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4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES NOVAS DEMANDAS E DESAFIOS

4.1 PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Vivemos numa Era caracterizada pela preocupação da complexidade da vida, a qual cria muitas situações incontroláveis, carregadas de incertezas e de interrogantes. E, quando se trata da Educação, podemos dizer que os desafios e demandas que envolvem o processo educativo são muitos, principalmente quando o que estão em jogo são a formação e o desenvolvimento da conduta humana de nossos professores e educandos.

Uma das características da sociedade em que vivemos tem relação com o fato de que o conhecimento é um dos principais valores de seus cidadãos. O valor das sociedades atuais está diretamente relacionado com o nível de formação de seus cidadãos e da capacidade de inovação e empreendimento que eles possuem. Mas, em nossos dias, informações se confundem com conhecimentos e isso nos obriga, agora mais que nunca, a estabelecer garantias formais e informais para que os cidadãos e profissionais atualizem constantemente suas competências (PÉREZ GOMÉZ, 2010a). Ingressamos numa sociedade que exige dos profissionais uma permanente atividade de formação e aprendizagem.

Para García (2009a, p. 8) sempre foi de conhecimento que a profissão docente é uma “profissão do conhecimento” e que este conhecimento (saber) tem sido elemento legitimador da profissão docente. Do mesmo modo, o trabalho docente tem-se baseado no compromisso de transformar esse conhecimento em aprendizagens relevantes para os alunos. Não obstante, pensa-se que para esse compromisso – necessário para os dias de hoje – é preciso renovar; é preciso que os professores se convençam da necessidade de ampliar e melhorar a sua competência profissional.

Ser professor, em tempos de mudanças, isto é, em tempos de paradigma emergente,

pressupõe assumir que o conhecimento e os alunos se transformam a uma velocidade maior à qual estávamos acostumados e, também, que para continuarmos a dar uma resposta

satisfatória ao direito que todo o aluno possui de aprender, teremos de fazer um enorme esforço para continuar a aprender (GARCÍA, 2009a).

Nessa perspectiva, para entender o docente e todas as demandas e desafios provenientes da prática, é preciso primeiro compreender em que mundo ele está inserido. Para tanto, trago para esta conversa inicial Lyotard. Lyotard (2002) em A condição pós-moderna, afirma que vivemos em um mundo onde não é mais possível acreditar nas grandes narrativas, tanto devido à própria história e seus acontecimentos imprevisíveis, quanto em consequência do desenvolvimento de novas tecnologias34. O que é uma verdade ou realidade neste exato momento pode vir a ser desconstruído a qualquer instante. Ou seja, não há mais verdades aprontadas.

Ainda hoje, é possível perceber, por exemplo, que o ensino técnico é baseado em verdades indubitáveis, isto é, cada aula ou conteúdo é uma parte da grande verdade; trabalhando no ensino técnico, vejo a necessidade que manifestam os alunos de receberem

uma resposta pronta e correta que valha para todos os casos e contextos – o que é impossível em tempos de mudanças.

Pouco se pode aprender quando se parte só de respostas entendidas como verdades indubitáveis, incontestáveis, inquestionáveis (LYOTARD, 2002). De acordo com Santos Guerra (2010, p. 180, grifo nosso, tradução nossa), “a dúvida é um estado intelectual incômodo. Enche as pessoas de inquietude, de preocupação, de busca, de insatisfação. A

certeza é um estado intelectualmente ridículo. Pensar que se sabe tudo, que tudo se faz bem,

que só os demais se equivocam, é insustentável [...]”.

A esse respeito o que vem à minha mente é aquela velha ideia que perpassa a educação profissional de nível técnico em quase todos os cursos: Quem sabe o conteúdo sabe ensinar. Contudo, não seria isso muito simplista? A este respeito García (2009b, p. 119, grifo nosso) afirma:

De acordo com o que poderíamos chamar de ‘sabedoria popular’, para ensinar basta ‘saber’ a matéria que se ensina. O conhecimento do conteúdo parece que é um sinal de identidade e reconhecimento social. Para ensinar, porém, sabemos que o conhecimento da matéria não é um indicador de qualidade de ensino. Existem outros tipos de conhecimentos também importantes: conhecimento do contexto (onde se ensina), dos alunos (a quem se ensina), de si mesmo e, também de como se ensina.

Desse modo, uma pergunta se faz necessária: Num mundo caracterizado pelo aumento

de complexidade e pelas incertezas, em que nossos alunos buscam respostas prontas para

34 Para Lyotard o saber muda de estatuto ao mesmo tempo em que as sociedades entram na idade dita pós-

industrial e as culturas na idade dita pós-moderna. Tal fato pode ser visto no desenvolvimento das técnicas e das tecnologias a partir da Segunda Guerra Mundial.

lidar com esse mesmo mundo, como devemos proceder com vistas a (re)construção de nossa profissionalidade? Qual o saber necessário para (re)formar e melhorar o desempenho profissional de nós professores?

Nós, professores, devemos nos conscientizar que as demandas e as dificuldades que envolvem o processo educativo não se restringem ao simples fato de ter um diploma (graduado, mestre ou doutor), mas, sim, que nós professores sejamos capazes de trabalhar saberes pedagógicos que nos deem subsídios para lidar/tratar com o humano, isto é, ensinar a ser, a viver, a conviver numa sociedade caracterizada pela imprevisibilidade, pela informação e pelo conhecimento (SAMPAIO, 2010).

O desafio é transformar a profissão docente em uma profissão do conhecimento; em outros termos, que sejamos capazes de aproveitar todas as oportunidades de nossa sociedade, que sejamos capazes de transformar as informações em conhecimentos significativos para os nossos alunos e que, por fim, consigamos o respeito por um dos direitos fundamentais, qual seja: “o direito de aprender de todos os alunos e alunas, adultos e adultas” (GARCÍA, 2009b, p. 128).

Referindo-se a II Reunião Intergovernamental do Projeto Regional de Educação para

a América Latina e Caribe, em 2007, García (2009a, p. 9) destaca que, entre outros aspectos,

“os docentes são atores fundamentais para assegurar o direito à educação das populações e contribuir para a melhoria das políticas educativas da região”. Em outro importante estudo o autor cita a American Educational Research Association (AERA) para quem “em todas as nações existe um consenso emergente de que os professores influem de maneira significativa na aprendizagem dos alunos e na eficácia da escola” (COCHRAN-SMITH; FRIES, 200535

apud GARCÍA, 2009a, p. 9).

Para Martins (2002, p. 105) não devemos nos afastar daquilo que é a essência de nossa profissão, “isto é, os modos peculiares de enfrentamento das situações de intervenção que solicitam continuamente do profissional um olhar em múltiplas direções”. Seguindo essa esteira, Gadotti (2003, p. 25), salienta que o professor deverá assumir uma “postura mais relacional [...] dialógica, cultural, contextual e comunitária”, estando mais próximo dos “aspectos éticos, coletivos, comunicativos, comportamentais, emocionais [...] todos eles necessários para se alcançar uma educação democrática dos futuros cidadãos” (IMBERNÓN, 2000, p. 11).

35 COCHRAN-SMITH, Marilyn; FRIES, Kim. The AERA panel on research and teacher education: context and

goals. In: COCHRAN-SMITH, Marilyn; ZEICHNER, Ken. (Orgs.). Studying teacher education. The report of the AERA panel on research and teacher education. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2005. p. 37-68.

Da mesma forma, Bertrand (2001) afirma que o fundamental é encontrar um sentido para a vida das pessoas, alicerçado na inteligência e na afetividade, tendo reflexos no desempenho social. Para que isso possa ser posto em prática serão necessários novos saberes, entre os quais estão: o saber planejar, o saber pesquisar, o saber organizar o currículo, o

saber conviver – consigo mesmo e com seus alunos.

Para García (1999; 2009ab) as constantes transformações nas últimas décadas em todos os eixos vem exigindo do professor um processo de formação muito mais organizado ao longo de toda a sua carreira. Numa sociedade emergente36, é necessário formar e preparar as pessoas para o incerto, para o inacabado e para todos os tipos de situações que vão exigir um “maior esforço para a paz e o desenvolvimento de maiores capacidades de resiliência” (TAVARES; ALARCÃO, 2001, p. 103).

Sendo assim, uma das maiores dificuldades encontradas pelos professores na prática está em realizar rupturas com as suas concepções, convicções e atitudes.

Até este momento, venho argumentando sobre a influência que as mudanças sociais (o aumento de complexidade e as contingências do mundo fenomênico) estão a exercer na sociedade, na educação, nas escolas e no mundo do trabalho, principalmente, dos professores. Cabe nas próximas seções, tecer algumas discussões conceituais sobre a formação do professor, a sua identidade, o desenvolvimento profissional e, de que forma, estas mudanças afetam os professores e a (re)construção da sua profissionalidade.

4.2 FORMAÇÃO, FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO