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É bastante comum a afirmação de que a sentença judicial constitui-se em um silogismo lógico.

Moacyr Amaral Santos, mesmo reconhecendo que rarissimamente a sentença se contém num único silogismo, por se tratar de um trabalho lógico e complexo, afirma que, "Na formação da sentença, terá assim o juiz de estabelecer duas premissas: uma referente aos fatos, outra referente ao direito. São as premissas do silogismo”.

Diz-se, assim, que a sentença, na sua formação, se apresenta como um silogismo, do qual a premissa maior é a regra de direito e a menor a situação de fato, permitindo extrair, como conclusão, a aplicação da regra legal à situação de fato.

De um modo geral assim o é. Dado que o direito regule a situação de fato acertada, a decisão será a aplicação da lei à espécie. Assim, por exemplo, no pedido de indenização resultante de ato ilícito: Premissa maior: ‘ Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano’ (Código Civil, art. 159). Premissa menor: O réu agiu com imprudência, causando 115 MOREIRA, J.C. Barbosa, 1999. p. 44.

116

ALVIM, Teresa Arruda. Nulidades da sentença. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 200.

prejuízo ao autor. Conclusão: O réu deve satisfazer o prejuízo causado ao autor.117

Calamandrei costumava afirmar que, ainda que se repita que a sentença pode ser reduzida a um silogismo, que das premissas se retira, por lógica, a conclusão, às vezes acontece de se inverter a ordem natural do silogismo, encontrando primeiro o dispositivo e depois as premissas que o justificam:

A fundamentação das sentenças é certamente uma grande garantia de justiça, quando consegue reproduzir exatamente, como num esboço topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão. Nesse caso, se a conclusão estiver errada, poder-se-á descobrir facilmente, através da fundamentação, em que etapa do seu caminho o juiz perdeu o rumo.

Mas quantas vezes a fundamentação é uma reprodução fiel do caminho que levou o juiz até aquele ponto de chegada? Quantas vezes o juiz está em condições de perceber com exatidão, ele mesmo, os motivos que o induziram a decidir assim?

Representa-se escolarmente a sentença como o produto de um puro jogo lógico, friamente realizado com base em conceitos abstratos, ligados por inexorável concatenação de premissas e conseqüências; mas, na realidade, no tabuleiro do juiz, as peças são homens vivos, que irradiam invisíveis forças magnéticas que encontram ressonâncias ou repulsões, ilógicas mas humanas, nos sentimentos do judicante. Como se pode considerar fiel uma fundamentação que não reproduza os meandros subterrâneos dessas correntes sentimentais, a cuja influência mágica nenhum juiz, mesmo o mais severo, consegue escapar?118

Este entendimento da sentença como um silogismo, porém, tem sido duramente criticado por boa parcela da doutrina, conforme veremos a seguir.

A sentença é uma operação complexa. Para a sua elaboração, como visto, são considerados diversos elementos, tanto de caráter histórico quanto social e racional. Não pode o julgador apegar-se tão somente a regras lógicas.

Dessa forma, ”a sentença não pode encerrar-se no esquema do silogismo lógico clássico”, concluindo José Rogério Cruz e Tucci que “a sentença [...] encerra em seu bojo um elemento lógico e um elemento volitivo”.119

A vontade evidencia a força obrigatória da decisão, enquanto que a razão, por sua vez, garante que a sentença não é fruto do arbítrio do julgador.

Para José Delgado, a sentença também encerra um elemento lógico e um elemento volitivo:

117 SANTOS, Moacyr Amaral, 1988, v. 2. p. 10. 118 CALAMANDREI, Piero, 1995, p. 175-176. 119 TUCCI, José Rogério Cruz e, 1987, p. 09.

A função da sentença judicial é a de consolidar a vontade do Direito na vida social. Ela transmite para a sociedade o resultado de uma função política exercida pelos Juízes com o único objetivo de fazer Justiça. No exercício dessa função, onde a autoridade judiciária deve aplicar a lei positiva, cumpre-lhe, primeiramente, a obediência estrita ao conteúdo legal da norma jurídica geral, sempre que ela se apresenta em tom categórico. Em segundo lugar, o Juiz deve interpretar a lei de modo adequado, não se afastando do princípio da legalidade, de modo que ela se adeque às necessidades das relações sociais, caso seja de caráter duvidoso o seu conteúdo normativo. Em uma etapa diversa, se existir na norma jurídica positiva alguma espécie de vazio, deve o Juiz suprir a lacuna da lei. Por último, é dever do Juiz negar eficácia à lei de caráter geral, quando ela se apresenta violadora, não só no aspecto material, como no formal, da Constituição.120

É ato de vontade, que se assenta em ato de justiça, da qual devem ser convencidas não somente as partes como também a opinião pública.

A estrutura da sentença é complexa, porque resulta da vontade e da inteligência do juiz.

Contudo, a vontade não deve superar a inteligência; ela deve ser empregada com moderação. Como o juiz não está livre das suas convicções, sua inteligência, seu conhecimento da ciência do Direito é quem deve guiá-lo para o fim almejado.

No tocante a esse pronunciamento judicial, o legislador brasileiro considerou como elemento caracterizador de tal instituto o fato de ser o ato do juiz que termina o processo. Basta saber se o ato finda o processo, sem se indagar se se analisou ou não o mérito.

Na definição do Código de Processo Civil, a sentença é o ato pelo qual o juiz põe fim ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. Há, portanto, sentenças de mérito e sentenças apenas terminativas.

O fim último do processo, no entanto, é a composição da lide, de maneira que, toda vez que o juiz encerra a relação processual sem julgar o mérito, frustrada restou a prestação jurisdicional.

O processo não existe como um fim em si mesmo, mas como um instrumento de atuação do direito material nas situações litigiosas, para manter a paz social e o império da ordem jurídica.

Só, portanto, quando compõe o conflito de interesses existente antes dele é que o processo cumpre a sua missão.

Como requisitos de uma sentença, Carvalho Santos afirma dever ser ela clara e precisa.121

A falta de um desses requisitos causa dificuldade ou impossibilidade na execução dessa sentença. Para que o julgado possa ser cumprido, deve ser exatamente compreendido. Para Pimenta Bueno, “sem uma decisão clara pode-se dizer que não há sentença”.122

De igual maneira, Pontes de Miranda defende que os requisitos essenciais da sentença são a clareza (“a sentença não clara é ininteligível, ou suscetível de suas interpretações (ambígua) ou de interpretação infixável (equívoca). Se ininteligível, é ineficaz. Mas também rescindível”123) e a precisão (“a qualidade

‘precisa’ é exigida à sentença toda, e não só ao decisum. [...] A sentença imprecisa é ineficaz e rescindível”124).

Segundo o art. 458 do CPC, os requisitos essenciais da sentença são o relatório, os fundamentos e o dispositivo:

Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:

I – o relatório, que conterá o nome das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.

Essa tríplice exigência só se aplica integralmente às sentenças e não aos demais atos judiciais em geral.125

O relatório, para Pontes de Miranda, é:

121 SANTOS, J. M. de Carvalho. Código de Processo Civil Interpretado. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. v. IX, p. 369.

122 Apud SANTOS, J. M. de Carvalho, 1964, v. IX, p. 369.

123PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1975. t. V. p. 65.

124 Idem ibidem, t. V, p. 65-6.

125 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. v. III, p. 657.

[..] a exposição, que o juiz faz, de todos os fatos e razões de direito que as partes alegaram, e da história relevante do processo. É a representação do material de que há de partir a convicção, mas do material tal como o juiz o encontrou antes, durante e depois da instrução. Há de ser resumo, com a indicação dos pontos necessários e suficientes aos fundamentos de fato e de direito que terão de ser examinados. Relatórios e fundamentos devem ser separados, sem que a mistura seja causa de nulidade, salvo se sacrifica a inteligência do decisum.

Quanto ao conteúdo do relatório, afirma que a lei é quem determina o que ele deve encerrar.126

José Carlos Barbosa Moreira entende que “o relatório deve conter todo o necessário e só o necessário”, ou seja, deve ser “enxuto”.127

Por sua vez, o juiz tira os fundamentos de fato da petição inicial, da reconvenção, da contestação, das informações orais das partes, das provas produzidas. Também extrai os fundamentos de direito, “sendo de todo indispensável que ponha claro o que pertence às partes e o que constitui convicção do juiz”.128

O decisum é a decisão, o dispositivo, a conclusão da sentença. Nele deve estar contido o pronunciamento estatal sobre a conclusão acerca da relação processual controvertida.

Muito oportuna aos fins desse trabalho palestra proferida por José Carlos Barbosa Moreira129, em que trata da sentença.

Preocupado com as sentenças que observava, desde à época em que exercia a Judicatura no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, decidiu-se por enunciar o que deve e o que não deve figurar em uma sentença.

Afirma que a cláusula final do inciso III do art. 458 foi mal redigida, pois há casos em que o juiz pode se manifestar de oficio.

126 “[...] o nome das partes, para que se individualize o processo, a suma do pedido, a defesa, ou “resposta do réu”, e o resumo dos respectivos fundamentos. O pedido, no essencial do que expôs o autor, sem que se comece, desde logo, a apreciá-lo, a defesa, tal como foi feita, porém sem ser preciso inserir-se tudo quanto é reiteração, reforçamento e revestimento do pedido. Pedidos não se resumem, mas limpam-se de considerações que não os aumentam, nem os restringem. Resumo faz- se dos fundamentos de cada uma das partes, isto é, do que pediram ao juiz.” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, t. V, p. 67).

127 MOREIRA, J.C. Barbosa, 1999, p. 45. 128 PONTES DE MIRANDA, 1975, t.. V, p. 66.

129 Palestra proferida em 19.07.1999, no Conselho de Vitaliciamento dos Juizes de 1º. Grau - TJ/RJ, e publicada na Revista da EMERJ, v. 2, n. 8, 1999, p. 42/53.

Aponta também um emprego errado do vocábulo “questões” nos incisos II e III.

Tal termo tem significado diferente nos dois dispositivos, pois, no inciso II, a palavra pode ser entendida como questões duvidosas, e, para ele, as questões duvidosas serão analisadas e resolvidas na fundamentação, “pois é nesse momento que o juiz se pronuncia sobre os pontos duvidosos, optando por determinada solução”.130

Isso porque, no dispositivo, o juiz não irá mais resolver questões: ele irá se pronunciar acerca do pedido.

Para o autor, apenas se faltar à sentença o dispositivo é que ela deixa de existir como sentença: “a sentença sem dispositivo é uma ‘não-sentença’ e nunca poderá aspirar a transitar em julgado, até porque, a rigor, não há julgado, ao passo que a falta dos demais elementos não acarretará conseqüência tão drástica”.131

No que diz respeito à fundamentação, defende que o juiz deve ter cuidado especialmente com os conceitos jurídicos indeterminados:

Em relação aos conceitos jurídicos indeterminados, é preciso que se o juiz os concretiza para a espécie que está sob seu exame. Não basta, portanto, afirmar que o homicídio foi praticado por motivo torpe, que a sentença é ofensiva aos bons costumes, tampouco que a benfeitoria foi feita para mero deleite ou recreio. É preciso descer à realidade concreta, a fim de explicar porque parece ao juiz que aquela benfeitoria seja voluptuária, isto é, só se destine ao mero deleite ou recreio, qual o motivo que in concreto impeliu o agente à prática da infração penal; enfim, é preciso que explique porque lhe pareceu torpe o motivo, e não apenas reproduzir a fórmula legal, que é abstrata. É preciso concretizar o conceito em relação àquela particular hipótese.132

O dispositivo, segundo o autor, “deve conter pronunciamento explícito sobre tudo aquilo que foi objeto do pedido (pode haver pedidos cumulados ou contrapostos, como no caso do oferecimento da reconvenção). Conclusão de sentença não pode deixar nada implícito.”133 Desse modo, o juiz está obrigado a se

pronunciar até sobre os acessórios, como honorários de advogados e custas.

130 MOREIRA, J.C. Barbosa, 1999, p. 43. 131 Idem ibidem, p. 44.

132 Idem ibidem, p. 46. 133 Idem ibidem, p. 52.

“Por fim”, afirma José Delgado, “tem-se presente a meditação de que a decisão judicial motivada não necessita se apresentar com rigorismo silogístico. Deve, contudo, ser lógica e obedecer aos deveres impostos pela legislação processual (arts. 131, 165 e 458, II, CPC) para que não infrinja o devido processo legal”.134

2.6 Da omissão e da decisão do ponto de vista dos princípios processuais: