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3 O PARADIGMA EMERGENTE E O DESENVOLVIMENTO

3.4 DO SIMPLES AO COMPLEXO: A INSTAURAÇÃO DA COMPLEXIDADE NAS

dando sentido à vida, ao ponto em que coincidem causa e intenção – ciência mais senso

comum. É neste sentido que Sousa Santos sustenta que “a ciência pós-moderna, ao

sensocomunizar-se, não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida31”.

3.4 DO SIMPLES AO COMPLEXO: A INSTAURAÇÃO DA COMPLEXIDADE NAS CIÊNCIAS

Dentro desta perspectiva, vivenciamos um tempo de crise paradigmática que precisa ser estudada enquanto fenômeno cultural, que deve ser analisada em suas dimensões históricas, políticas, econômicas e sociais.

30 Ibid., p. 34-35, grifo nosso. 31 Ibid., p. 91.

Embora a quebra na confiança epistemológica do paradigma dominante seja produzida por uma pluralidade de fatores, o grande avanço que o conhecimento científico possibilitou é, paradoxalmente, um fator significativo nessa ruptura epistemológica. Toda a construção do paradigma moderno tem sido baseada na ideia de que ele é único modelo de conhecimento, e toda e qualquer produção só faz sentido se esse modelo for o da racionalidade (BASSALOBRE, 2007).

Para Sousa Santos (2009) o conhecimento nesta perspectiva do paradigma dominante, ganha em rigor, mas sem dúvida, o modelo de racionalidade científica atravessa uma grande crise. Não obstante, os sinais nos permitem tão somente especular a cerca do paradigma que emergirá desse período revolucionário.

Essa crise parece prenunciar a chegada de um novo conhecimento, edificado através de outra concepção de ciência expressão de uma racionalidade mais plural, de uma configuração cognitiva mais ampla e criativa (BASSALOBRE, 2007).

Frente ao exposto, o pensamento complexo presume a interação de saberes os mais diversos; para este a verdade da ciência não está em um único saber adquirido e oficializado como presume a racionalidade moderna, mas em caráter aberto com o objetivo de construir um conhecimento multidimensional (MORIN; LE MOIGNE, 2000; MORIN, 2005a).

Enquanto o pensamento simplificador desintegra a complexidade do real, o pensamento complexo integra, na medida do possível, os modos simplificadores de pensar, recusando as consequências redutoras e ofuscantes de uma simplificação que é o reflexo do que há de real na realidade (MORIN, 2005a).

Morin (2003) salienta que a complexidade suporta uma pesada carga semântica, pois traz em seu seio confusão, incerteza, desordem. Sua primeira definição, segundo ele, não pode fornecer nenhuma explicação, ou seja, é complexo o que não pode ser reduzido a uma lei, nem a uma ideia simples. Desse modo, por complexidade entendem-se todos os acontecimentos, ações, interações, retroações, acasos, que constituem o mundo fenomênico.

A complexidade corresponde à multiplicidade, ao entrelaçamento, a continua interação entre as infinidades de sistemas e fenômenos que compõem o mundo natural (LIMA, 2006). A complexidade traz em seu seio o desconhecido, o misterioso. A complexidade nos torna sensível a enxergar as evidências, antes imperceptíveis, isto é, a impossibilidade de expulsar a

incerteza do conhecimento. O problema da complexidade não é o de colocar a incerteza entre

a incerteza no conhecimento e o conhecimento na incerteza, para compreender a natureza da natureza (MORIN, 2003).

Para Morin e Le Moigne (2000), a complexidade é uma palavra-problema e não uma palavra-solução; a complexidade desafia, não dá respostas. É preciso pensar através da complicação – ou seja, as infinitas inter-retroações –, através das contradições. A ideia de complexidade comporta imperfeição, incerteza e o reconhecimento do irredutível. Independentemente das definições propostas a respeito da complexidade, ela surpreende pela sua irrealidade, isto é, pela irreversibilidade de seu conteúdo, por sua dificuldade de entendimento, por não possuir um sentido concreto. Com efeito,

difere da complicação, com a qual ela é confundida, por preguiça intelectual ou por galanteria retórica, que se caracteriza facilmente por sua visibilidade. A complexidade está para a complicação do mesmo modo que a entropia está para a energia: uma espécie de avaliação do ‘valor de mercadoria’, definida pelo observador, de um lingote de mistura metálica, com determinado peso e imposto a este observador. O ‘muito complicado’ pode não ser ‘muito complexo’ e o muito simples (o grão da matéria!) pode ser dado como muito complexo32.

A dificuldade em conceber este pensamento complexo está no fato de que ele (pensamento complexo) deve enfrentar o emaranhado, a contradição e, porque não dizer, a solidariedade dos fenômenos entre eles. Não se trata, de acordo com Morin (2005a), de retomar a ambição do pensamento simples que é a de controlar e dominar o real.

Cabe frisar, no entanto, que a intenção do pensamento complexo não é a de controlar o caos aparente dos fenômenos, mas, sim, trata-se de exercer um pensamento capaz de lidar com o real. Para tanto, deve-se ter em mente que a complexidade não vem em substituição da

simplicidade, a complexidade surge onde o pensamento simplificador é ineficiente, ou seja, na explicação dos fenômenos complexos. Nas palavras de Morin e Le Moigne (2000, p. 205):

Esse pensamento da complexidade não é absolutamente um pensamento que expulsa a certeza para colocar a incerteza, que expulsa a separação para colocá-la no lugar da inseparabilidade [...] a caminhada consiste, ao contrário, em fazer um ir e vir incessante entre certezas e incertezas, entre o elementar e o global, entre o separável e o inseparável. Do mesmo modo, utilizamos a lógica clássica e os princípios de identidade, de não contradição, de dedução, de indução, mas conhecemos seus limites, sabemos que em certos casos é preciso transgredi-los. Não se trata, portanto, de abandonar os princípios da ciência clássica – ordem, separabilidade e lógica –, mas de integrá-los num esquema que é, ao mesmo tempo, largo e mais rico.

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A complexidade está presente naqueles momentos em que nem sempre é possível superar contradições, vencer obstáculos, antagonismos, ultrapassar os paradoxos. Mariotti (2006) comenta que é necessário conviver com as condições complexas da realidade, uma vez que são estas condições que se apresentam inerentes à própria natureza dos sistemas vivos e querer superá-las seria em demasiado inútil e, até mesmo, conforme o próprio autor, ingênuo.

É preciso, pois, saber articular os princípios da ordem e da desordem, do separável e do inseparável, da autonomia e da dependência, que estão em constante prática dialógica no Universo. Dessa forma, o pensamento complexo não é muito diferente do pensamento simplificador, pelo contrário, ele integra o simples. Isto significa dizer que “o paradigma da complexidade pode ser enunciado não menos do que o da simplificação: este último impõe disjuntar e reduzir; o paradigma da complexidade ordena juntar tudo e distinguir” (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p. 205).

Devemos procurar ver a complexidade não como um conceito teórico, mas como um fato da vida. A complexidade pode ser caracterizada como uma multiplicidade, um entrelaçamento e, porque não dizer, uma contínua interação entre as infinidades de sistemas e fenômenos que compõem o mundo natural. “Por mais que tentemos, não conseguiremos reduzir essa multidimensionalidade a explicações simplistas, regras rígidas, fórmulas simplificadoras ou esquemas fechados de ideias” (MARIOTTI, 2000, p. 87). De maneira sucinta, o pensamento complexo nada mais é que um pensamento plural, que lida com a ordem e a desordem, com a interação e a organização, tendo por características principais:

a) a razão aberta, que busca compreender os fenômenos vitais sem atribuir- lhes juízos imediatos de valor nem fechar sobre eles conclusões definitivas. É a razão que se abre para o irracional (mas que nem por isso se deixa determinar por ele), que não finge que a irracionalidade não existe, nem faz de conta que pode eliminá-la da condição humana. Uma razão que não admite o irracional é um artifício retórico, não uma dimensão do ser humano; e, b) a religação, que visa reabrir as fronteiras entre as disciplinas do conhecimento e promover a intercomunicação entre os compartimentos estanques do saber, produzidos pelo pensamento fragmentador33.

Neste sentido, o pensamento complexo resultará do conjunto de novas concepções, de

novas visões, de novas descobertas e de novas reflexões que vão se reunir. De acordo com

Morin (2005a, p. 77, grifo nosso): “Estamos numa batalha incerta e não sabemos ainda quem

será o vencedor”. O pensamento complexo resulta da complementaridade das visões de

mundo linear e sistêmica. Essa abrangência possibilita a elaboração de saberes e práticas que

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permitem buscar novas formas de entender a complexidade do mundo fenomênico, o que evidentemente inclui o ser humano.