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4. DO ABANDONO AFETIVO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

4.1 DO SIGNIFICADO E CONTEÚDO DO ABANDONO AFETIVO

Vê-se que é indiferente de como se originou o estabelecimento da relação de afetividade entre os membros da família, se advindas no casamento ou em outras formas de união.

Muito bem salientado por Groeninga (2003, p.259) que “na busca da humanização do sujeito, dirigimo-nos cada vez mais para a ampliação da compreensão das relações entre o sentimento, o pensamento e a ação.”

Como verificado que o afeto até agora estudado, é um elemento caracterizador das novas relações familiares, configura-se primordial expressar o significado de abandono afetivo.

Buscando-se identificar o abandono afetivo nas relações parentais, cabe relembrar, que as relações familiares podem gerar laços conjugais e parentais. As relações conjugais se estabelecem entre o casal, e, as relações parentais entre o casal e sua prole, cuja responsabilidade civil é diferente.

Assim afirma DIAS (2005, p.200-201):

De fato, há duas relevantíssimas diferenças entre as relações conjugais e as relações parentais. A primeira é que as relações conjugais se dão entre pessoas presumidamente iguais, emancipadas, aptas para exercerem autonomamente a sua liberdade; as relações parentais, diversamente, ocorrem entre pessoas em situação essencialmente desigual, uma das quais é vulnerável e dependente. A segunda diferença é a que a relação conjugal é dissolúvel, mediante a separação e o divórcio, enquanto na relação parental o vínculo é tendencialmente indissolúvel. Essas diferenças refletem-se na distinção e tratamento que se deu à responsabilidade civil nas relações familiares. Assim, na relação conjugal, os princípios da liberdade juntamente com o da igualdade se sobrepõem no vínculo (esvaziado de conteúdo) de solidariedade familiar, garantindo a ausência de reparação – por não haver propriamente dano moral indenizável – nas hipóteses de infidelidade, abandono do lar, descumprimento de débito conjugal, e desassistências semelhante, podendo-se contar apenas com a sanção específica da separação judicial ou do divórcio; já na relação parental, o vínculo de solidariedade, juntamente com o princípio da integridade psicofísica das crianças e dos adolescentes, poderá dar azo ao dano moral quando tiver havido abandono completo por parte do genitor biológico e ausência da figura parental substituta.

É justamente o abandono afetivo nas relações parentais, que se busca evidenciar as conseqüências jurídicas.

De acordo com Madaleno (2006, p. 151):

Volta e meia, juízes e tribunais têm se depara dom demandas buscando atribuir valor venal à negligência do desafeto, em postulações fundadas no inarredável princípio da dignidade da pessoa humana e no valor supremo de uma paternidade responsável, sobretudo, quando também é dever primordial da família, da sociedade e do Estado colocar a criança e o adolescente a salvo de toda a forma de negligência, crueldade ou opressão. A omissão injustificada de qualquer dos pais no provimento das necessidades físicas e emocionais dos filhos sob o poder parental ou o seu proceder malicioso, de efeitos negativos, relegando descendentes ao abandono e ao desprezo, tem proporcionado o sentimento jurisprudencial e doutrinário de proteção e reparo ao dano psíquico causado pela privação do afeto na formação da personalidade da pessoa.

Esta situação, do abandono afetivo nas relações familiares parentais, pode também acontecer pelo mau desempenho dos pais no dever de educação, guarda e sustento de seus filhos.

A falha da família ao proporcionar esses elementos, educação, guarda e sustento, poderá levar os menores para a ilegalidade, criminalidade, vícios ou outros caminhos indesejáveis.

Nesse direcionamento, afirma Velasquez, (2006, p. 1):

O abandono e a negligência familiares e a falta de afeto e diálogo também são problemas comuns que afligem os jovens, não sendo de espantar que mais de 90% dos adolescentes infratores internados provenham de famílias bastante desestruturadas, marcadas por agressões físicas e emocionais, problemas psiquiátricos e pela ausência das figuras paterna e materna, seja pela rejeição pura e simples, seja pela morte ou doença, muitas vezes causados também pela violência urbana.

A ausência do dever de sustento, isto é, do direito de receber os alimentos, caracteriza inadimplemento que já tem tutela jurídica e sanções próprias, muito bem delineadas em nosso direito: Lei 5.478/68 – lei de alimentos, Código Civil – artigos 1.694 até 1.710, e pela Constituição Federal – art. 227 e 5º, LXVII, que prevê até prisão civil por este inadimplemento.

Já o rompimento do dever de guarda, quando os pais não vivem sob o mesmo teto, dá o direito de visitas do filho ao genitor que não tem a guarda do mesmo. A infração do dever de guarda se configura caso detentor da guarda não cumpra a decisão judicial referente as visitas, ou cria empecilhos as visitas; ou quando o genitor visitante cria expectativas no menor que espera em vão sua presença ou então no dia da visita delega a criança aos cuidados de terceiros. O impedimento ou empecilho das visitas, determinadas ou não por decisão judicial, abrangendo os pais que não coabitam o mesmo teto, ou o genitor com o filho fora do casamento, ou os avós perante o neto de pai falecido quando a nora recusa o convívio com os avós paternos, se evidencia como abandono afetivo. (MADALENO, 2006)

A falta do dever de educação caracteriza o abandono afetivo e pode ocorrer até entre os pais que moram juntos para Hironaka (2006, p. 136 e 137):

O abandono afetivo se configura, desta forma, pela omissão dos pais, ou de um deles, pelo menos relativamente ao dever de educação, entendido este na acepção mais ampla. Permeada de afeto, atenção, desvelo. [...] é possível aventar a possibilidade de que filhos de pais casados ou unidos estavelmente por toda a vida queiram pleitear de seus pais indenização decorrente de um abandono afetivo configurado por uma omissão no desempenho pleno das funções que se lhes incumbia exercer.

Nesta ótica, existe a possibilidade do filho almejar a indenização por causa da falta de acompanhamento de seus pais na educação ou até mesmo pela omissão de cuidado com seu desenvolvimento escolar.

Ainda na falha do dever de educação, a simples matrícula em escola ou a presença do menor na mesma, não esgota o dever dos pais com a educação de seus filhos, pois incumbe às instituições apenas a instrução e formação intelectual

das crianças e jovens, mas não substituem (nem devem substituir) a presença constante e ativa dos pais no desenvolvimento moral e intelectual de seus filhos. (LIMA, 2004).

Aprofundando essa questão, Vieira (2002, p 47- 48), destaca:

Devem os genitores, solteiros, casados, separados, divorciados ou viúvos, ter a exata consciência de seu mister como pais e educadores de cidadãos do futuro, sendo certo que atos por eles praticados poderão gerar graves prejuízos em face desses filhos. Nesse sentido,a tão debatida questão acerca dos genitores que não visitam os seus filhos, a eles negando a mínima atenção. Há que se desvincular a imagem do outro genitor, por vezes fonte de dissabores, e ter ciência de que as crianças e os adolescentes não podem padecer em virtude de sentimentos menores de adultos que têm a obrigação de estar preparados para exercer a paternidade/maternidade ou de encontrar meios para fazê-lo. Outro ponto em questão e tão já debatido diz respeito aos genitores que, mesmo reunindo condições financeiras para tanto, negam à prole por vezes o necessário à própria subsistência,uma vez mais confundindo os menores com a imagem do outro genitor.

Se o inadimplemento do dever de sustento está amplamente amparado juridicamente, como dito anteriormente, o mesmo não ocorre na ausência ou rompimento do dever de guarda e educação, nas relações familiares parentais, que não apresenta sansões claras em nosso direito.

No rompimento do dever de sustento configura-se uma obrigação de reparação pecuniária, cujo abandono é material e não afetivo, tendo já respaldado jurídico. O abandono afetivo vai ser uma conseqüência extrapatrimonial advinda do rompimento dos deveres de educação e de guarda, podendo em caráter excepcional, ser também gerado do rompimento do dever de sustento.

Ou seja, o abandono afetivo pode ocorrer em qualquer relação familiar parental (tradicional ou não), pelo rompimento dos deveres de guarda e de educação, mas não necessariamente ocorrer pela ausência do dever de sustento, que gera ensejo ao abandono material, tradicionalmente punido pela lei com a obrigatoriedade do pagamento mensal dos alimentos, podendo até ocorrer a prisão civil pelo não cumprimento da obrigação.

4.2 EFEITOS JURÍDICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ABANDONO

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