• Nenhum resultado encontrado

3 À IMPOSIÇÃO AOS TERRITÓRIOS.

4 MAS ASSIM SE FUGIU DESSA HISTÓRIA

4.1 CONFIGURAÇÕES (I)MATERIAIS DO TERRITÓRIO E FORMAÇÃO DA ASSIM

No capítulo anterior apresentei contextualização sobre a mesorregião onde se encontra a ASSIM. Aquiéimportante mudar a escala para aproximar o observador ainda mais do território, apresentando o município do qual faz parte, Lagoa de Itaenga, e contextualizando a formalização da associação. O município se localiza no estado de Pernambuco, como pode ser visto na figura que segue.

a gente chegou aoque passou ese faz presente

a cana semeia por entre as veias dor da escravidão que perdura além de

qualquer assinatura

zona rural engolida

caminhos que não cansam de repetir o destino

reiterar suas cores afligindo as dores

mas o povo (r)existe permanece

ese endurece com a única escolhaque tem lutar por sua vida

coletivo se faz reinventar buscando raízes arrancalarvas da cana em si

pra diversidade plantar aochão

naturezadeve habitar ocoração

sendo uma certeza

que se acendam

todas asvelas do mundo que se acenda a luz do sol em teu peito o sol que evapora o que se demora e faz florescer oamanhecer que ascenda rede coletiva interdependente e além

sendo broto da vida semeando o chão

FIGURA 13 – Município de Lagoa de Itaenga em Pernambuco

Fonte: Wikipedia

Como já se sabe, Lagoa de Itaenga fica na zona da mata pernambucana, mais especificamente na mata norte. Possui fronteiras ao norte com Carpina e Lagoa do Carro, a sul com Glória do Goitá, a leste com Paudalho, e a oeste com Feira Nova e Limoeiro, com uma área total de 61,7 km², e uma altitude de cerca de 183 metros, o município dista 87,4 km do Recife, a capital pernambucana (CPRM, 2005). No último censo do IBGE, de 2010, apresentou uma densidade demográfica de 360,65 hab/km², contando com 20.659habitantes. Destes, 17.118 (82,9%) estariam na zona urbana e, consequentemente, 3.541 (17,1%) habitariam a zona rural, onde está inserida a ASSIM, que fica a aproximadamente 4 km do centro da cidade.

Assim como na mesorregião e no país o município de Lagoa de Itaenga (PE) viu sua população rural diminuir ao longo do tempo, como fica claro com a tabela abaixo.

TABELA 1- Evolução do percentual da população por situação do domicílio, 1970-2010: Lagoa de Itaenga (PE) e áreas selecionadas

1970 1980 1991 2000 2010

Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural Urbana Rural Brasil 55,94 44,06 67,59 32,41 75,59 24,41 81,19 18,81 84,37 15,63 Pernambuco 54,46 45,54 61,6 38,4 70,87 29,13 76,36 23,64 80,17 19,83 Zona da Mata Pernambucana - - - - 62,05 37,95 68,86 31,14 74,74 25,26 Lagoa de Itaenga (PE) 24,85 75,15 44,23 55,77 68,1 31,9 76,07 23,93 82,86 17,14

O grande exôdo rural existente em Lagoa de Itaenga (PE), proporcionalmente maior, no período apresentado, ao do país e do estado onde se encontra, tem muito a ver com o avanço da cana de açúcar. Como apresentei no segundo capítulo tanto os governos militares como posteriores incentivaram a expansão da cana de açúcar na zona da mata pernambucana. Supostas “vocações naturais” foram construídas para os habitantes locais, principalmente os viventes da zona rural. No entanto, a vida proporcionada a estes últimos pelo trabalho na cana é opressiva e de poucos avanços. Ademais, o sistema de plantation da cana de açúcar ali existente volta uma imensa concentração de terras apenas para este vegetal. Os grandes usineiros são poucos na etapa de produção de açúcar, e os poucos pequenos produtores de cana têm que se submeter ao preço e às condições que elas definem. A partir desta plantation, inclusive, é que muitas comunidades rurais vão desaparecer por completo das zonas rurais, com seus habitantes migrando em busca de melhores condições de vida. Tal realidade foi comentada por entrevistadas e entrevistados durante a sistematização. Percebemos (nós da equipe de sistematização) o medo de muitos de que as comunidades do Marrecos, Imbé e sítios vizinhos que compõem a ASSIM também desaparecessem do mapa, assim como aconteceu com outras comunidades rurais vizinhas. Inserida em contexto de grande exôdo rural, a ASSIM teve um sentido de buscar fixar seus e suas associadas no território, como parece perceber um dos agricultores entrevistados.

E uma coisa também que se a gente tivesse [ainda] todo mundo naquele processo [da cana], eu acho que hoje a gente tava, meio que a nossa comunidade tivesse acabado. Era um dos meus medos... Euacompanhei outra comunidade aí se acabando, e eu tinha medo que a nossa também se acabasse. Saísse da história do nosso município, né?

A história da formação do município possui a cana de açúcar em suas raízes.Construído não enquanto obra científica mas sim da sabedoria popular,umlivrolocal, mesmo que não publicado nos padrões editoriais, conta essa história, e se faz importante como fonte de conhecimento local.Olivro do autor nativo Moisés Lins, Contando o que

escutei! Mostrando o que encontrei! Lagoa de Itaengacontaque,por volta dos anos 1920,

existia um engenho, o engenho Dois Manos, onde se produzia melaço, rapadura e cachaça, produtos da cana de açúcar. Quando seu dono morreu os herdeiros não souberam manter o engenho, venderam para um imigrante português, que por sua vez acabou loteando as terras a preços populares. As primeiras construções foram ali realizadas em sistema de mutirão, cooperação entre os novos moradores deste novo povoado, nas antigas terras do engenho onde existia uma lagoa. Completando a lagoa, a composição para o nome Lagoa de Itaenga,

acredita-se, viria de origem dos povos originários, da etnia Tupi Guarani, onde “ITA” significa pedra e “ENGA” a vegetação daninha que crescia a beira da lagoa.

O autor ainda afirma, na terceira página do livro, que

Naquela época o cultivo de cana-de-açúcar estava começando a conquistar a confiança dos agricultores da região, pois às margens do Rio Capibaribe – distante aproximadamente 10 km do Engenho Dois Manos – crescia de forma extraordinária o antigo Engenho Banguê, também conhecido por Engenho Petribu, transformado posteriormente em Usina Petribu, no ano de 1910, pelo patriarca da família o senhor João Cavalcante de Petribu.

A família Petribu, com sua usina anterior à emancipação de Lagoa de Itaenga enquanto município, é ainda hoje poder dominante na região. Se a usina se formou em 1910, Lagoa de Itaenga só foi emancipada em 20 de dezembro de 1963, pela Lei Estadual n. 4.966, formada pelo distrito-sede e pelos povoados de Camboa e Usina Petribu (CPRM, 2005).

Temos o engenho, e a usina, resta apenas a matéria prima para esta fórmula colonizada de uma suposta “vocação natural” para a mesorregião onde o município está inserido, a produção de cana de açúcar. Ao me locomover da capital, onde moro, para os encontros na associação, no desenrolar da sistematização, a paisagem avistada era de monotonia. Cana, cana, cana, cana. Um imenso deserto verde desta monocultura, propriedade de uma mesma usina, a Petribu, com algumas manchas de eucalipto, que no decorrer da pesquisa descobri ser para a usina produzir energia no período da entressafra da cana, a qual também gera energia como um sub-produto.Os extensos descampados para a cana, com algumas manchas verde escuro de eucalipto, podem ser observados nas figuras que seguem.