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Nas ruas, das ruas e pelas ruas de São Joaquim: fluxos e circulação na/da Feira

Entrâncias e reentrâncias da dinâmica da Feira de São Joaquim: a Feira é uma dádiva?

3.3. Detalhando as relações de compra e venda: descrevendo a Feira de São Joaquim

3.3.2 Nas ruas, das ruas e pelas ruas de São Joaquim: fluxos e circulação na/da Feira

“Viva, labirinto sem minotauro, erótica, sacra, a Feira cumpre a especialidade baiana de abrigar muitos portais com elegância ímpar.” (Aninha Franco)156

Há uma lógica, uma funcionalidade na circulação aparentemente caótica, desregrada na Feira. Há fluxos permitidos, sentidos tolerados e, principalmente, ajustes

155 Os festejos em homenagem a São Cosme e São Damião são realizados em setembro, e tem o dia 27

como data magna. As festas também começam na Feira quando são em homenagem à Santa Bárbara em 4 de dezembro, a santa protetora dos bombeiros, Yansã no “sincretismo”, mulher de Xangô, e ao próprio Xangô, que, assim como o mulher, controla os raios e as tempestades.

156 Artigo publicado na Muito. Revista semanal do Jornal A Tarde, domingo, 8 de junho de 2008, n 10, p.

nas composições físicas das bancas ou barracas e as vias de circulação de pessoas e das mercadorias. Longe de estar à mercê do espontâneo, isto é, uma consolidação do espontâneo original, por isso instituído, a Feira organiza os fios da teia que a têm como eixo, como entreposto, orientando as entradas e saídas das mercadorias.

O relacionamento entre as áreas é intrincado, sendo difícil, segundo informantes, detectar áreas estagnadas ou desocupadas/inativas. Em algumas primeiras incursões, fomos levados a perceber certa “desocupação” ou espaços ociosos, sugerindo uma estagnação. Mas, o que parecia certo, não era conclusivo. Há uma dinâmica nos espaços conforme as horas ao longo do dia e da noite. A impressão de campo foi, de certo modo, dissipada pelos informantes e por outras visitas em horários diferentes. Assim, a partir das 15 horas, a maior parte dos bares e restaurantes começa a fechar, diminuindo o fluxo de pessoas nestas áreas. Assim como cedo, a partir das 5 horas, esse movimento é intenso por conta do café da manhã, e como especial movimento no domingo pela manhã, dia do mocotó e pirão de mocotó na Feira. Como nos explica Ciro, 36 anos, feirante:

“Hoje o espaço que não estiver ocupado é porque é via de circulação. Onde tiver jeito de alguém encostar alguma coisa, vai encostar. Eventualmente você pode ver boxes, barracas fechadas, mas isso não quer dizer que esteja ali sem dono ou inoperante. Muitas vezes, Figura 25: Croqui da Feira de São Joaquim. Elaboração do autor.

Figuras 26 e 27: Caminhão carregado de “sacas” de limão tahiti na Rua da Carga e Descarga; Caixas carregadas de umbu, detalhe para as marcações para a distribuição na Feira.

maioria, você vê são depósitos de outros comércios. Um número bem reduzido por ter... de alguém, tal, pode ter questões de família, ou o feirante morreu, então... mas isso são pouquíssimos. Aí pode ter um ou dois desocupados nesse sentido, mas não é sinônimo de que estão à-toa lá, né. Daqui a pouco, se alguém penetrar, o dono aparece.” [grifos nossos]

A Rua da Carga e Descarga comporta até 20 caminhões simultaneamente, segundo informantes, onde, estacionados, são descarregados para os atacadistas e varejistas da Feira em todas as ruas perpendiculares à Rua do Mar. Os caminhões nesta área atendem aos feirantes grossistas. Eles adentram a Feira pelo portão 01, seguindo pela Rua Principal. Oscilando nos turnos e nos dias da semana, a maioria dos caminhões, segundo representante sindical, entra na Feira à noite e na madrugada. Há uma taxação por caminhão que entra carregado na Feira, responsabilidade diurna do sindicato; à noite, a taxação é de responsabilidade da vigilância noturna, privada, que atua na Feira.

“[os caminhões que entram a noite] são descarregados a noite mesmo... e o sindicato não consegue cobrar, quem cobra é a vigilância noturna, que cobra não a entrada do caminhão, mas o fato deles darem esse suporte todo e... darem segurança lá aos caminhões, mas as taxas deles são bem maiores que as nossas. Chega até a R$ 40,00 (quarenta reais) aos maiores. Por cada entrada de um caminhão desses. Tava pagando, individualmente, pelo tamanho do caminhão. Mas, tem dias que entra, chega a entrar 50 caminhões entre a noite e o dia. Tem dias que entra bem menos. Sendo que desses caminhões aí, setenta por cento, ou até mais, entra pela noite e pela manhã já foram embora.” (Joel, 50 anos, presidente do Sindicato)

Outros veículos, de menor porte, carregados também entram na Feira pelo portão 02. A maior parte desse fluxo atende ao suprimento da Rua da Bomboniere e segue a esquerda pela Rua Centro-Sul até a junção com a Rua da Cerâmica, saindo da Feira pelo portão 04. Descarregando cerâmicas e cestarias, bem como cereais.

A maior parte das frutas que chegam à Rua da Carga e Descarga é desalojada dos caminhões nela mesma. São os carregadores, os chamados “arrumadores”, com representação sindical própria em Salvador e sede situada na Feira naquela rua, que atuam como estivadores, desmanchando os lotes de cargas pré-negociadas com os grossistas instalados nas proximidades ou a negociar na hora.

O feirante grossista intercala o varejo e atacado. E essa figura que dá “corpo” à Feira de São Joaquim, segundo Carlos, representante da Coordenação de Feiras e Mercados – CFM, instância dentro da Secretária de Serviços Públicos – SESP. Ao comprar as mercadorias na CEASA e tendo o varejo a sua volta, ele comercializa os seus produtos por consignação. Ou seja, o produto é repassado ao indivíduo que o vende e que ao final do dia, ou em outra escala de tempo, paga ao grossista pelo que vendeu, prestando contas. Esta é e figura do representante comercial.

São Joaquim tem três vias principais de abastecimento, ou reposição, com variações conforme o tipo de mercadoria. Uma delas vem direto da produção da agricultura familiar da Região Metropolitana de Salvador e outras cidades no Recôncavo sul, na região do Paraguaçu e do Litoral Norte. Em geral é revendida ou enviada à Feira pela figura dos intermediários. A segunda delas provém da CEASA157, da central de abastecimento localizada no CIA – Centro Industrial de Aratu – conhecida também como Ceasão, em referência ao tamanho (1.000.000 m2 de área total e 500.000 m2 de área construída com boxes, galpões, restaurantes etc.) e movimentação atacadista – na qual o venda no atacado de banana, melancia e tomate se destacam, bem como as

157 As histórias da CEASA e a da Cesta do Povo, descrita no site da Ebal – Empresa Bahia de Alimentos

S.A. – estão relacionadas. Criado em 1979, o Programa Cesta do Povo, então vinculado à Secretaria da Agricultura – SEAGRI. O objetivo, inicialmente com postos móveis com barracas desmontáveis e alguns postos fixos – no Nordeste de Amaralina, Pernambués, Estrada da Rainha, Liberdade, e no Estacionamento em frente à Feira de São Joaquim – era ofertar produtos alimentícios básicos à população de baixa renda, além de garantir estabilidade nos preços dos gêneros de primeira necessidade, como farinha, feijão, arroz, açúcar etc. Em 1980, ano da criação da Ebal, a Cesta do Povo passou a ser gerida por este órgão. “O objetivo da Ebal era servir como instrumento de melhoria e bem-estar social através do acesso, de amplo alcance, a produtos e serviços de qualidade a preços mínimos para a população de baixa renda. Além da Cesta do Povo, a nova empresa incorporou a Ceasa-Bahia e, posteriormente, outros programas e projetos como Nossa Sopa, Cartão Credicesta, CEM (Crédito Ebal Municípios), Programa do Leite, + Pão, + Vida, e emergencialmente outros em eventuais situações”. Além da Ceasa do CIA, a Ebal administra mais quatro “mercados varejistas”, 3 em Salvador – no vale do Ogunjá e nos bairros de Paripe e Rio Vermelho; e no interior do estado, no município de Jaguaquara. Atualmente, a Cesta do Povo conta com 40 lojas em Salvador e 293 lojas em 237 municípios da Bahia, além de comercializar uma maior variedade de itens e serviços: cereais, massas, farinhas, conservas, condimentos, biscoitos, doces, congelados, laticínios, pães e ovos, bebidas, artigos de higiene pessoal, artigos de limpeza, material escolar, brinquedos, vale-gás e cartões telefônicos etc. Informações disponíveis em: http://www.ebal.ba.gov.br/novagestao/cestadopovo.htm.

verduras. E a terceira via se dá por encomenda dos grossistas, de gêneros alimentícios, industrializados, artesanato e artigos religiosos, de outros municípios ou estados, quase sempre chegando por caminhões. Contudo, a intensidade e previsibilidade do comércio de certos gêneros, alimentícios in natura ou industrializados (bombonieres, por exemplo), também atraí grandes produtores e intermediários, além de caminhões de fábricas que combinam uma rotina semanal à Feira. Há também a figura do representante, que sonda e colhe os pedidos entre os feirantes e define a intensidade das cargas futuras.

As vias, prioritariamente rodoviárias, ligam a Feira aos mais variados pontos de produção, concentração ou depósito. Os produtos de bombonieres, por exemplo, em sua maioria, dizem os feirantes entrevistados, vêm por caminhões de depósitos localizados em Feira de Santana e Simões Filho, de fábricas localizadas no Sul e Sudeste do país – salvo alguns doces, como cocadas, bananadas, pé-de-moleque etc. que também têm fábricas localizadas na Bahia. A cerâmica e a cestaria vêm do Recôncavo Sul, de Nazaré e Aratuípe (distrito oleiro de Maragogipinho), mas também de Ilha de Maré (trançados com palha seca: chapéus, bolsas, mocós, cestas, abanadores e peças decorativas), Mata de São João (distritos de Diogo e Imbassaí) e de outros estados, por conta da demanda, como Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Quanto aos alimentos in natura, vêm de Cruz das Almas e de São Paulo a laranja; o umbu e o limão tahiti de Itaberaba e adjacências; a melancia de culturas irrigadas no vale do São Francisco; o caju do litoral norte; o inhame, o aipim, a farinha de copioba, também por via marítima, pela foz do Paraguaçu, de São Felipe, Maragogipe, Santo Antônio de Jesus e Nazaré; o feijão, de Irecê, Guanambi, Tucano, Ribeira do Pombal, Tanque Novo, Irará; o camarão de Valença, (baía de) Camamu, Maragogipe, além do Rio de Janeiro e de Alagoas; outros pescados e mariscos, de Saubara, Salinas da Margarida, Jaguaripe e da Ilha de Itaparica; os artigos religiosos, imagens, contas e afins, vêm do Sul do país e de fábricas em Pernambuco, Ceará e em cidades no interior da Bahia. Aqui chegadas, conforme suas naturezas, procedem a essas mercadorias e tantas outras certos movimentos dentro da Feira – na ordenação própria deste entreposto.

Segundo Joel, feirante, é comum as mercadorias virem também da Cesta do Povo, daquela inclusive localizada em frente à Feira de São Joaquim. Quando fundada, em 1979, acreditava-se, conta ele, que acabaria com a Feira, sua vizinha. Mas, como noticia

o jornal A Tarde, de 13 de março de 1981158, dois anos depois da implantação da unidade fixa da Cesta do Povo:

Todavia, no entender dos barraqueiros, o tempo vem mostrando que o mal tem se revertido em bem, uma vez que, com a instalação da “Cesta”, o movimento de vendas em São Joaquim está sendo maior. Alguns chegam a argumentar que quando a feira perde em preço para a “Cesta”, ganha em qualidade e, neste ritmo, tudo vai se equilibrando. “Com a chegada da ‘Cesta’ nossas vendas aumentaram, porque, através dela, muita gente descobriu o valor que tem São Joaquim, a partir de uma comparação de preço e qualidade”, [afirmação de feirante].

Existe a concepção de que esses mercados, né, eles iam acabar com a Feira, que esses comércio, né, iam acabar, a própria Cesta do Povo, quando nasceu, muitos acharam que ia acabar, iam concorrer com a Feira. Mas, a Feira, como eu disse a você, ela tem uma vida, uma dinâmica, e uma percepção da realidade, a gente faz uma leitura e vai já se adaptando às novas realidades. Então, a relação a Feira com esses atacadistas, contudo, de certa forma, é de troca. Ela acaba se abastecendo naquilo que eles têm de interessante, e concorrendo com eles naquilo que ela tem condição de concorrer. (Joel, feirante)

É importante lembrar que nos primeiros anos de fundação, o programa Cesta do Povo, na unidade do Estacionamento de São Joaquim eram comercializados apenas seis produtos: farinha, feijão, arroz, açúcar, macarrão e peixe. E que aos poucos foram sendo incorporados outros gêneros e variedades. Em entrevista realizada por nós, o feirante Joel nos explica as relações tecidas pelos feirantes de São Joaquim com a Cesta do Povo, novo “concorrente”, a partir da “percepção da realidade”, como “ratinhos”:

Em dado momento na Cesta do Povo, logo quando eles iniciaram, eles possuíam pouquíssimos produtos, aí o que eu, por exemplo, fazia: eu colocava algumas pessoas que trabalhavam pra mim, a gente chama de “jokey” da Feira, né, e aí ia vender os produtos que eles não tinham na Cesta do Povo, que naquela época não tinha margarina, não tinha sabonete, carne salgada, lingüiça, essas coisas, e a gente achava ali a oportunidade de vender. Às vezes até eles tinham o produto, mas a gente tinha produtos melhores e com preços mais vantajosos, aí a gente acabava oferecendo o produto com um carrinho de mão na saída. Eles entravam na Cesta do Povo e compravam aquilo que tava mais atraente, um açúcar, sei lá, outra coisa mais, e vinham comprar as coisas que não tinham ou não estavam mais atraentes. [...]Além do mais a estrutura que a Cesta do Povo é, as vezes torna um elefante tão grande que até morrer pra a gente ver o que tem na cauda, que a gente ali, como ratinhos, já demos mil e uma voltas nos pés dele, já fomos e já voltamos.

É curioso observar como as feiras de verduras, frutas, farinhas, flores, ovos, etc. mantêm relações semelhantes, para não dizer iguais, com as lojas da Cesta do Povo na

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“São Joaquim tem fortes motivos para crescer mais”. Nesta mesma matéria e em outras nos anos seguintes, é ressaltado a intensidade e volume da participação de São Joaquim no abastecimento da cidade: “entram na feira, por dia, cerca de 50 caminhões de feijão, 50 de açúcar, 100 de farinha, 20 de carne, 100 de verduras, 30 de arroz e 50 de frutas, transformando o centro de São Joaquim no responsável direto por 60% do abastecimento de Salvador”.

cidade. È o caso da antiga loja de Marechal Rondon159, no largo antes do fim de linha do bairro, – local inclusive reconhecido pela SESP como lugar de feira de logradouro – em frente da qual se formou uma “feirinha”, com chamam os moradores, com bancas de madeira, em que se vendem além daqueles gêneros, CD’s, DVD’s, produtos congelados, mas principalmente frutas da época. Ou das bancas permanentes na entrada da loja da Cesta do Povo no bairro de São Caetano, na Estrada Velha de Campinas. Essas feiras, anteriores ou não, a implantação das lojas, mantêm-se se relacionando com este “novo concorrente”, se alimentando da frequencia às lojas, do crédito oferecido pelo Governo do Estado da Bahia (Credicesta). E continuam atuando também conforme o “esquema” de complementaridade simbiótica (e até meio “parasita”) ao ofertar mercadorias de melhor qualidade, como farinhas, ovos de quintal, rapaduras etc., não vendidas na Cesta do Povo, ou fazendo concorrência ao vender produtos semelhantes aos vendidos pela loja do Governo.

Na cidade, as feiras “tomam conta”, como nos disse um informante, cercam ou situam, de certa maneira, os “mercados estabelecidos”. Fenômeno destacado inclusive por um entrevistado, ao se referir a como isso acontece em um município do Recôncavo da Bahia, Cachoeira. E, por sinal, bem recorrente noutros municípios160. E principalmente nos “dias de feira”, quando os prédios dos mercados são “tomados” pelas bancas. O movimento, a agitação, o burburinho está na feira. A vida está na feira. “É lá que as coisas acontecem”. Vejamos a referência feita por Fábio, feirante:

“Eu tenho assim em mente uma imagem de Cachoeira, aonde nós temos o mercado municipal e em volta do mercado uma feira. Me parece que o mercado foi construído para acabar justamente com a feira e, no entanto, a feira extrapola o mercado, e dá a volta no mercado, engolindo-o literalmente, o mercado, né? E é muito significativo a visão de Cachoeira ali, porque a alegria que você vê no espaço de fora e o movimento e a vida, você não vê essa mesma vibração no espaço interno, você vê comércios decadentes e até pendendo para coisas que não tem nada a ver com aquele espaço: a venda de produtos do Paraguai, lojas de pequenas confecções, mas algo assim bem decadente, enquanto que cá fora a coisa acontece, né?” [grifos nossos]

Pois bem, chegadas à Feira, as caixas de frutas e legumes são dispersadas da Rua da Carga e Descarga à toda Feira, tanto pelos carros-de-mão – serviço terceirizado pelo

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Hoje desativada e onde funciona uma Igreja Evangélica.

160 Mott (2000, p. 24), referindo-se aos seus trabalhos na Feira de Brejo Grande em Sergipe, comenta

sobre isso: “Nas feiras rurais, há uma distinção especial que é fundamental se levar em conta: de um lado a feira propriamente dita, ao ar livre, onde se distribuem as barracas; do outro, o mercado, um prédio coberto onde se concentra a venda de alguns produtos específicos”.

Figuras 28 e 29: Prancha e carro de mão em frente à Feira; Prancha carregada com refrigerante.

Sindicato a 13 empresas prestadoras, que cadastram trabalhadores e os fardam com coletes com indicações do nome fantasia e numeração – como pelas pranchas. Artefato recente na Feira que consiste num veículo de quatro rodas articuladas sobre um eixo dirigível por um gancho para guia, sobre o qual se assenta um retângulo de madeira resistente (a prancha), para ser controlada pelos carregadores.

Pela imagem podemos perceber que a prancha suporta mais carga, mas tal qual o carro-de-mão, exige tração humana.

“As pranchas é novidade... não tem muitos anos não, não na Feira. Não sei se nem 10 anos... coisa assim. [...] Aumenta a possibilidade de transporte de maiores cargas... tem as bombonieres, né? E é uma prancha, então... mas, antes só os carrinhos-de-mão no transporte dentro da Feira e para fora até os fretes.” (Aloísio, 58 anos, feirante há 35 anos)

Outra parte das frutas segue pelos próprios caminhões ou veículos com bagageiro para cargas até a junção com a Rua do Muro, fronteiriça com a área do Terminal de São Joaquim, sendo descarregada para o quadrante centralizado pela Rua 21 ou Galpão do quiabo. Os caixotes de madeira e caixas plásticas são utilizados para o transporte das frutas são arranjadas, quando vazias, e encostadas na Rua do Muro.

Parte das mercadorias é descarregada em outras áreas, como na proximidade da entrada do portão 01, o que gera congestionamento de caminhões. A área, conhecida como das flores, pela presença de floriculturas, é também ocupada por comerciantes de bebidas – refrigerantes, energéticos, água e afins – o que exige, segundo Cleverson, 38 anos, comerciante “novo” na Feira no ramo, uma rotatividade no suprimento ou constante reabastecimento.

Além desse ponto, parte da carga para as bombonieres e cerealistas é descarregada na proximidade do portão 02. Esses dois “pontos” de descarga são históricos problemas apontados pelos diagnósticos realizados pela prefeitura de Salvador, principalmente pelo fato deles funcionarem também como ponto de comércio, e parecer não ter ordenamento (horário, taxação, fiscalização e gestão). Bem como pelos resíduos que geram diariamente.

Para nós, parece que este traço reforça o caráter de entreposto da Feira, o quanto o espaço inchado, demanda por espaço ante as oscilações de consumo e venda ao longo dos anos, para cumprir seu papel na circulação – concentração e dispersão – de mercadorias dentro e pra fora da Feira.

Dessa forma, e isso é visível no perambular pela Feira, os pontos de concentração de mercadorias. A título de exemplo, pela manhã as ruas da carga e descarga, a entrada do portão 01 e a área do galpão das verduras (entre as Ruas 07 e 08), já referidas, concentram tantos os veículos como as cargas em processo de distribuição pela Feira e para fora dela. À tarde, no finalzinho, vemos um esvaziamento de caminhões e cargas nestas ruas e uma concentração dos utensílios de armazenagem para transporte das mercadorias na Rua do Muro. E aí, mãos a obra os “catadores”.

“Mercadoria ou produto-nervoso” é um termo utilizado pelos distribuidores para as mercadorias que têm um prazo de validade curto, e por isso demandam uma rápida distribuição para os comerciantes, a fim de que sejam logo vendidas para consumidores finais. No mundo dos produtos industrializados, o maior exemplo cotidiano está nos salgadinhos, nas batatinhas, petiscos a base de flocos de milho, condimentados e/ou fritos. Além das embalagens e promessas de sabor e prazer, estas guloseimas são disponibilizadas nos supermercados em gôndolas ou estantes estrategicamente dispostas para o consumo de impulso. Curta validade, distribuição e consumo rápidos.

Observamos em algumas visitas a Feira, quando permaneciam do início da tarde até a quase às 18 horas, o que denominamos como “atividade de manutenção e manejo dos estoques”. É a ação empreendida pelos próprios feirantes e/ou ajudantes que catam, redistribuindo, frutas miúdas, como umbu, seriguela e acerola, antes espalhadas em tabuleiros, separando as apodrecidas, murchas, machucadas, estragadas, das em melhores ou perfeitas condições. Essa atividade, motivada pela regra de “uma maçã