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Do postulado dos processos metafóricos e metonímicos

GENUÍNO É BARNEY

1. Do postulado dos processos metafóricos e metonímicos

No segundo capítulo, abordei os processos metafóricos e metonímicos como mecanismos independentes na produção do significado. Com base nos postulados teóricos propostos pela TMC e TIC, o processo metafórico, neste estudo, foi visto como fenômeno conceitual, com projeção sistemática de inferências de um domínio a outro. Constitui uma rede de integração composta de quatro espaços, com combinação de elementos de conceitualizações familiares, unidos de forma nova, gerando as denominadas metáforas criativas. Assim, ao visualizar o processo metafórico pela proposta da TIC, tive a oportunidade de privilegiar o aspecto criativo desse processo, ou seja, as estruturas emergentes das relações metafóricas. Como minhas análises evidenciaram, nas três charges escolhidas para este trabalho, deparei-me com as denominadas metáforas criativas, criadas para aquele contexto específico. Na charge Dilmóquia, por exemplo, destaquei para investigação as metáforas LULA É GEPETO, DILMA É PINÓQUIO e SERRA É O GRILO FALANTE. Metáforas que não encontramos em nossa vida diária, mas produzidas especificamente para a cena retratada pelo chargista.

Dessa forma, a escolha pela TIC fez-se pertinente, pois, com a sugestão de que esse tipo de mesclagem produz uma cena integrada, fui capaz de unir dois espaços distintos,

resultando nas metáforas multimodais identificadas. Logo, como a metáfora LULA É GEPETO demonstrou, foi por meio do mapeamento de alguns elementos de dois espaços distintos, Gepeto e Lula, visto neste trabalho como domínio fonte e alvo, respectivamente, que o espaço mescla foi criado, resultando na fusão da identidade de ambos. Assim, produziu-se uma rede de integração, possibilitando a criação de uma cena integrada que, por sua vez, permitiu a construção do sentido provocado pela mesclagem. Isto é, com a integração de Dilma e Pinóquio, autorizada pela metáfora DILMA É PINÓQUIO, Dilma é conceitualizada, na primeira análise, como marionete viva, comandada pelo seu pai, Lula.

O conceito de metáfora multimodal proposto por Forceville (1996, 2008, 2009) permitiu identificar a ocorrência de metáforas em outros registros, além do verbal. No entanto, diferente do autor que se dedica apenas à análise das metáforas multimodais do tipo verbo- visual, advoguei a favor da ocorrência desse tipo de metáfora em outros modos, além do verbo- visual, como também por meio da articulação de diferentes modos em seus domínios fonte e alvo. Retomo a charge construída para a representação da derrota da seleção de futebol brasileira, no ano de 2010, apresentada na segunda análise. Nessa charge, a metáfora DUNGA É O BURRO FALANTE é um exemplo da possibilidade de sobreposição de diversos modos semióticos em seus domínios. No domínio-fonte, burro falante, temos os modos sonoro, pictórico, falado, escrito e imagem em movimento. Por outro lado, o domínio-alvo, Dunga, resulta da articulação dos modos sonoro, pictórico e falado. Esse fenômeno é recorrente em todas as metáforas elencadas para análise, pois cada domínio fonte e alvo dessas metáforas foi construído por meio de elementos oriundos dos diferentes modos semióticos utilizados na construção das charges apresentadas.

No que se refere ao processo metonímico, passei a compreendê-lo pela perspectiva de Radden e Kövecses (1999), Jakobson (1956, 2003), Barcelona (2003), em conjunto com as propostas de Paiva (2010, 2011, 2012). Essa postura me possibilitou pensar de forma mais abrangente sobre esse processo, ampliando minhas possibilidades de análise. Como colocado na seção dedicada à metonímia, ainda não há um consenso em seus estudos, mas existe a consideração de que ela consiste no mapeamento em um mesmo domínio conceitual. Unindo as perspectivas desses autores, passei a considerar a metonímia como uma entidade conceitual, veículo, que promove acesso mental a outra entidade conceitual, alvo, em um mesmo MCI, ou seja, em um mesmo espaço. Diante disso, é através de algumas relações entre os elementos de um mesmo espaço que os processos metonímicos são criados, sendo essas relações colocadas em duas configurações gerais: TODO pela PARTE, PARTE pelo TODO ou PARTE pela PARTE.

Ao compreender o processo metonímico dessa forma, passei a analisar a presença desse processo em cada um dos espaços de inputs das metáforas destacadas. Isto é, considerei que, com base em Barcelona (2003) e Paiva (2010, 2011, 2012), antes do mapeamento dos elementos desses espaços ao espaço mescla, há ativação, destacamento e mapeamento no interior de cada um desses espaços. Questão comprovada pelo fato de o mapeamento metafórico ser parcial e não total.

Finalmente, o arcabouço teórico desses autores também me permitiu compreender as relações metonímicas presentes entre os elementos de cada um desses espaços, por meio das propriedades contíguas, fractalizada e recursiva. Adicionando a essas propriedades a notação proposta por Radden e Kövecses (1999).

A partir dessas pressuposições, voltei minha atenção para a forma como cada uma dessas propriedades atua no processo metonímico. Observei que a propriedade contígua torna, nesse contexto, todos os elementos desses espaços próximos. Fato observado, por exemplo, na metáfora DILMA É PINÓQUIO, em que os elementos “boneco de madeira” e “marionete viva”, no espaço Pinóquio, são contíguos, embora possam parecer contraditórios. Assim, como advoga Jakobson (1956, 2003), essa propriedade, presente na formação do processo metonímico, faz com que todos os elementos desse processo sejam contíguos, próximos.

Prossegui minhas análises demonstrando a presença da propriedade recursiva. A partir dessa propriedade, com base em Paiva (2010, 2011, 2012), analisei a relação entre os elementos desses espaços como recursiva, ou seja, não linear. Como meu estudo demonstrou, a recursividade se faz presente em cada um dos espaços apresentados, pois não é apenas o TODO que é ativado por uma de suas PARTES, mas essas PARTES também podem ser ativadas pelo TODO. Assim, como minha proposta de estudo demonstrou, na metáfora DUNGA É O BURRO FALANTE, podemos recuperar TODO o espaço Dunga através da PARTE “ex-técnico da seleção brasileira”, assim como essa PARTE pode ser recuperada por TODO o espaço Dunga. Como demonstrei no transcorrer da minha pesquisa, a recursividade está presente em todos os espaços de inputs das metáforas analisadas.

A propriedade fractalizada nos demonstrou como os elementos metonímicos funcionam como hiperlinks na ativação de uma cena maior. No espaço Gato de Botas, por exemplo, cada um de seus elementos, produzidos por diferentes modos, permite-nos alcançar a história de Shrek como um todo. Com a característica da autossimilaridade dos modelos metonímicos, podemos trabalhar com uma de suas PARTES, ou com o modelo como um TODO que não teremos mudança de sentido. Fato que foi observado no espaço Lula, pois não importa se a abordagem é feita a partir do modelo como um todo, ou uma de suas partes, como

cofundador do PT, porque estamos no mesmo domínio, sem alteração de sentido. Finalizei com a análise do processo metonímico com a notação X + Y, que confere a esse processo uma complexidade maior ao seu sentido. Logo, no espaço Dilma, a relação PARTE pelo TODO, em candidata a presidente por Dilma, não é uma mera substituição, mas Dilma era a favorita de Lula, presidente na época, com alto índice de aprovação.

Com a afirmação de que o processo metonímico está presente nas relações entre os elementos dos espaços que serviram de domínios fonte e alvo das metáforas apresentadas, valida-se a interação entre esses processos. A seguir, discuto esse fenômeno e sua ocorrência nas análises desenvolvidas.