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Do escambo ao sistema comercial: mercados e mercadores na Colônia

Escambo e comércio em feiras e mercados brasileiros

1.1. Do escambo ao sistema comercial: mercados e mercadores na Colônia

É certo que, assim que chegaram às terras brasileiras, os portugueses trataram de incentivar o comércio com os Tupinambá. As primeiras trocas eram de receptividade e estranhamento, além da curiosidade em ver o que há de dar ou lucrar nestas terras recém-descobertas. Uma mistura de curiosidade e espanto por parte dos indígenas aparece nos relatos do escrivão da esquadra de Cabral. O primeiro contato descrito por Caminha evidencia isso: saber o que aqui há e o que daqui se poderia tirar (trocar). A percepção sobre o “grau de desenvolvimento” material se fazia importante aos propósitos dos colonizadores. Descrever como são, o que fazem, com que teriam que lidar e, principalmente, o que tinham e poderiam dar (ou poderiam tomar) se torna tão essencial como pitoresco aos olhos da Corte Portuguesa. Por isso, a “troca primeva” e a preocupação em saber o que aqui há, em substancial, de metais preciosos.

A incerteza do escrivão da esquadra portuguesa em saber se aqui havia ouro ou prata ou outro metal rebateu-se ante a ânsia de cá encontrar os preciosos metais. Metais que fizessem valer a empreitada da colonização efetiva e uma ocupação intensa, um retorno rápido de investimento.

Os indígenas brasileiros, em especial os Tupinambá, detinham uma economia extrativista e alguma lavoura. As atividades econômicas voltavam-se às necessidades básicas biológicas e sociais. Aqui os portugueses não encontrariam excedentes que pudessem ser espoliados e, por isso, por mais comuns que sejam – em linhas gerais – as práticas e organizações comerciais, num primeiro contato, as feiras e trocas outras eram estranhas aos autóctones30. A economia dos nativos parece que se caracterizava pelo ciclo de troca de uma relação de troca generalizada, no qual, as trocas de bens são desmobilizadas de retorno imediato, típico de sistemas econômicos simples, de caçadores, coletores, mas também de horticultores. Aqui, os primeiros grupamentos

30 “O comércio interno tribal se limitava à troca silenciosa de alguns bens raros ou de luxo, tais como

encontrados detinham relações de produção baseadas no parentesco; o território, os instrumentos de caça e coleta etc. constituíam os fatores de produção, partilhados por intensa sociabilidade.

Os grupos indígenas encontrados no litoral pelos portugueses eram principalmente do tronco tupi. E aqui já ocupavam há séculos. Junto com outros povos da floresta tropical, conheciam e cultivavam várias plantas, deslocando as mudas das matas à manutenção dos seus roçados. A exemplo da mandioca, cuja sua domesticação “constitui uma façanha extraordinária, porque se trata de uma planta venenosa a qual eles deviam, não apenas cultivar, mas também tratar adequadamente” (RIBEIRO, 2006, p. 28) por conta do ácido cianídrico, da necessária extração para torná-la comestível. Além, é claro, do fato de que não precisa ser colhida e estocada, já que se mantém viva e crescente na terra por meses.

A agricultura desenvolvida garantia relativa fartura alimentar durante o ano, bem como uma variedade de matérias-primas, condimentos, venenos e estimulantes. Dessa maneira, conseguiam superar os episódios de carência ou déficit alimentar, recorrente entre os povos pré-agrícolas diante das intempéries, agraciados pela (e dependentes) da generosidade da natureza pela coleta de frutos, cocos e tubérculos em boa parte do ano, mas que “penam” em momentos de estiagem e transição de estações. Mesmo assim, dependiam do acasualidade na obtenção de alimentos de origem animal, através da caça e da pesca, igualmente sujeitos a oscilações de abundância e escassez31.

Além da mandioca, cultivavam o milho, a batata-doce, o cará, o feijão, o amendoim, o tabaco, a abóbora, o urucum, o algodão, o carauá, cuias e cabaças, as pimentas, o abacaxi, o mamão, a erva-mate, o guaraná, entre muitas outras plantas. Inclusive dezenas de árvores frutíferas, como o caju, o pequi etc. Faziam, para isso, grandes roçados na mata, derrubando as árvores com seus machados de pedra e limpando o terreno com queimadas. (idem,

ibidem).

Diferentemente do encontrado pelos portugueses, encontraram os colonizadores espanhóis nas terras norte-americanas “praças de mercado”, locais destinados ao escoamento pela troca comercial de excedentes, um comércio intenso. São exemplos os relatos de Hernán Cortez e sua chegada à capital Asteca, Tenochititlán32, onde já existiam, além de uma desenvolvida cidade povoada e equipamentos urbanos, um agitado mercado diário, distribuidor e responsável pela circulação de mercadorias e

31 “Daí a importância dos sítios privilegiados, onde a caça e a pesca abundantes garantiam com maior

regularidade a sobrevivência do grupo e permitiam manter alimentos maiores.” (RIBEIRO, 2006, p. 29)

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excedentes de produção controlados pelo Império. Assim como as culturas encontradas em regiões como Peru, Bolívia e Guatemala.

Como analisa Mott (1975, p. 307), para a maioria dos países americanos, as feiras foram uma inovação do colonizador europeu, eram práticas desconhecidas da população nativa. Foram os colonizadores os responsáveis pela introdução dessas organizações para o comércio, ao tentar reproduzir, ou fazendo acontecer trocas regulares e reguladas, como as feiras ocorridas no continente europeu.

Estas últimas eram práticas que remetem aos séculos XI e XII, mas cujos formatos e origens têm variadas versões. Inicialmente, como encontros para troca entre caravanas de mercadores nos idos da Idade Média, depois (ou concomitante) como organizações comerciais destinadas ao escoamento dos excedentes agrícolas e abastecimento de pequenas vilas e povoamentos33; daí, surgindo com regularidade e atraindo gente e mercadorias das mais variadas procedências, as feiras se constituíam em pontos de cruzamentos das rotas comerciais, às margens de rios ou perto de pequenos feudos protegidos. Seriam como mercados temporários que aos poucos foram sendo instituídos, controlados, fiscalizados – constituindo-se como grandes feiras com durações distintas, com seus próprios policiamento, leis, tributos e moedas34. Práticas que fizeram surgir um novo tipo de mercador, o cambista, responsável pelas trocas monetárias e equiparações entre as diferentes moedas utilizadas.

Desde o início, os portugueses – estimulando as trocas – recebiam dos indígenas artigos exóticos como penas e adornos manufaturados com penas e palhas, animais coloridos e estranhos à fauna européia, exuberantes como os araras, papagaios, jandaias e periquitos. Depois foram “comercializados” produtos que serviam de matéria-prima para ser beneficiado na Europa, como o pau-brasil (corante natural), além de pequena produção de farinha e algodão, cultivados nos aldeamentos. Os produtos eram trazidos à praia, levados às feitorias ribeirinhas ou entregues às mãos dos próprios atravessadores para serem despachados nas naus a Portugal.

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Conforme Franco (2001, p. 36): “Quando um domínio [territorial] tinha um certo excedente, ele era comercializado, diante da impossibilidade de se estocar. A imagem da villa fechada, vivendo exclusivamente de seus próprios recursos, deve ser matizada, pois havia especialização na produção. [...] para escoar essa produção, foram criadas as feiras como a de Saint-Denis [...].”

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“Una organización similar se encuentra em las ferias, principalmente em las de Champaña cuya edad de oro es el siglo XIII. Agentes oficiales nombrados por la autoridad del lugar (en Champaña el conde y, a partir de 1284, e rey de Francia) están encargados de hacer respetar la justicia y el orden, tanto desde el punto de vista civil como desde el punto de vista estrictamente comercial. Un tribunal de feria compuesto por dos guardas hace aplicar el derecho de las ferias.” (LE GOFF, 1973, p. 186)

Nada que os índios tinham ou faziam foi visto com qualquer apreço, senão eles próprios, como objeto de diverso de gozo e como fazedores do que não entendiam, produtores do que não consumiam. O invasor, ao contrário, vinha com as mãos cheias e as naus abarrotadas de machados, facas, facões, canivetes, tesouras, espelhos e, também, miçangas cristalizadas em cores opalinas. Quanto índio se desembestou, enlouquecido, contra outros índios e até contra seu próprio povo, por amor dessas preciosidades. (RIBEIRO, 2006, p. 44)

Mas, essa aparente disposição de artefatos e produtos extraídos para os colonizadores durou pouco. Inexperientes comercialmente e ingênuos quanto às pretensões e malícia dos portugueses, os indígenas tiveram suas aldeias constantemente saqueadas, eram expropriados e muitas vezes aprisionados. As novas preciosidades, de que fala Darcy Ribeiro, tornavam-se indispensáveis e, para obtê-las, muitos nativos tiveram que se submeter a todos os “modos de pagar seus preços”. Essas “bugigangas”, “trecos” aos olhos do europeu eram, “em essência, a mercadoria que integrava o mundo índio com o mercado, com a potência prodigiosa de tudo subverter.” (idem, ibidem). Atraentes, sedutoras e causadoras de “dependência”, as ferramentas de ferro trazidas pelos portugueses seriam também as ferramentas que levariam os nativos do Brasil a prestar inúmeros serviços aos estrangeiros.

A primeira dessas tarefas seria justamente o corte do pau-brasil. Com machado de pedra, a árvore que iria inserir o Brasil no circuito mercantil da Europa levava cerca de três horas para ser derrubada. Com machado de ferro, um tronco de igual dimensão podia ser cortado em apenas 15 minutos. (BUENO, 1998, p. 107)

Contudo, se não perturbavam a Coroa Portuguesa, pelo menos era de seu desejo controlar as trocas tecidas com os nativos. Tanto o é que, as recomendações já aparecem em ordem enviada, em 1534, ao Capitão-mor de Pernambuco pelo Rei de Portugal, D. Manuel I. Segundo o qual:

Todas as pessoas assim de meus reinos e senhorios, como de fora deles, que à dita capitania forem, não poderão tratar, nem comprar, nem vender cousa alguma com os gentios da terra, e tratarão somente com o Capitão e povoadores dela, comprando, vendendo e resgatando com eles tudo o que puder haver. E quem o contrário fizer, hei por bem que perca em dobro toda a mercadoria. [grifos nossos] (Arquivo Histórico Ultramarino apud MOTT, 1975, p. 309)

Além de recomendação, ou melhor, proibição do comércio, a carta foral da capitania de Pernambuco sugere um mau augúrio aos que assim procedessem, isto é, que comerciassem com os nativos35. Intencional ou não, solução legal ou simples

35 “O comércio permitido no tempo de Pereira Coutinho era ampliado e facilitado pelo regimento de

prevenção jurídica, a ordem – ao atribui ao capitão-mor e encarregados a responsabilidade com as trocas – tenta resguardar a estes o comércio com os da terra.

Aporta em 1549 o primeiro Governador Geral do Brasil, Thomé de Souza, e junto com a sua esquadra, um Regimento para o Governo e efetivação de uma empresa colonial, na qual a edificação de uma cidade-fortaleza – que viria a ser Salvador – está uma primeira referência a feiras no Brasil. No documento com data de 1548, sob recomendação do então rei, D. João III, determinava-se que:

[...] nas ditas vilas e povoações se faça em um dia de cada semana, ou mais, se nos parecerem necessários, feira a que os gentios possam vir vender o que tiverem e quiserem, e comprar o que houverem mister, e assim ordenais que os cristãos não vão às aldeias dos gentios a tratar com eles [...] [grifos nossos] (AHU, apud MOTT, 1975, p. 309)

Ora, junto à primeira referência a feiras a serem feitas nas terras do Brasil, na ocupação do sítio que seria a cidade de Salvador, novamente aparece a questão do comércio com os “gentios” e novamente a proibição para que este se efetivasse em suas próprias aldeias. Recomendações às negociações implementadas pelos colonizadores com os índios em suas tribos, momentos muitas vezes de saque, extorsão e massacre. Sendo este último, digamos, sugerido no processo de conquista das áreas circunvizinhas ao núcleo principal de povoamento da metrópole colonial e, em seguida, nas guerras e destruições de aldeias Recôncavo adentro36. Mais adiante, a ocupação do Recôncavo baiano, dentro da decisão de criação de um mercado produtor de açúcar, exigindo terras em abundância (para o plantation), base financeira e ambiente ecológico adequado, levara à destruição de inúmeras aldeias indígenas.

É curioso também que o regimento ordena a criação das feiras como eventos regulares (dias e semanas) em núcleos ou redutos de povoamento, supondo uma “inclinação” comercial dos autóctones: “que os gentios possam vir vender [...] e comprar”, sem que estes tivessem qualquer princípio de troca comercial, valores e

mantimentos para os colonos e com a fixação, nas vilas e povoações, ‘em cada um dia de cada semana’ de uma ‘feira a que os gentios possam trazer o que tiverem ou quiserem, e comprar o que houverem mister’. Permitia-se, ademais, contra todas as proibições de contato entre os europeus e os indígenas, que se desse licença para ir aos aldeamentos os cristãos que necessitassem comprar alguma coisa dos gentios”. (AZEVEDO, 1969, p. 263)

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Conforme Tavares (2000, p. 105): “Depois que os dois primeiros governos-gerais dizimaram os tupinambás aldeados nos arredores da Cidade do Salvador (existiam 47 aldeias), a expansão dos colonos continuara em direção do Iguape. Duarte da Costa comandara a guerra contra os índios de Itapuã e Rio Vermelho, mas os colonos ainda continuavavam pedindo, em 1558 (início do governo Mem de Sá), para ‘lançar daqui de em redor da cidade os índios’.”

meios de troca. O “comercial”, na verdade, coloca-se como escambo, e as escalas definidoras das preferências e niveladoras do “justo” na troca, uma mistura entre duas culturas bastante diferentes.

Em poucas décadas da colonização, grande parte das povoações indígenas da costa encontradas pelas caravelas descobridoras desapareceu. Ao longo dos anos, a paisagem foi sendo composta por outros tipos de instalações povoadas: a partir dos engenhos, das missões jesuíticas e os vilarejos e sítios de criação de gados. Em todas elas se desenvolvia produção agrícola, sendo trocada e negociada regularmente, na tentativa de suprir as necessidades alimentares, em eventos comerciais como feiras.

As feiras apareciam aos olhos dos portugueses como muito eficientes37, por isso deveriam ser implementadas. Os fins, como comenta Mott (1975), pareciam coerentes dadas as condições da colonização brasileira e da feição que parecia assumir ante o que poderia ofertar à primeira mão:

[...] acreditamos que o Soberano Português tinha em mente muito mais provocar a concentração de mercadorias nativas a serem exportadas para a Metrópole do que a satisfação das necessidades de subsistência imediata dos habitantes dos pequenos núcleos populacionais da Bahia. (p. 309)

Concentrar a produção dos nativos para exportar em maiores quantidades, forçando a acumulação de materiais e artigos dos indígenas. Este pareceu ter sido o objetivo maior da ordenação de implantação de feiras.

Assim, mesmo como ordem prevista ao atendimento dos fins comerciais aos artigos da terra para serem vendidos na Europa, as feiras parece que não foram amplamente criadas e executadas. As relações com os nativos, nas quais estes levavam às praias ou às benfeitorias os artigos para serem encaminhados a Portugal, pareceram suficientes ao fim primeiro de criar um excedente, de acumular artigos que pudessem ser vendidos (mercadorias) fora. Primeiro o pau-brasil, arrancado das matas e encaminhado para os portos e, mesmo o açúcar, que saía dos engenhos prontos para serem conduzidos às naus. Não havia necessidade de reuni-los em praça para que fossem agregados em grandes lotes38.

37 Inclusive em outras áreas coloniais, como na Costa da Guiné, no continente Africano.

38 Mott (idem.) faz referência também a um segundo regimento, datado de 1588, igualmente enviado ao

governador geral do Brasil. Segundo o qual se ordena que se fizessem feiras em povoações das capitanias para que os “gentios” pudessem vender, “[...] e não se fazendo as ditas feiras, ordenareis que se façam um

O citado autor faz referência também ao “Regimento que trouxe o Mestre de Campo General do Brasil” (D. Afonso VI), em 1677, que ordenava a sua criação para que os índios pudessem vender.

Nesta capitania nunca se fizeram feiras para os gentios venderem o que trazem, ou comprarem o que lhes for necessário, e por isso não tem lugar a disposição deste capítulo, o que seria mais aplicado à Capitania do Pará, aonde há sem comparação muito maior número de índios. [grifos nossos] (Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, apud MOTT, 1975, p. 310-311)

Mais que uma repetição das ordenanças anteriores no que concerne ao chamado “comércio com os gentios”, o Regimento refere-se a um diagnóstico no qual – ou pelos motivos apontados acima ou por outros desconhecidos de nossa leitura histórica – não se fizeram feiras no Brasil por mais de 100 anos de colonização, pelo menos nos moldes sugeridos pelos regentes. O número de índios, dispersões, fugas ou, simplesmente, extermínios, ao longo da colonização e expansão das fronteiras pelo desbravador branco europeu, parecia não favorecer, aos olhos de sua majestade, a realização das “feiras” com os nativos.

Se as feiras não aconteceram consoante as ordenanças da Corte, o comércio logo estabelecido com os nativos foi intenso. Seja pela capacidade plástica do Português, sua capacidade de adaptação, como nos assinala Gilberto Freyre e corrobora Thales de Azevedo (1969), seja pelos imperativos das condições, os portugueses ajustaram hábitos alimentares, incorporaram novos aos seus e introduziram aos nativos seus víveres costumeiros, se misturando. Influenciando e sendo influenciados, teceram variada troca entre os indígenas. “Ovos, galinhas, porcos, azeite, vinho adquiriram na vida brasileira de então uma tal importância que até como moeda, e moeda de valor, era utilizados, o que em parte se explica pela escassez de moeda metálica durante toda era colonial.” (AZEVEDO, 1969, p. 256).

A sua inexistência prática39 e o reconhecimento oficial da Coroa levam a Mott (1975) a levantar uma hipótese. Segundo ele: “[...] embora a idéia das feiras se enraíze

dia ou mais cada semana” (AHU, Apud MOTT, p. 310). De novo aparecem as ditas feiras para os gentios venderem, realçadas pela ênfase em se insistir na regularidade em dias numa mesma semana.

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Há referências a uma primeira feira localizada no norte do Recôncavo baiano, a feira de Capoame, distrito de Santo Amaro de Ipitanga, como o principal centro de comércio das boiadas que vinham do Sertão com destino à cidade da Bahia e ao seu Recôncavo, mas os registros são imprecisos, segundo Mott (1975), por volta do século XVII. Thales de Azevedo (1969, p. 322) também faz referência à Feira de Capoame em seção sobre o problema do abastecimento de carne em Salvador.

nos primórdios da vida brasileira, sua emergência provavelmente só se consubstanciará, quando do maior desenvolvimento demográfico e da diversificação econômica da Colônia” (p. 311).

O incremento populacional – sendo para além do território litorâneo e efetivação da ocupação produtiva –, somado à ampliação das atividades econômicas e cultivo de gêneros alimentícios, vão ser juntos responsáveis pela constituição de trocas periódicas e essenciais para o abastecimento das vilas e povoados coloniais. Portanto, o surgimento efetivo de feiras no Brasil estará menos ligado às determinações da Coroa a partir dos regimentos de administração comercial das mercadorias à exportação do que como reflexo intencional das necessidades locais e regionais de abastecimento40.

Com o ulterior adensamento populacional e povoamento, como assinalam Venâncio; Furtado (2000, p. 95), “o comércio [torna-se] fundamental no processo colonial, pois intercambiava as mercadorias necessárias à manutenção da vida, sendo também um poderoso mecanismo de transferência de riquezas do interior do Império português em direção à sede do trono”.

O que se pode deduzir é que, ao longo dos anos de ocupação da colônia, as primeiras iniciativas de comércio com os indígenas foram cedendo espaço para formas mais eficientes de produção de riquezas (excedentes) e de abastecimento (principalmente com a produção dos aldeamentos). Do propositivo-imposto escambo com os nativos, para uma variedade de formas de comércio em paralelo ao processo de povoamento e ocupação do território. De antemão, a principal característica do comércio colonial na América portuguesa, geradora de uma variedade ampla de tipos de comerciais, atividades e estabelecimentos, foi a diversidade.

Diante de um emergente sistema colonial de abastecimento, inscrevia-se uma intrincada divisão do trabalho voltada a fazer circular as mercadorias de fora e de dentro, para dentro e para fora da Colônia. Diverso o comércio, diversos os tipos

40 Existem referências a feiras realizadas no século XVIII na freguesia de Mata de São João, na vila de

Nazaré, Bahia; no distrito de Goiana, na localidade de Cruz das Almas, em Pernambuco; de uma feira- franca na localidade de Laranjeiras, em Sergipe. No século XIX, em Itabaianinha, Pernambuco; ao sul do rio Itapicuru, na vila do Conde numa localidade denominada de Ribeira, na Bahia, e a própria feira de gado de Feira de Santana; em Sergipe nas localidades de vilas de capela, Rosário, Própria, Nossa Senhora das Dores etc.; a feira de Sorocaba em São Paulo, Feira das Mulas ou Feira dos burros; e a referência ao