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1.3 Aspectos do Reflexo da Crise no Brasil e no seu Mercado de Trabalho

1.3.1 Do Mercado de Trabalho

Ao iniciar nossa discussão sobre os principais aspectos das transformações que vêm ocorrendo no mercado de trabalho brasileiro propriamente, cabe trazermos o conceito de

mercado de trabalho que nos é dado por Souza et al. (2002, p. 5), como:

A relação contratual de compra e venda da força de trabalho é o que caracteriza o mercado de trabalho, visto que o mercado configura-se como o espaço, o ambiente ou a possibilidade de comercialização de uma mercadoria. No caso a mercadoria comercializada é a força de trabalho [...]. Neste sentido, esse mercado, na sociedade capitalista caracteriza-se pelas relações de troca, mediadas pela moeda, que permeiam o trabalho como mercadoria a ser comercializada como forma de viabilizar a subsistência do trabalhador.

A década de 1990 configura-se como um divisor de águas na trajetória dos principais indicadores da situação do trabalho no Brasil. Segundo dados do DIEESE (2005), após cinqüenta anos de progressivo aumento no trabalho assalariado e formalização das relações de trabalho, houve drástica regressão no mercado de trabalho, evidenciado através do aumento do desemprego, crescimento de vínculos de trabalho vulneráveis, queda dos rendimentos.

Outro indicador a ser considerado é o aumento da insegurança no emprego. O que antes era um paradigma de relações de trabalho, o emprego por tempo integral, de longa duração, protegido pela legislação trabalhista e pelos contratos de trabalho acordados pelos sindicatos, passa na década de 1990, por um implacável ataque. Cresce o assalariado sem carteira assinada, o trabalho de autônomos que operam em condições precárias, o emprego doméstico, a ocupação de crianças e idosos. O núcleo protegido dos empregos diminui e aumenta a margem dos vulneráveis. Nesse sentido, considerando as associações de catadores de recicláveis de Natal, que constituem objeto de estudo da nossa pesquisa, cabe um olhar para a vulnerabilidade das condições de trabalho dos seus catadores, reflexo de todo este quadro de precarização do trabalho.

A insegurança se amplia também em relação à renda, resultado da queda de tributação, de rendas indiretas, mas, sobretudo, porque o mercado de trabalho se precarizou, deixando a remuneração de amplos segmentos da população à mercê de flutuações selvagens da atividade econômica, das taxas de juros e do câmbio.

Instala-se o reino da precarização das relações de trabalho. No Brasil, muitos atribuem esse processo à rigidez dos direitos trabalhistas brasileiros, o que entendemos ser um grande equívoco, haja vista que os dispositivos legais que foram consolidados desde 1943 por sí só não seriam a causa maior da inviabilização da nossa inserção em um mundo globalizado. Talvez, propositadamente não articulem tal desfecho ao ressurgimento da abordagem liberal que corrói direitos trabalhistas, exige à abertura econômica, a

sobrevalorização da moeda, a estagnação econômica, uma política econômica que privilegia o rentismo e não gera condições de crescimento para o capital produtivo, esvaziando as políticas sociais e de infra-estrutura.

Cabe destacar ainda a política de desvalorização do salário mínimo, que constitui também indicador da situação de pobreza e exclusão social de amplos segmentos da população e que vem sendo colocada em prática em nosso país há algumas décadas.

O valor do salário mínimo teve apenas insignificantes e eventuais aumentos em seu valor real. Ainda conforme o DIEESE (2005), no final da década de 1980, a média anual dos valores do salário mínimo correspondia a 40,7% do valor real que possuía em São Paulo em 1940, época de sua instituição. Naquele tempo, o salário mínimo equivalia a 3,7 salários mínimos de 1999, cerca de 63% dos ocupados neste ano receberam menos do que um salário mínimo de 1940. Ou seja, 2/3 da população ocupada em 1999 receberam como remuneração por seu trabalho menos do que um salário mínimo de 60 anos atrás, a despeito da industrialização, do aumento da riqueza gerada e de todo o processo de desenvolvimento alcançado no país nesse período.

O rebaixamento sistemático do salário mínimo viabilizou a dispersão entre os rendimentos do trabalho que não encontra paralelo no mundo. Conseqüentemente, a apropriação, por uma minoria, da renda gerada é de uma injustiça flagrante. Poucos ganham muito, enquanto a maioria recebe o mínimo ou próximo dele.

Assim sendo, o perfil delineado pelo processo de reestruturação produtiva no Brasil tem contribuído para a acentuação das características perversas do modelo de desenvolvimento econômico instaurado no país a partir de 1955, quais sejam: heterogeneidade produtiva e tecnológica entre grandes e pequenas empresas, segmentação do mercado de trabalho, alto grau de concentração de renda e conseqüente exclusão social.

Os impactos da reestruturação produtiva, aliados à mundialização financeira e ao desmantelamento dos direitos trabalhistas, engendram e intensificam alterações no mercado de trabalho, de cunho negativo, na sua maioria.

Segundo Pochmann (2000), o mercado de trabalho brasileiro apresenta dois momentos distintos: o primeiro equivale à sua estruturação, nos marcos das décadas de 1940 a 1970, caracterizada pela expansão dos empregos assalariados com registro no segmento organizado, redução do desemprego, de ocupações sem registro, sem remuneração e por conta própria, tudo isso conseqüência do processo de industrialização e institucionalização das relações de trabalho, materializada na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que entrou em vigor no ano de 1943. O momento seguinte, isto é, pós-1980, aponta na direção da

desestruturação, traduzida na inversão das características do período que o antecedeu. Esta desestruturação ocorre em decorrência da estagnação econômica, hiperinflação e dos impactos perversos dos planos de ajustes preconizados pelas agências multilaterais, orientados para a geração de saldos na balança comercial para pagamento dos serviços da dívida externa, estabilização monetária e privatizações das empresas estatais.

Em relação aos anos 1990, os sinais de desestruturação do mercado de trabalho são mais evidentes. Em cada dez ocupações geradas, apenas duas eram assalariadas, ante oito não assalariadas, sendo quase cinco por conta própria e três sem remuneração. Observa-se um movimento de dessalariamento provocado fundamentalmente pela eliminação dos empregos com registro e crescimento dos empregos assalariados sem registro. Concomitante ao dessalariamento, ocorre o crescimento da subutilização da força de trabalho, conseqüência do desemprego.

Conforme nos relata Pochmann (2000), a estrutura ocupacional do mercado de trabalho brasileiro é bastante heterogênea, expressa-se na segmentação dos ocupados por ramo de atividade econômica e a posição que nela ocupam. Conforme dados do DIEESE (2005), em que pese as alterações no mercado de trabalho, predomina a contratação sob forma assalariada (58,7%), a qual coexiste com uma expressiva parcela de trabalhadores por conta própria (23,2%), assim como com trabalhadores não remunerados em negócios da família e até mesmo em atividades não remuneradas de subsistência.

Além da heterogeneidade, a estrutura ocupacional do mercado de trabalho caracteriza-se também pela fragilização, evidenciada na constituição da maior parte da força de trabalho ser absorvida pelo setor de serviços, que reúne 41,2% dos ocupados, seguido dos setores primário, com 24,2%, e secundário, com 12,7%; pelo crescimento das relações de trabalho desregulamentadas, incluindo-se nesta relação trabalhadores autônomos e domésticos. No entanto, vale ressaltar que a expansão da participação relativa do setor terciário não responde pela totalidade da absorção dos trabalhadores que perderam postos de trabalho nos outros setores.

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílio (PNAD) referentes ao ano de 1999, compilados pelo DIEESE (2005) e relacionados à população economicamente ativa, evidenciam que esta população está concentrada em três regiões – Sudeste, Nordeste e Sul, e é constituída por jovens adultos na faixa de 20 a 39 anos. Entretanto, em se tratando da participação relativa total dos empregos, verifica-se uma redução dos trabalhadores mais jovens. A escolaridade registrada é de menos de oito anos de estudo e do sexo masculino.

empregos regulares e regulamentados restringem às empresas com menos de 500 empregados. Enquanto isso, houve redução relativa no total dos empregos com menos de cinco anos de serviço numa mesma empresa.

As taxas expressivas de desemprego aberto nos anos 1990 confirmam os limites da absorção contínua das ocupações no mercado de trabalho não-organizado, sinaliza também uma fase em que o emprego regular e regulamentado encontra-se deslocado da centralidade das políticas macroeconômicas. Em substituição àquelas, são demandadas políticas públicas de emprego, que Pochmann (2000) chama de políticas ativas e compensatórias, ou de ativas e reativas ou passivas pelo DIEESE (2005), porém o conteúdo é similar.

As políticas de emprego ativas conforme o enunciado de Pochmann (2000, p.115):

Representam um conjunto de medidas direcionadas à elevação da quantidade de postos de trabalho, principalmente as medidas que atuam sobre os fatores determinantes da demanda da mão-de-obra, como a expansão das atividades econômicas que usam mais intensivamente o trabalho.

Tais políticas efetivam-se através das seguintes medidas: redução de carga fiscal, elevação do crédito, aumento do gasto público, direcionamento do orçamento público para maior ocupação, subvenção no custo do trabalho e da produção, ampliação de programas sociais, complementação de renda, melhor distribuição de renda, redução da jornada de trabalho, redistribuição da propriedade fundiária, abertura de cooperativas de trabalho, “estímulo à exportação e contenção das importações, aumento do emprego público (gastos sociais), frentes de trabalho urbano e rural, pré-aposentadorias e ações para segmentos específicos do mercado de trabalho (deficientes, jovens, mulheres), entre outros” (POCHMANN, 2000,p. 115).

Em se tratando das políticas de emprego compensatórias, Pochmann (2000, p. 115) enuncia:

‘são as ações que objetivam impedir a redução do nível de emprego e favorecer o tratamento social dos que não possuem emprego’. As medidas que a materializam são: preparação da mão-de-obra para os requisitos profissionais, a intermediação da mão-de-obra, a garantia de renda básica de sobrevivência, ampliação da idade mínima para o jovem ingressar no mercado de trabalho, a diminuição dos limites de aposentadoria, os adicionais para o ato de rompimento do contrato de trabalho, a restrição à mobilidade ocupacional regional, entre outro.

No Brasil, as políticas públicas de emprego passam a ser inseridas na agenda governamental somente a partir do final dos anos 1980, em face da desestruturação do mercado nacional de trabalho. Todavia, são as políticas de caráter compensatório que têm constituído o eixo prioritário das intervenções públicas sobre o mercado de trabalho nacional.

Portanto, tais estratégias estatais evidenciam nitidamente plena sintonia com as mudanças no mundo do trabalho sob orientação neoliberal, com destaque para o emprego regulamentado como suposto responsável pela crise de acumulação capitalista. Observa-se que o Estado vêm incrementando políticas compensatórias, mantenedoras da avidez dos detentores do capital.

Os mecanismos da forma como estão estruturados simplesmente protelam o desemprego e não solucionam o problema da pobreza. Recentemente, assumiram maior importância no âmbito das políticas públicas de emprego no Brasil os investimentos na formação e qualificação profissional e nos serviços de intermediação e recolocação de mão- de-obra. Para tanto, foram criados o Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER) – instrumento de política ativa; o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que destina recursos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para apoio financeiro a projetos privados de investimentos, com elevada capacidade de geração de novos postos de trabalho; o Sistema Nacional de Emprego (SINE), criado em 1975, para intermediação de mão-de-obra, além de se propor a elevar o nível de qualificação profissional da força de trabalho. Mas a grande alavanca para a organização do Sistema Público de Emprego (SPE) se deu a partir de 1990, com a criação do FAT. O atual SPE gerencia cinco programas de atendimento aos trabalhadores: seguro-desemprego, intermediação de mão-de-obra, qualificação profissional, geração de emprego e renda e apoio à produção de dados sobre o mercado de trabalho.

Confrontando a finalidade da criação, a institucionalização e a forma como estão estruturados os mecanismos acima enunciados como alcance e eficácia de suas relações, observam-se resultados pífios, voltados mais para protelar ou mascarar o desemprego do que para criar novos postos de trabalho. Com isso, deslocam o foco de atenção, pressão e reivindicação da classe trabalhadora, arrefecem as tensões próprias de conjunturas nas quais a população sobrante ocupa magnitude numérica, bem como dissociam o desemprego da falta de investimento no setor produtivo, muito embora esse, quando concentrado nas mãos de poucos, reproduz desigualdades, dentre elas a inacessibilidade de muitos trabalhadores ao processo produtivo.

Em consonância com as informações do DIEESE (2005) e aos enunciados de Pochmann, quando se trata de políticas de emprego e renda, a formação profissional ocupa um lugar de destaque, pois em qualquer área do mercado de trabalho os trabalhadores que recebem maior remuneração são aqueles que, em geral, possuem melhor nível educacional, embora não seja este o único fator determinante da diferenciação salarial.

constitui a solução para o desemprego estrutural, como resultado da incapacidade da economia de gerar um número suficiente de empregos para absorver o conjunto da força de trabalho. O desemprego faz parte da própria dinâmica de acumulação do capital, ao criar uma superpopulação relativa subordinada aos seus interesses, requisitando-a ou rejeitando-a, dependendo da variação da taxa de acumulação. Nesse sentido, há de se destacar que no atual momento da nossa história a taxa de lucro é inferior a taxa de produtividade, crescendo de forma exponencial o número de desempregados que participam de programas de qualificação. Dessa forma, tais políticas que pretendem incluir trabalhadores em potencial nos processos econômicos, na produção e na circulação de bens e serviços, atendem estritamente àquilo que é racionalmente conveniente e necessário à mais eficiente reprodução do capital, e também, ao funcionamento da ordem política, em favor dos que dominam. Esse é um meio de atenuar o conflito social de classes e não ameaçar a manutenção da ordem vigente.