, podendo somente ser aceitável em casos em que denotem, com a maior robustez de certezas, a sua necessidade.

Assunto de relevância se consubstancia acerca da inconstitucionalidade da execução provisória da pena privativa de liberdade por violação ao princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade, tratando o Supremo Tribunal Federal, até o presente momento, da questão da seguinte maneira:

- apresenta decisões contrárias e outras favoráveis à execução provisória da pena privativa da liberdade;

- admite a concessão de certo benefício de execução penal, qual seja, a progressão de regime de cumprimento de pena menos severa ao preso (provisoriamente), independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Trazemos à colação decisões recentes do Supremo Tribunal Federal que agasalham a tese ora levantada62:

A) O Supremo Tribunal Federal reafirma que é inconstitucional a execução antecipada da pena

A 1ª turma do Supremo Tribunal Federal concedeu, na sessão de 06 de abril de 2010, habeas corpus nº 97.318 a dois condenados por fazerem parte de uma quadrilha especializada em evasão de divisas. No entendimento dos Ministros, os dois deverão permanecer em liberdade enquanto recorrem da sentença, pois há entendimento pacífico desta Corte que a prisão provisória não pode servir como execução antecipada da pena.

O Ministro Ricardo Lewandowski é o relator do caso e concedeu a liminar por entender que essa matéria é absolutamente vencida e superada na Suprema Corte. Citou a decisão do Ministro Gilmar Mendes, segundo a qual a decretação de prisão antes do trânsito em julgado é inconstitucional.

B) HC – 102.098 – Medida Cautelar no Habeas Corpus nº 148.988

Cuida-se de habeas corpus impetrado pelo ex-Ministro Márcio Thomaz Bastos em favor de Roger Abdelmassih contra a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, consistente em, por maioria de votos, denegarem o writ lá impetrado sob o nº 148.988/SP.

Cabe transcrever, nesse tópico, as ponderações do Desembargador Marco Antônio Marques da Silva, em voto vencido externado no julgamento do habeas

corpus, impetrado perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Não resta dúvida de que os delitos imputados, em tese, ao paciente são graves, hediondos, e teriam vitimado grande número de mulheres ao longo de vários anos. Entretanto, a prisão provisória não pode ser pautada em único elemento, sendo necessária a verificação e, sobremaneira, a demonstração de imprescindibilidade. A prisão cautelar é medida excepcional, que se apóia em fatos concretos, com fundamentos claros e robustos, jamais em hipóteses ou possibilidades não demonstradas nos autos.

Tal aspecto foi, também, identificado pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em seu voto vencido manifestado no julgamento do habeas corpus cuja denegação, por maioria, é aqui questionada:

Aproveito a oportunidade deste julgamento para relembrar que a constrição cautelar antecipada é sempre medida de todo excepcional, sendo inaceitável que a gravidade do crime imputado à pessoa seja suficiente para justificar a sua segregação, antes da decisão condenatória penal transitar em julgado, em face do princípio da presunção da inocência.

Nesse sentido, transcrevemos o trecho da ementa do HC nº 74.66/RS, da relatoria do Ministro Celso de Melo:

A prisão cautelar da liberdade individual deve revestir-se de caráter excepcional ‒ somente deve ser decretada em situações de absoluta necessidade [...] A prisão preventiva para legitimar-se em face do sistema jurídico, impõe, além da satisfação dos pressupostos a que se refere o artigo 312 do Código de Processo Penal (prova da existência do crime e indícios suficientes da autoria) ‒ que se evidenciem, – com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade da adoção, pelo Estado, dessa extraordinária medida cautelar de privação do indiciado ou réu. Precedentes.63

Infere-se, portanto, que podemos constatar que se determinou uma mudança ideológica no Supremo Tribunal Federal no início dos anos 2000.

A partir de 2003, o colegiado dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal sofreu sete substituições e o fato de quase todos serem liberais levou a uma tese que passasse a prevalecer nas decisões do Supremo Tribunal Federal: o princípio da presunção de inocência.

Assinale-se, no tempo da supremacia conservadora do Supremo Tribunal Federal, admitia-se que uma condenação em segunda instância era suficiente para que o réu ficasse preso.

Hoje o quadro delineado é outro, pois, tendo o acusado bons antecedentes e processar inúmeros recursos na Justiça, poderá ficar solto até a decisão final do Supremo Tribunal Federal.

Esclareça-se que o princípio que sustenta a liberdade dos criminosos condenados até o trânsito em julgado definitivo da sentença condenatória norteia as constituições mais modernas ‒ ele existe para garantir que o réu não cumpra uma pena injustamente.

Considerando-se e sendo o processo penal de cada país um índice de aferição do seu nível de democracia e de civilização, a decisão do Supremo Tribunal

Federal, ora comentada, marcou um ponto favorável ao Brasil neste importante

ranking. Prisão antes do trânsito em julgado somente quando absolutamente

necessária.

O Supremo Tribunal Federal tem garantido ao condenado, ainda em sede cautelar, o direito de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos interpostos, mesmo que destituídos de eficácia suspensiva.64