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Capítulo I – A Tradução Audiovisual

I. 2.1 – A TAV – Especificações terminológicas

I.2.1.1 Do uso do termo “audiovisual”

Um dos pioneiros da reflexão teórica sobre a tradução audiovisual – o finlandês Yves Gambier – reflecte modelarmente a indecisão ou a imprecisão terminológica que permeia os estudos sobre esta matéria. A alusão aos títulos de algumas publicações deste autor permite ilustrar o que acaba de se afirmar: Les Transferts Linguistiques dans les Médias

Audiovisuels (1996); Translating for the Media (1998); (Multi)media Translation: Concepts, Practices and Research (edição conjunta com Gottlieb, em 2000); Screen Translation (The Translator (9:2), 2003). Díaz Cintas (2003a: 203) menciona justamente o

vocábulo (Multi)media, como evidência da instabilidade conceptual a que o termo “tradução audiovisual” tem sido sujeito.

Na obra editada por Yves Gambier (The Translator (9:2): Screen Translation (2003)), o autor apresenta um artigo intitulado “Screen Transadaptation: Perception and Reception” (pp.171-189), ampliando as dúvidas terminológicas emergentes em torno desta matéria ao propor o termo “transadaptação”. Na perspectiva do autor (idem:178), a transadaptação do ecrã (“screen transadaptation”) será um termo abrangente, sinónimo de “screen translation or ‘versioning’”, que permitirá ultrapassar a dicotomia clássica (tradução literal/livre, tradução/adaptação, etc.) e ter em consideração, de um modo mais directo, o público-alvo.

No entanto, Josélia Neves (2005b), em Vozes K se Vêem: Sistema de Legendagem, contesta a aplicabilidade desta nomenclatura à tradução audiovisual em geral. Sugere a autora que o termo em Língua Portuguesa seja “tradaptação” e que se reserve o seu emprego para uma modalidade muito específica de TAV: o teletexto, vocacionado para um

público especial – os Surdos6 ou pessoas com surdez adquirida. Subscrevo inteiramente

esta tomada de posição e estará pressuposta no percurso do presente trabalho.

Na óptica de Yves Gambier ((ed.) 2003: 171), a nomenclatura “tradução audiovisual” (decalcada da língua francesa) foi sendo alvo de mudanças terminológicas à medida que se aprofundava o estudo da TAV. Afirma o autor que, antes da popularidade da TV e do vídeo, os primeiros estudos se referiam à TAV como “film translation” (tradução cinematográfica/de filmes). Em alguns casos, também a terminologia “multimedia translation” é utilizada para significar TAV.

A este propósito, Fotios Karamitroglou (2000: 1) reflecte sobre o uso de “tradução audiovisual”, enquanto termo adoptado para designar aquilo a que também se tem chamado “screen translation” (tradução do ecrã/monitor) ou “film translation” (tradução cinematográfica/de filmes). Para este autor, o termo “screen translation” (tradução do ecrã/monitor) enfatiza o meio através do qual surge o produto da tradução, nomeadamente a televisão, o cinema, ou o ecrã da TV, ou o monitor do computador. Karamitroglou

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De acordo com Josélia Neves (2005: Appendix II: 10), com o uso de letra maiúscula no vocábulo “Surdos” pretende-se distinguir a comunidade (linguística e cultural) do termo clínico (surdo(s)) que designa um grupo de indivíduos com um tipo de deficiência ou de dificuldade ao nível auditivo). Por outras palavras, Surdos (repare-se no uso da maiúscula no grafema S), reportar-se-á, ao longo deste trabalho, à comunidade cuja língua materna é a língua gestual e que lê a língua portuguesa (no caso nacional) como uma segunda língua.

A definição de tradaptação será apresentada, mais adiante (vide ponto I.4 ) aquando do tratamento das diferentes modalidades de TAV.

(ibidem) ressalva, muito oportunamente, que este último recurso só poderá ser abarcado no âmbito desta definição no caso de aparecer sob a forma de clip, em que a imagem com movimento é acompanhada de um texto oral ou escrito traduzido.

Por sua vez, o termo “film translation” (tradução fílmica/cinematográfica/de filmes) afigura-se, na opinião de Karamitroglou (2000: 2), como redutor, na medida em que, se procedermos à análise da expressão em apreço e nos reportarmos às implicações conceptuais do vocábulo “filme” (“film”), verificar-se-á que este poderá conglobar todo o tipo de material audiovisual gravado. Assim sendo, o sentido do termo, no seu conjunto, poderá correr o risco de ser interpretado como sinónimo de “tradução de (todo e qualquer) material audiovisual gravado”. Acresce a este facto que o lexema “film”, se traduzido como “cinema”, “filme” ou “rolo de filme” poder-se-ia confundir com o próprio meio audiovisual, no qual são apresentados, grosso modo, filmes de longa-metragem, excluindo, consequentemente, um vasto leque de programas que são igualmente traduzidos, como é o caso das séries televisivas, dos documentários, entre outros (idem: 2).

Ainda, no que diz respeito aos estudos da TAV, Díaz Cintas (2003b: 36) denuncia a flutuação terminológica, justificando-a como um reflexo dos tempos de mudança em que vivemos. Todavia, o autor ressalva o facto de que esta instabilidade terminológica, longe de se erigir como um obstáculo na comunicação, poderá entender-se como um signo claro da vontade, por parte de muitos académicos, de manter uma visão aberta, capaz de assimilar e de dar conta das novas realidades da praxis tradutológica.

Em Cine y Traducción, Frederic Chaume (2004: 30)7 resume, de modo esclarecedor,

o trajecto sinuoso que a nomenclatura “tradução audiovisual” tem percorrido no mapa dos estudos sobre a tradução:

[L]lama la atención la diversidad de términos que se han utilizado para designar el nombre de esta variedad: además de traducción audiovisual, que es ya la acepción com mayor difusión en España, existen o han existido los términos film dubbing (Fodor, 1976), constrained translation (Titford, 1982), film translation (Snell-Hornby, 1988), y traducción fílmica (Díaz Cintas, 1997), screen translation (Mason, 1989), film and TV translation (Delabastita, 1989), media translation (Eguíluz et al., 1994), comunicación cinematográfica (Lecuona, 1994) traducción

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Também Pilar Orero ((ed.) 2004: vii), na sua introdução à obra Topics in Audiovisual Translation, apresenta uma reflexão sobre a instabilidade terminológica a respeito da utilização de vários termos para referir a realidade da TAV.

cinematográfica (Hurtado, 1994-1995), multimedia translation (Mateo, 1997), y los conocidos (y parciales) doblage y subtitulación.

Afinal, de que falamos exactamente quando falamos de “tradução audiovisual”? A pertinência desta pergunta prende-se, sobretudo, com o primeiro lexema que integra o binómio, pois existem muitos teóricos que perspectivam a TAV não como uma tradução em sentido pleno, ou no sentido tradicional, mas como uma “adaptação” ou como uma “interpretação”.

Embora o âmbito deste trabalho se situe deliberadamente no plano da tradução para legendagem das longas-metragens, entende-se, corroborando a linha de pensamento de Frederic Chaume (2004: 31-32), que a tradução audiovisual deverá abranger todas “[...] las transferencias de textos verbo-icónicos de qualquier tipo transmitidos a través de los canales acústico y visual en cualquiera de los medios físicos o soportes existentes en la actualidad (pantalla, televisor, ordenador, etc.) [...]”.

Como se pode inferir das reflexões dos parágrafos precedentes, o uso da expressão “tradução audiovisual” não é pacífico nem consensual. Bem pelo contrário, tem-se revelado um universo sujeito a impasses semânticos, originando, não raro, a opacidade conceptual acerca desta matéria.