• Nenhum resultado encontrado

3 À IMPOSIÇÃO AOS TERRITÓRIOS.

FOTO 2 Paisagem da Zona da Mata pernambucana (2)

3.3 DO ECONOMICÍDIO À ECONOMIA SOLIDÁRIA EM AGROECOLOGIA

A construção do chamado Novo Mundo passou pela destruição de mundos pré- existentes à chegada dos colonizadores. A diferente matriz de racionalidade, uma forma diferente de concepção da vida, ao se impor aos novos territórios, buscou sobrepor suas próprias lógicas às lógicas que considerava inferiores, às lógicas que não considerava de seu próprio interesse. Isso porque este homem branco ocidental colonizador enxerga sua matriz de racionalidade em um sentido calculista da vida. Ou pelo menos este é o pensamento que vai de certa forma ser mais institucionalizado na sociedade ocidental, ou seja, vai ser produzida uma conceituação científica para afirmá-lo. Segundo Temple (1998), isso vai acontecer pouco menos de um século depois da invasão europeia das Américas, especialmente a partir das ideias do inglês Thomas Hobbes (1588-1679). Assim,

(...) desde Hobbes um único princípio era imaginado como motor da economia: o interesse. Hobbes afirmou que os primeiros homens, dotados da natureza de uma razão calculista, consideravam mais vantajoso ou saquear o jardim alheio do que cultivar um, ou que fosse necessário defende-lo por um ataque preventivo. A guerra

de todos contra todos teria, no entanto, sido superada quando a razão mostra a

vantagem do contrato e da troca. Uma tese tão pobre só se explica se for admitida a concepção que Hobbes tem sobre a razão humana, a mais reducionista que se possa conceber: a capacidade de calcular em interesse próprio (...). (TEMPLE, 1998, tradução livre)

Mesmo que ainda não tendo sido conceituadaéa partir desta racionalidade de que o ser humano por natureza é este ser vivo que em tudo calcula a favor de seu próprio interesse que, como expresso anteriormente, os colonizadores e os povos originários possuíam diferentes compreensões sobre o escamboque realizavam. É também a partir desta lógica, e do sentimento de superioridade enquanto supostos donos das terras invadidas, legitimados por si mesmos, que vão buscar instaurar os seus interesses. A suposta reciprocidade realizada na troca dos presentes era vista como construção de uma humanidade, de laços em comum, pelos povos originários, oriundos de comunidades de reciprocidade, e por uma relação de interesse pelos colonizadores ocidentais, carros chefes na construção de uma sociedade capitalista global.

Para os ocidentais, o presente serve a desarmar o adversário, a colocá-lo em confiança para que a confrontação passe da violência à concorrência pacífica, mas o verdadeiro motor é seu interesse (...). Essa filosofia parece oposta à das comunidades de reciprocidade onde a centralidade seria de criar, como dizem os Kanak, uma única fala, quer dizer uma compreensão mútua, um só teto, quer dizer um sentimento de humanidade compartilhado por todos. Os valores espirituais são o bem comum que uns e outros têm em vista quando eles renunciam a seu interesse próprio a fim de levar em conta o do outro. Compreende-se, desde então, que duas motivações podem concorrer ou se enfrentar quanto à motivação da produção. Uma pode ser dita: se, para ser, é preciso dar, para dar, é preciso produzir. A outra: se, para ter, é preciso trocar, para trocar, é preciso produzir. (TEMPLE, 1998, tradução livre)

Se a primeira colocação afirmaria uma comunidade de reciprocidade, a segunda claramente é de uma lógica de mercado. Os colonizadores reformularam o sentido próprio da reciprocidade por enxergá-la sob a ótica de mercado. Ocuparam as mentes com a colonização de um sentido único para a razão humana que seja “definida de maneira mais instrumental,

que ela seja ainda mais mutilada de toda sensibilidade ao simbólico, e que a consciência afetiva seja ainda mais desqualificada, o sentimento de humanidade, reduzido ao do interesse privado.” (TEMPLE, 1998, tradução livre). Como exemplo contrário desta compreensão que

deforma a noção de reciprocidade, mostrando que outras economias podem funcionar por outros meios, existe o caso dos jovens casais em Ruanda onde, quando se casam, as famílias vizinhas atuam em mutirão para construir seu novo lar. Lá o termo umuhana traduz esta ajuda mútua generalizada significando uma comunhão à humanidade, e não a busca por um interesse próprio (TEMPLE, 1998).

Dominique Temple definiu como quiproquohistoriquea

Ilusão das comunidades de reciprocidade quando elas tomam os colonos que viam desembarcar como homens vindos de sociedades de uma mesma natureza (...). Ninguém poderia imaginar, de fato, nas comunidades de reciprocidade, que os europeus não respeitavam os princípios fundamentais da economia humana, ninguém imaginava a priori que eles tinham escolhido basear seu poder no princípio do interesse e da troca. Se eles acumulam é pra doar, imaginavam, e se eles trocam é pra adaptar a redistribuição a favor dos que recebiam a doação... Enquanto permanece a ilusão, e ela pode permanecer por muito tempo já que ela ainda acontece, os dois mecanismos de base dos dois sistemas econômicos antagonistas juntam suas forças para transferir para um só lado toda a riqueza material. (TEMPLE, 1998, tradução livre)

Então os dois lados antagônicos acabampor contribuir, objetivando ou não, a um mesmo fator: a acumulação material dos colonizadores. Impondo-se, estes últimos vão buscar que se construa e prevaleça, nestas novas terras conquistadas, a sua lógica. A partir desta racionalidade praticam o economicídio que representa, segundo Dominique Temple (1998, tradução livre),

A destruição das estruturas de produção do sistema de reciprocidade em favor das estruturas de produção do sistema de livre comércio, pois não são apenas os fundamentos da cultura e da ética que estão em jogo, mas os da economia da comunidade.

Este economicídio, então, acontece não em função de uma crença pelos colonizadores de que com ele os povos originários teriam uma vida melhor. Acontece para instalar a base daquilo que foi discutido nos tópicos anteriores, a construção de um capitalismo global tendo a Europa como seu centro. Instalar as estruturas de produção para um sistema de livre comércio é necessário para construir nas terras colonizadas um tipo de economia consistente com o círculo econômico de Portugal, gerando as estruturas necessárias para a centralidade da coroa e a dependência da colônia. Esta destruição dos sistemas econômicos de reciprocidade, como não poderia deixar de ser, não afeta apenas questões produtivas e de comercialização. Não afeta apenas “questões de mercado”. Pensar isso já é fruto de uma visão distorcida do que é economia, construída no centro do capitalismo.

Vem do grego a construção desta palavra que tanto diz sobre a vida. Economia seria a junção de oikos (casa) e nomos (gerir, administrar), apontando esta ciência como a da gestão da casa, compreendida em um sentido amplo. No entanto, hoje, a economia é concebida como a ciência que visa economizar recursos escassos, novamente com aquela concepção reducionista da razão humana a um sentido puramente calculista sobre tomadas de decisão. A partir desta lógica econômica se concebe os bens naturais como recursos, como mercadorias, a partir de uma mercantilização da natureza. Estes recursos, como pressuposto desta racionalidade econômica, seriam escassos frente a uma ideia de necessidades infinitas do ser humano. A economia, então, seria a ciência responsável por compreender como o humano, a partir de sua suposta razão calculista, toma decisões para gerir estes ditos recursos escassos, “como se fosse próprio da ação e da conduta humana proceder sempre a partir de

um “cálculo utilitário de conseqüências”, segundo a expressão de Guerreiro Ramos (1989).”

(FRANÇA FILHO, 2007, p.158).

Se economia é algo tão amplo quanto gerir o lar, podendo este ser visto como a casa, a cidade, a comunidade, o país, o planeta, então sua funcionalidade será algo de influência sobre a vida de forma geral. Se a gestão deste lar, em sentido amplo, é tida em função de maximizar com caráter utilitarista o uso dos recursos naturais, tal racionalidade se instaurará sobre a sociedade. A competitividade se alastra, junto com o individualismo, ou ainda a inconsequência sobre a sustentabilidade das ações produtivas e comerciais. A lógica de funcionamento de uma economia se entranha na sociedade. Se ela não é permeada de razões sociais, sustentáveis, justas, solidárias, então sua sociedade também não o será. É por

isso que se faz necessário compreender que a economia não deve ter esse sentido único construído no seio do sistema capitalista como hegemônico. É neste sentido que

A definição substantiva, por outro lado, especialmente em seu sentido polanyiano, compreende a economia como “um processo institucionalizado de interação entre o homem e a natureza que permite um aprovisionamento regular de meios materiais para satisfação de necessidades” (Caillé, 2003, p.221). Este sentido substantivo relaciona-se com a concepção aristotélica de economia e com a própria etimologia da palavra, remetendo à noção de ciência da boa gestão da casa (oikós) ou das condições materiais de existência. (FRANÇA FILHO, 2007, p.158)

Para isso deve a economia funcionar. Para garantir a possibilidade da nossa existência, da existência da vida. As necessidades ditas infinitas pela ótica econômica dominante se atrelam justamente a uma forma de se pensar a economia, de se pensar o consumo, de se pensar a própria natureza humana.Oterritório, articulado em rede, tem potencial para satisfazer as necessidades de quem nele habita. É olhando para e a partir dele que a economia deve funcionar, na perspectiva da diversidade plural dos povos e dos territórios. É nele que a economia estará entranhada e se entranhará, sendo influente sobre a vida. É por isso que muitos consideram, e eu também, que a economia deva ser permeada não apenas por racionalidades calculistas e de puro interesse próprio. Esta matriz de racionalidade está dentro do pensamento daqueles que trabalham por uma economia solidária.

Como elementos nucleadores, que seriam, pelo menos em princípio, transversais às distintas visões sobre a Economia Solidária, merecem destaque: (i) a valorização do trabalho, do saber e da criatividade dos seres humanos, afirmando sua supremacia em relação ao capital; (ii) a identificação do trabalho associado e da propriedade associativa dos meios de produção como elementos fundamentais na construção de formas renovadas de organização econômica, baseadas na democracia, na solidariedade e na cooperação; (iii) a gestão democrática dos empreendimentos pelos próprios trabalhadores (autogestão); (iv) a construção de redes de colaboração solidária como forma de integração entre os diferentes empreendimentos. (SCHMITT; TYGEL, 2009, p.108, grifo meu)

Por mais que se possa pontuar elementos nucleadores, como bem o fizeram Cláudia Schmitt e Daniel Tygel na citação anterior, a economia solidária é um conceito polissêmico. Não se pode conceituar em um sentido direto o que é a economia solidária na sociedade. A concepção que está neste trabalho contempla tanto práticas antigas quanto mais novas na história da humanidade. Práticas milenares de vários tipos, práticas relativas a

sistemas econômicos de reciprocidade, devastados pelos colonizadores com o economicídio,

mas também práticas reinventadas. No entanto, no mundo aconteceu um movimento pela economia solidária que não é milenar. Um movimento por uma maior institucionalização de práticas com este viés econômico, buscando inclusive a construção de redes. No Brasil, foi nos anos 1990 que se iniciou este movimento.

Essa outra economia configura um imenso campo que possui uma grande diversidade. As práticas se encontravam dispersas e fragmentadas. A partir do momento em que o conceito “economia solidária” se consolidou, na última década, constitui-se num aglutinador de todo um campo de atividades, possibilitando articulá-las com outras experiências em torno dum amplo movimento social. No Brasil, um fruto do movimento da economia solidária é o surgimento da Secretaria Nacional da Economia Solidária (Senaes), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego. (LISBOA, 2005, p.109)

A SENAES, criada em 2003, foi uma resposta a esta crescente demanda pela institucionalização dessa economia que se propõe a promover e fortalecerasolidariedade, mas foi extinta pelo governo Michel Temer,reduzida a uma subsecretaria.Vinha dela a diretriz de se pensar políticas públicas que favoreçam e fortaleçam experiências dentro desta categoria, e seu debate. Este, no seio de umasociedade ocidental, passa peloquestionamento da definição de economia, entendida como fenômeno que nãopossuiapenasum caráter de mercado. Em contrapartida,“(...)trata-se de um conjunto de atividades que simultaneamente articulam tanto a luta política quanto a geração de renda (...)” (LISBOA, 2005, p.114),com o pensamento de que “se não houver uma transformação pessoal, cultural, uma ruptura com o espírito do capitalismo, não haverá substrato para uma outra racionalidade econômica senão a capitalista.” (LISBOA, 2005, p.114). Apresentarei com a conclusão da sistematização de experiência realizada com a ASSIM que ofatorda transformação pessoal, cultural, a necessidade da ruptura, é influente sobre a associação.

Segundo o professor Genauto Carvalho de França Filho (2007), Karl Polanyi (2000) defende que nas mais diversas economias existem 4 princípios do comportamento econômico: o mercado autorregulado, a redistribuição, a reciprocidade e a domesticidade. O problema com o capitalismo seria a dominância do princípio do mercado autorregulado, que acaba comandando, ou por vezes mesmo fazendo desaparecer, os demais. A economia solidária não seria então a negação do mercado, se este for compreendido como lugar de troca. A economia solidária seria a elaboração das práticas econômicas na sociedade em que se observa equilíbrio entre os princípios.

Algumas dessas manifestações são bastante visíveis nos meios populares, conforme revela a prática mais conhecida sob o título de mutirão. O mutirão é uma forma de auto-organização popular, comunitária, coletiva e solidária, para a concretização de projetos ou para a resolução de problemaspúblicos concretos vividos pelas pessoas no seu cotidiano. Ele consiste em associar o conjunto dos moradores de uma comunidade na realização dos seus próprios projetos coletivos como, por exemplo, a construção de equipamentos públicos ou de próprias casas. Trata-se, efetivamente, da implantação de atividades que são completamente indissociáveis da vida social do bairro. O final de um dia de trabalho em mutirão costuma sempre terminar numa grande festa coletiva popular, marcada, em geral, pela feijoada.Percebe-se, nestas práticas, a força da dimensão não monetária. (FRANÇA FILHO, 2007, p.167)

A economia solidária compreende estas práticas como econômicas, mesmo não sendo construídas no sentido de se economizar recursosescassos, com uma racionalidade que objetive apenas o interesse próprio. O mutirão é uma estrutura econômica por ser um momento de ação coletiva que visa um aprovisionamento regular de meios materiais para satisfazer necessidades. As pessoas não participam dele calculando o que ganharão em troca. Participam muito mais por relações de solidariedade anteriormente construídas. A prática mencionada anteriormente sobre a construção do lar para os jovens casais em Ruanda é uma prática econômica daquela sociedade, é uma forma daquele povo gerir suas necessidades em articulação com seu território. Quando uma família se divide nas tarefas de casa para garantir suas necessidades materiais pode também ser uma prática de economia solidária, pensando que no seio do lar acontece uma série de atividades visando garantir meios materiais para a sobrevivência da família. Os quilombos também, as aldeias dos povos originários, certas comunidades, a história humana é repleta de economias de reciprocidades e solidariedades6.

Entre as práticas mais institucionalizadas, vindas da onda de um movimento por uma economia solidária mais recente, se fala muito nas incubadoras tecnológicas de empreendimentos solidários, nas entidades de fomento destas práticas, nos gestores públicos, nas redes de catadores e recicladores, nas feiras agroecológicas, em empresas recuperadas por autogestão dos trabalhadores, nas redes de comércio justo, nos congressos de economia solidária, nas experiências de finanças solidárias (como o banco Palmas), em clubes de troca, grupos de consumo,e nas mais conhecidas que são as cooperativas e as associações.

Como teoria social, o associativismo é baseado em dois postulados: por um lado, a defesa de uma economia de mercado7 baseada nos princípios não capitalistas de cooperação e mutualidade e, por outro, a crítica ao Estado centralizado e a preferência por formas de organização política pluralistas e federalistas que deram um papel central à sociedade civil (HIRST, 1994: 15). Como prática econômica, o associativismo inspira-se nos valores de autonomia, democracia participativa, igualdade, equidade e solidariedade. (PELEGRINI; SHIKI; SHIKI, 2015, p. 78)

No Brasil, ascooperativas e associações proliferaramno meio rural principalmente a partir da revolução verde, que na prática representouo avanço do capital sobre o campo. Para tal, o Estado precisaria de estruturas que levassem a este avanço, a um “melhor” controle sobre o campo.Enquanto a ideia de associações e cooperativas surgiu de um movimento 6Existem diferentes sentidos que esta palavra adquiriu nos tempos mais recentes, nem sempre assumindo o mesmo sentido que trago nesta dissertação. A filantropia, o empreendedorismo social, entre tantas outras expressões são hoje em dia também sinônimos de solidariedade, mas não a partir da ótica da economia solidária aqui trabalhada.

7 Esta é uma das visões do associativismo. No entanto, a defesa de movimentos como o da Economia Solidária e sua compreensão sobre as associações não passa por uma economia de mercado, compreendendo o mercado como apenas um dos princípios econômicos (ver POLANYI, 2000).

operáriocontrahegemônico inglês, de enfrentamento ao crescente capital industrial, na pioneira cooperativa de Rochdale do século XIX, no Brasil muitas destas estruturas vão surgir para fortalecer o capital e, pior, estimuladas pelo Estado. Muitas delas vão fortalecer o desenvolvimento de uma agroindústria no país e de subordinação dos produtores agrícolas ao mercado capitalista, fugindo dos ideaisoriginais dos pioneiros de Rochdale,que refletiam a autogestão, a emancipação, a solidariedade e a equidade. Muitas vezes, no Brasil,

As cooperativas se apresentam como mecanismo através do qual o Estado disciplina o pequeno produtor no uso de crédito e insumos modernos, ao mesmo tempo em que oferece ao Estado uma organização relativamente fácil de penetrar e manipular, seja pela própria tendência das direções das cooperativas a se desvincular das bases, seja através dos mecanismos materiais e legais pelos quais a cooperativa depende do Estado. (SORJ e WILKINSON, 1983, p.181).

Que seja lembrada a cooperativa de Tiriri que citamos no tópico anterior, construída como articulação a favor do capital e da construção de uma classe média no campo, e não como processo autogestionário de construção de uma outra economia.

[No Brasil] a formação de associações era uma forma encontrada pelo Estado para evitar as possíveis insurgências no campo, à medida que, através delas, promovia a disseminação de investimentos públicos e “permitia” a participação, dificultando, dessa forma, a organização de movimentos radicais no espaço agrário. Patrocinadas pelo governo, essas organizações se constituíram num importante mecanismo para a entrada do capital nos espaços agrários. (OLIVEIRA; SANTOS, 2012, p.73)

As associações e cooperativas no Brasil, neste sentido, em muitos casos são influenciadas pelo des-envolvimento do capital e acabam não sendo criadas em busca de construções solidárias de organização, na busca por esta economia solidária que venho falando, mas sim para acessar editais e políticas públicas, recursos. Não surgem de projetos de solidariedade e reciprocidade criados para contribuir com a solução de problemas comuns e a transformação social, ou seja, no sentido do enfrentamento ao capital.Muitas vezes continuam formas hierarquizadas de planejamento e gestão, mantendo o objetivo principal capitalista, gerar lucro, e compreendendo a economia apenas por seu viés de mercado.

Reduzir a atividade econômica apenas ao princípio de mercado é característico do sistema capitalista. Segundo França Filho (2007), a partir da ótica da economia solidária se pode atuar enfrentando quatro reducionismos econômicos trazidos pelo capitalismo. São eles: a) a redução da ideia de empresa à empresa mercantil, b) a redução da ideia de economia à troca mercantil, c) a redução da ideia de política ao Estado, e d) a redução da ação humana à ação interessada. Sua compreensão fica mais clara por suas próprias palavras:

a) a redução da ideia de empresa à empresa mercantil:

um desses reducionismos é a tendência a se conceber a empresa produtiva como sinônimo de empreendimento lucrativo com fins utilitários. Tal modo de pensar anula as possibilidades de implementar ações coletivas organizadas de natureza produtiva, e atividades econômicas sem fins de acumulação privada, para benefício de grupos e comunidades territoriais. Isto implica ampliar o conceito de empresa produtiva para além da norma capitalista, assim como redefinir osparâmetros de gestão comumente utilizados, na direção de um maior desenvolvimento e institucionalização de formas autogestionárias. (FRANÇA FILHO, 2007, p.161)

b) a redução da ideia de economia à troca mercantil:

um segundo reducionismo susceptível de superação nesse debate é aquele que associa economia exclusivamente à lógica utilitarista da economia de mercado ou da troca mercantil. Tal reducionismo impede a ampliação da compreensão do que seja o ato econômico e de seu sentido para a vida em sociedade, na direção de sua re-