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2.2 Do Surgimento e Revivescência da Economia Solidária: um

2.2.1 Do Revivescimento

Conforme o modo de produção capitalista vinha se consolidando na Europa, as cooperativas por razões política e de interesses dos próprios cooperados, foram também perdendo suas características originárias e se moldando ao padrão capitalista e, portanto “seria falso contabilizar todo este êxito no ativo da Economia Solidária” (SINGER, 2003a, p. 120).

Verifica-se então que na primeira metade do século XX, a maior parte dos empreendimentos de cooperativas estava se transformando em empreendimentos convencionais capitalista, muito “embora homenageasse em seu nome ‘cooperativa’ e em ocasiões solenes o seu mito de origem: a autogestão” (SINGER, 2003a, p. 121).

É importante destacar que houve um longo intervalo entre os antecedentes históricos da Economia Solidária e o seu ressurgimento nas últimas décadas do século XX. Por outro lado, como modo de produção, as cooperativas não deixaram de existir, permaneceram se multiplicando nos países. Porém, não como empreendimentos autogestionários, ou seja, não enquanto modo de produção distinto do capitalista. Há quem sustente que o fator o qual ensejou a transformação das cooperativas em empreendimentos tipicamente capitalistas, ou seja, que causou a sua degeneração, do ponto de vista da economia solidária, foi o seu próprio êxito econômico, como se grandes empreendimentos econômico não tivessem qualquer resistência ao chamado “isoformismo institucional” (SINGER, 2003a).

Assim, convém ressaltar que, durante os 30 anos dourados que se seguiram à Segunda Guerra, foi possível a reconciliação da classe trabalhadora com o assalariamento. Foi outorgado o direito à cidadania para aqueles que viviam do próprio trabalho, especialmente nos países centrais.

Em fins dos anos 1970, como nos indica Antunes (2005, p. 15):

A crise experimentada pelo capital, bem como suas respostas, das quais o neoliberalismo e a reestruturação produtiva da era da acumulação flexível são expressão, tem acarretado, entre tantas conseqüências, profundas mutações no interior do mundo do trabalho. Dentre elas podemos inicialmente mencionar o enorme desemprego estrutural, um crescente contingente de trabalhadores em condições precarizadas, além de uma degradação que se amplia, na relação metabólica entre homem e natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a produção de mercadorias e para a valorização do capital.

Conforme esclarece Singer (2004, p. 8):

Tanto na sua origem, na primeira metade do século XIX, como em seu recente ressurgimento, a economia solidária mais uma vez constitui uma resposta ao agravamento da crise do trabalho (desde 1980) e da crescente insatisfação com o desempenho do sistema público de seguridade social.

Em razão da crise, de proporções mundiais as quais se refere Singer, a teoria e as práticas cooperativas têm suscitado um renovado interesse que desafia o prognóstico pessimista sobre a viabilidade econômica das cooperativas, tendo recuperado os princípios centrais do pensamento associativista. Dessa forma, por todas as partes do mundo, acadêmicos, ativistas e governos progressistas têm recorrido de forma crescente à tradição de pensamento e organização econômica cooperativa, buscando renovar a tarefa de criar alternativas econômicas. Esse movimento é evidenciado quando se analisa a bibliografia sobre o tema, tanto no âmbito dos países centrais – onde são crescentes as análises teóricas

sobre a democracia associativa e o cooperativismo (HIRST, 1994; BOWLES; GINTS, 1998 apud SANTOS, 2002) bem como os estudos de caso relacionados a experiências cooperativas de trabalhadores bem sucedidas (WHYTE; WHYTE, 1988; ROTHSCHILD; WHITT, 1986 apud SANTOS, 2002) ou mal sucedidas (RUSSEL, 1985 apud SANTOS, 2002) – quanto na semiperiferia e na periferia, onde surgem as discussões a respeito de desenvolvimento alternativo, as cooperativas e outras estruturas associativas têm sido vistas como formas idôneas de canalizar as iniciativas populares(FRIEDMAN, 1992 apud SANTOS, 2002).

O renovado interesse pelas cooperativas, na América Latina, expressa-se por meio das propostas da Economia solidária, que é o setor da economia a que correspondem essas novas formas de produção associativa, que surgem a partir da retomada dos princípios cooperativistas originais (SINGER, 2003b).

Na visão de Santos (2002), as condições econômicas e políticas contemporâneas tornam o estudo e a promoção das cooperativas de trabalhadores uma tarefa promissora para a criação de alternativas de produção emancipadoras em função de quatro razões: a) por seus princípios intrínsecos de organização, inerentes à estruturas não capitalistas e, simultaneamente, sua capacidade de operação em uma economia de mercado; b) devido as suas características, tornam-se mais eficientes em razão da motivação moral e material dos sócios, além de sua capacidade de adaptação diante dos mercados instáveis e fragmentados; c) em razão da forma democrática que ocorre a distribuição da renda dentro dos empreendimentos cooperativos. No caso da realidade da América Latina, tal fato estimula o crescimento econômico e diminui os níveis de desigualdade; d) por reforçar os vínculos sociais, estendendo o princípio de cidadania à gestão dos empreendimentos.

Dentre as razões já apresentadas, há de se ressaltar o entendimento de Santos (2002), de que as cooperativas são também uma forma de reconstituição do tecido social, tão esgarçado pelas desigualdades sociais geradas pelo capitalismo. Nas palavras de Santos (2002, p. 37),

[...] as cooperativas de trabalhadores geram benefícios não econômico para os seus membros e para a comunidade em geral, que são fundamentais para contrariar os efeitos desiguais da economia capitalista. As cooperativas de trabalhadores ampliam a democracia participativa até o âmbito econômico e, com isso, estendem o princípio de cidadania à gestão das empresas. Semelhante ampliação da democracia tem efeitos emancipadores evidentes, por cumprir a promessa da eliminação da divisão que impera hoje entre a democracia política, de um lado e o despotismo econômico (isto é, o império do proprietário sobre os trabalhadores no interior da empresa), do outro.

Nesse sentido, fica evidenciado que acadêmicos, ativistas e governos progressistas de várias partes do mundo vêem na retomada da Economia Solidária a possibilidade de que esta venha a ser uma alternativa de produção emancipadora, sendo vista para alguns grupos como uma alternativa ao modo de produção capitalista.