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Do percurso evolucionário da indução, em Peirce, como correlato do realismo

No documento MARIA DE LOURDES BACHA (páginas 125-127)

1.2 A Indução em Bacon

3.2. Do percurso evolucionário da indução, em Peirce, como correlato do realismo

O desenvolvimento do tópico anterior fornece uma idéia de como foram grandes as dificuldades enfrentadas por Peirce para resolver o problema da indução, conhecido tradicionalmente como “a famosa questão de Hume”, que é usualmente descrita como a tentativa de justificar inferências relativas a eventos ou fenômenos não observados, tendo como base fenômenos ou eventos observados, ou seja, que justificativa pode haver para se inferir para casos não observados aquilo que foi descoberto para casos observados ou que justificativa pode haver para se inferir que aquilo que hoje se considera verdadeiro continuará a ser verdadeiro para casos ainda não observados?

Como já foi comentado nos capítulos anteriores, houve várias tentativas em diferentes épocas da história da ciência para resolver a questão da indução, mas não se encontrou nenhuma que merecesse aprovação universal. O processo indutivo consiste, num primeiro momento no cálculo de quais observações devem ser feitas, em condições que sejam relevantes, para se verificar se uma hipótese é verdadeira, garantindo-se que aquelas condições sejam preenchidas. Se as observações confirmarem o que estava previsto, disso resulta a aprovação da hipótese. Para Peirce, se submetermos a escolha e a confirmação da hipótese a regras metodológicas e à pratica do método científico, chegaremos eventualmente à verdade. Na sua fase madura ele vai definir indução como:

A verdadeira garantia da indução é que é um método de se chegar a conclusões que, se persistido suficientemente, certamente corrigirá qualquer erro relativo à experiência futura para a qual ele pode nos conduzir temporariamente. Isso ele não fará em virtude de qualquer necessidade dedutiva (uma vez que ele nunca usa todos os fatos da experiência mesmo os do passado), mas porque é manifestamente adequado, com a ajuda da retrodução e de deduções a partir de

263 F. Michael (1988), “Two Forms of Scholastic Realism in Peirce‟s Philosophy”, in Transactions of The Charles S. Peirce Society, Summer, vol.

XXIV, n.3, pp.317-348, levanta outros pontos na evolução do realismo em Peirce. Segundo ele, até 1868 havia nos textos de Peirce um monismo mal resolvido, e a definição do real entra em conflito com a visão de que nossas sensações têm sua fonte em algo independente do pensamento. Em 1871, Peirce nega que exista qualquer distinção entre singulares e gerais e adota um monismo neutro. Em 1873, Peirce ainda acredita que realismo e nominalismo sejam compatíveis e adota um monismo metodológico, restringindo a esfera da investigação admissível àquele dentro da experiência humana. Em 1878 Peirce trabalha a questão do “ideal first”, que é singular e fora da consciência como fonte de cognições. Em 1883, Peirce usa pela primeira vez os quantificadores. Em sua nova lógica, sujeito e predicado não denotam o mesmo tipo de coisa ou classe. Os predicados são sempre símbolos incompletos. A incompletude dos predicados também é discutida em 1892 na passagem CP 3.420. A partir de 1887, Peirce explicitamente deixa de associar nomes comuns de classes, termos, assimilando-os a verbos (CP 3.454-3.460), o que vai levar à sua nova teoria das categorias. Nesta visão o real é independente da cognição e investigação, e as categorias não são somente categorias da cognição, mas também categorias do mundo externo.

sugestões retrodutivas, para descobrir qualquer regularidade que possa haver nas experiências.264

Mas para chegar neste ponto, houve um longo caminho com muitas dificuldades a serem resolvidas tais como a validade das inferências sintéticas, a justificativa da indução, a questão da auto-corrretividade, a teoria das probabilidades, a questão do long run e o pragmatismo.

Em verdade, a legitimação da indução, na Filosofia peirceana, depende, fundamentalmente, de uma complexa discussão sobre a validade ontológica do conceito de lei. No que respeita ao conceito de verdade, não menos complexo que o de lei, carece-se, pelo menos, do desenvolvimento da idéia de Evolucionismo presente no sistema do autor. Este imbricamento íntimo de diversas teorias torna o termo sistema legitimamente utilizável quando se refere à Filosofia de Peirce: talvez ele seja o último filósofo sistemático deste século.265

De forma resumida, pode-se dizer que, inicialmente Peirce justificava a indução como sendo um silogismo e tanto a indução como a hipótese eram válidas, mas não absolutamente confiáveis (truth preserving). Mais tarde, a justificativa vai ser explicada como uma forma inversa da dedução probabilística e posteriormente, a validade da indução vai sendo cada vez mais reforçada por seu caráter auto-corretivo: a pressuposição de que o caráter daquilo que já foi observado, sob certas circunstâncias, é uma evidência mais ou menos confiável do caráter daquilo que não foi observado, mas o resultado das inferências ampliativas com base em amostragem é apenas experiencial e provisório, e a longo prazo nossa inferência, que “era apenas provisória, será corrigida finalmente”. Ou, nas palavras de Peirce:

Por exemplo, acredita-se que a indução postula que, se uma sucessão indefinida de amostras for extraída, examinada e reposta antes que novas amostras sejam extraídas, então, a longo prazo, cada grão será separado com a mesma freqüência que qualquer outro, ou seja, postula que a proporção do número de vezes em que quaisquer dois grãos serão separados será indefinidamente próxima à unidade. Contudo, tal postulado não é feito; pois, se por outro lado, não nos for dada nenhuma outra experiência do trigo senão por meio destas amostras, é a proporção que se apresenta nestas amostras, e não a proporção que pertence ao trigo em sua existência latente, que estamos procurando determinar; ao passo que, se, por outro lado, houver alguma outra forma por meio da qual o trigo possa chegar a nosso conhecimento, equivalente a outra forma de amostragem, de maneira que após todo nosso cuidado em misturar o trigo alguns grão experimentais apareçam na primeira

264 CP 2.769 de 1905.Tradução nossa, a passagem completa original é a seguinte: “The true guarantee of the validity of induction is that it is a

method of reaching conclusions which, if it be persisted in long enough, will assuredly correct any error concerning future experience into which it may temporarily lead us. This it will do not by virtue of any deductive necessity (since it never uses all the facts of experience, even of the past), but because it is manifestly adequate, with the aid of retroduction and of deductions from retroductive suggestions, to discovering any regularity there may be among experiences...”

265 I. Ibri (1997), “Do Caos Ao Cosmos: Reflexões sobre a Possibilidade da Semiótica, in Caderno de Filosofia e Semiótica vol.1, pré-print, PUC-

operação de amostragem com maior freqüência do que outros a longo prazo, este fato muito singular será certamente descoberto pelo método indutivo, que deve beneficiar-se de todo tipo de experiência; e, nossa inferência, que era apenas provisória, será corrigida finalmente.266

A seguir estaremos dando prosseguimento à explicação do conceito de indução na obra de Peirce, usando como base a terminologia e as fases desenvolvidas por Fisch em “Peirce‟s Progress from Nominalism toward Realism” que o divide em quatro fases: “nominalista” (1867- 1868), primeiro passo em direção ao realismo (1868), segundo passo em direção ao realismo (1871), período Pré-Monist 267 (1871-1890), e período Monist (1891-1914).

No documento MARIA DE LOURDES BACHA (páginas 125-127)