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2.1. O processo metafórico da perspectiva tradicional ao multimodal e gestual

2.2.3. A metonímia pela ótica dos fractais

A Geometria Fractal foi inventada pelo matemático francês Benôit Mandelbrot com a finalidade de descrever e analisar a complexidade das formas irregulares do mundo natural que nos cerca. Para Mandelbrot (1982) “nuvens não são esferas, montanhas não são cones, litorais não são círculos, a casca de uma árvore não é lisa, nem o raio viaja em linha reta” (MANDELBROT, 1982, p. 01)14. Assim, opondo-se à geometria euclidiana, que abordava os objetos da natureza a partir de formas geométricas simples, sendo essas formas trabalhadas a partir de dimensões inteiras, como um ponto (dimensão zero), uma linha (dimensão 1), quadrados e seções de planos (dimensão 2) e cubos e esferas (dimensão 3); o matemático introduziu a noção de dimensão não inteira. Para isso, cunhou o termo fractal que vem do latim fractus, com o verbo correspondente frangere, significando quebrar, criar fragmentos irregulares. O autor passa a conceitualizar os “monstros matemáticos”, nome atribuído por ele às formas que foram negligenciadas por matemáticos anteriores, de fractais. Um questionamento colocado pelo matemático é: “Qual é o comprimento do litoral da Inglaterra?”.

14 Clouds are not spheres, mountains are not cones, coastlines are not circles, and bark is not smooth, nor does

De acordo com ele não há uma resposta bem definida para essa questão, já que o comprimento medido pode ser estendido de forma indefinida se considerarmos escalas cada vez menores.

As propriedades que caracterizam um fractal são a auto-semelhança, a complexidade infinita e a sua dimensão. A primeira propriedade é identificada quando uma porção, de um contorno ou figura, pode ser vista como uma réplica do todo, em uma escala menor. A segunda propriedade, a complexidade infinita, refere-se ao fato do processo de geração da figura, como fractal, ser recursiva, ou seja, o objeto fractal pode ser ampliado inúmeras vezes, nunca se obtendo a imagem final. Por último, a sua dimensão que não possui um valor necessariamente inteiro, podendo ser um número fracionário.

Uma das formas fractais estudadas pelo autor é a denominada curva de Koch, ou curva de floco de neve. Nessa operação geométrica temos a divisão de uma linha em três partes iguais e a substituição da seção central por dois lados de um triângulo equilátero. Com a repetição dessa operação muitas e muitas vezes, em escalas cada vez menores, temos a criação de uma curva de floco de neve. Como ocorre com uma linha litorânea, essa curva é infinitamente longa:

Figura 10 – imagem do floco de neve (Fonte: http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm99/icm14/koch.htm.

Acesso em: 22 fev. 2013)

Outros exemplos de figuras fractais podem ser encontrados em grande quantidade na natureza, como a couve-flor, as folhas e copas das árvores, cristais e nuvens. Como também podem ser produzidos artificialmente através de um algoritmo matemático. A forma fractal também pode ser encontrada em vários tecidos do corpo humano, como a estrutura fractal do

sistema circulatório, nervoso e linfático. Em cada um desses exemplos, quando cada parte é analisada, verifica-se sua semelhança com o todo.

Paiva (2010) afirma que ao trabalharmos o processamento metonímico a partir da perspectiva fractal, teremos uma grande mudança na forma pela qual esse processo é visualizado por muitos autores que se dedicam ao seu estudo. Isso ocorre pelo fato de, como a autora argumenta, não o entendermos apenas como a mudança de nome, mas como uma mudança de escala, já que não estamos nomeando uma coisa por outra, mas a mesma coisa vista em uma dimensão fractalizada, sem que para isso perca-se a dimensão do todo. Como exemplo, ela nos oferece o caso do capelo que é visto como uma pequena dimensão da imagem de uma formatura. O capelo nos remete ao formando, que remete à cerimônia de formatura, que remete ao final de um processo. Outra mudança, nessa forma de ver a metonímia, está no aspecto de contiguidade, já que, segundo a pesquisadora, a relação estabelecida é de recursividade, ou seja, “um aspecto projeta o todo de um mesmo domínio, ou integra um outro domínio permitindo conceituar uma outra coisa, ou seja, metaforizar” (PAIVA, 2010, p.11). No entanto, como demonstrarei, acredito que tanto a contiguidade quanto a recursividade estão presentes no processo metonímico.

Como foi possível observar nessa seção, houve um aumento significativo de trabalhos, no campo da Linguística Cognitiva, dedicados ao processo metonímico. No entanto, como advoga Barcelona (2003), não há uma definição clara de metonímia, o que há é o consenso de que ela consiste em um mapeamento no mesmo domínio experiencial ou estrutura conceitual. Diante disso, julgo necessário deixar claro o conceito metonímico que será utilizado no desenvolvimento desta pesquisa. Tomarei como base a conceitualização proposta por Radden e Kövecses (1999), assim a metonímia será definida como uma entidade conceitual, o veículo, que promove acesso mental a outra entidade conceitual, o alvo, em um MCI. Dessa forma, a estrutura conceitual em que a metonímia é compreendida é abordada por meio de um MCI, isso quer dizer que é a partir de algumas relações estabelecidas em um MCI que os processos metonímicos serão construídos, sendo que, de acordo com Radden e Kövecses (1999), as relações responsáveis pela produção das metonímias podem ser colocadas em duas configurações conceituais gerais:

MCI total e suas partes (todo MCI pela parte ou o inverso)

partes de um MCI (acessamos uma parte a partir de outra parte, tendo como background todo o MCI)

Articulando as propostas de Radden e Kövecses (1999) aos trabalhos de Jakobson (1956, 2003) e Paiva (2010, 2011, 2012) o processo metonímico será visto com as seguintes propriedades: contiguidade, recursividade, fractalizada e pela notação de X + Y. A seguir discorro sobre cada uma delas.

A propriedade de contiguidade está presente na formação desse processo. Essa relação não é nova, já que desde Jakobson (1956, 2003) havia o postulado de que o polo sintagmático, relacionado à metonímia, baseia-se na contiguidade. Devo destacar que essa relação é, como Croft (2003) coloca, pautada em nossa experiência, ou seja, colocamos as entidades como contíguas, próximas, com base na experiência que possuímos.

Com base em Paiva (2010) tem-se a segunda propriedade: a recursividade. Da mesma forma que ocorre em um sistema complexo, as entidades de um modelo metonímico possuem organização recursiva. Com isso, por exemplo, a PARTE pode ser projetada sobre o TODO, como esse sobre a PARTE, como também PARTE ou TODO podem ser projetados a outro domínio. Paiva (2010) afirma que por meio dessa operação um aspecto pode ser projetado ao TODO de um mesmo domínio ou integrar outro domínio, permitindo a conceitualização de outra coisa, ou seja, a metaforização.

A terceira propriedade, a fractalizada, também proposta por Paiva (2010, 2011, 2012), faz com que, em um modelo metonímico, a mesma coisa seja vista em escalas diferentes. De acordo com a pesquisadora, a propriedade fractal funciona como hiperlink para uma cena maior, como se, por exemplo, um sintagma ou uma imagem representassem um ponto em uma cena com a capacidade de gerar toda a cena. Para a autora, a característica da similaridade dos fractais, questão apresentada anteriormente, faz com que a mudança no tamanho da cena e do número de elementos, isto é, mudança de escala não altere o sentido. Com essa propriedade gestos, palavras, imagens e sons funcionam como hiperlinks que, quando acionados, nos remetem a outros domínios conceituais de onde são partes integrantes. Neste contexto, a metonímia passa a ser abordada não como mudança de nome, mas de escala, pois é a mesma coisa em uma dimensão fractalizada sem perder a dimensão do todo.

Tendo como base o trabalho de Radden e Kövecses (1999), postulo que a relação de substituição, refletida na notação X representa Y, deve ser trocada pela notação X mais Y, fazendo com que haja uma inter-relação que produz um novo significado, mais complexo. Com essa mudança, não teremos apenas a CAUSA POR EFEITO, ou a PARTE PELO TODO, mas a sua soma mais o contexto.

Nesta primeira parte teórica foquei em estudos que abordam metáfora e metonímia como processos independentes na produção de sentido. Porém, há um número significativo de

trabalhos que demonstram a dependência desses processos. Diante disso, o próximo capítulo terá como foco a interação metafórica/metonímica.

3.0 UM OLHAR SOBRE AS INTERAÇÕES