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3.3 Caminhos da profissionalização docente no Ensino Fundamental

3.3.1 Características das teorias profissionais da docência

3.3.1.3 Docência como atividade profissional

Às novas relações entre conhecimento e trabalho impõe afunção docente algo que vai além de preparar os estudantes para aplicação de determinadas habilidades. Cabe ao professor desenvolver competências nos estudantes, em função de novos saberes que se produzem, de forma a “garantir condições para que o aluno construa instrumentos que o capacitem para um processo de educação permanente” (BRASIL, 1997, p.35).

estabelecer uma nova relação com quem está aprendendo, passar do papel de ‘solista’ ao de ‘acompanhante’, tornando-se não mais alguém que transmite conhecimentos, mas aquele que ajuda os seus alunos a encontrar, organizar e gerir o saber, guiando mas não modelando os espíritos, e demonstrando grande firmeza quanto aos valores fundamentais que devem orientar toda a vida (DELORS, 2000, p.155).

Educar o aluno de maneira integral para a vida é o grande desafio para a docência como atividade profissional. Para isso, se requer a intencionalidade de desenvolver, no aluno, competências e capacidades (cognitiva, física, afetiva, estética, ética, de inserção social) para compreender e intervir na sociedade com o objetivo de melhorá-la.

Em relação à concepção de aluno, a docência como atividade profissional compromete-se com uma educação que acredita na formação do cidadão enquanto sujeito- histórico, crítico, atuante, autônomo, elaborador e criador do seu conhecimento em sua relação com o mundo (BRASIL, 1997; FREIRE, 1979).

Sua aprendizagem é concebida como um processo de atividade mental construída histórica e socialmente, em que interferem fatores de ordem cultural e psicológico. Essa perspectiva de sujeito aprendiz está respaldada, principalmente, a partir das influências da psicologia genética, da teoria sócio-interacionista e das explicações da aprendizagem significativa.

Ao trabalhar com os conteúdos de ensino, o professor deve basear-se em conhecimentos científicos e nas suas relações com outros tipos de saberes, uma vez que “o conhecimento é resultado de um complexo e intrincado processo de modificação, reorganização e reconstrução, utilizado pelos alunos para assimilar e interpretar os conteúdos escolares (BRASIL, 1997, p. 51).

Nessa ótica, os conteúdos de ensino estão preocupados com a dinâmica interativa do conhecimento e saber escolar e os demais saberes, entre o que o aluno aprende na escola e o que ele traz para a escola, num processo em que interferem fatores culturais, sociais, políticos e psicológicos, os quais implicam, dentre outros, o desenvolvimento de princípios éticos com noções de respeito pelos valores do pluralismo, da democracia, da autonomia, da responsabilidade e da cidadania (DELORS, 2000).

Na gestão da sala de aula, a relação professor-aluno é dinâmica e de convivência democrática. Sua preocupação está em favorecer o processo de desenvolvimento e aprendizagem de cada aluno.

Os métodos de ensino não são padronizados, há uma diversificação metodológica em função das áreas de conhecimento trabalhadas, conteúdos de ensino, níveis de

desenvolvimento dos alunos, dentre outros. Porém, o ponto comum dos métodos adotados está em promover a participação dos alunos na construção do conhecimento como ferramenta do desenvolvimento da personalidade (NÚÑEZ e PACHECO, 1997).

A avaliação da aprendizagem visa desafiar o aluno a refletir sobre as situações vividas, a formular e reformular hipóteses para favorecer sua aprendizagem, através da utilização de diversos códigos (verbal, oral, escrito, gráfico, numérico, pictórico), de forma a considerar suas diferentes aptidões, como também subsidiar o professor com elementos para uma reflexão contínua sobre sua prática docente (BRASIL, 1997).

O processo de formação docente aponta para um “modelo emergente da formação” onde se busca, na universidade, o lócus da formação inicial do professor, fundamentado na reflexão, na crítica e na pesquisa (RAMALHO; NÚÑEZ; GAUTHIER, 2003). O curso de graduação em Pedagogia é considerado o “principal lócus da formação docente dos educadores para atuar na Educação Básica: na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental” (BRASIL, 2005, p. 5).

A formação docente não é mais vista como um acúmulo de cursos técnicos, mas, sim, como um processo reflexivo e crítico sobre a prática educativa em que o professor deve ser orientado a participar da gestão, organização e funcionamento da escola; a realizar pesquisas e aplicar seus resultados para identificar e gerir práticas educativas transformadoras; e compreender a escola enquanto uma organização complexa que tem a função de promover, com equidade, educação para e na cidadania.

As condições de trabalho da docência como atividade profissional consolidam a atividade docente não mais como uma ocupação ou uma atividade técnica, mas como uma atividade profissional, haja vista a importância que é atribuída à autonomia docente para desenvolver capacidades de resolver problemas, dominando os saberes, usando-os ou superando-os na solução de questões e situações desafiadoras, novas e complexas, contribuindo assim para uma transformação não somente da realidade, como também para a transformação da própria prática docente (ANASTASIOU, 2004).

Em relação ao vínculo empregatício e a remuneração concedida ao professor, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96) assim estabelece, no artigo 67:

os sistemas de ensino promoverão a valorização dos professores da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I - Ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; [...] III - Piso salarial profissional (BRASIL, 2003, p.261).

Os docentes atuam enquanto grupo através de associações sindicais que não se restringem às reivindicações salariais, mas primam por um sindicalismo autônomo, crítico, propositivo, mantendo certa margem de independência política em relação ao Estado e, ao mesmo tempo, dialogando e confrontando-se com ele, disposto a ser co-partícipe dos desafios educacionais (GADOTTI, 1996).

Com essa performance política, o grupo docente socializa saberes de forma organizada, autônoma, sistemática e crítica, contribuindo para o desenvolvimento profissional.

Para concluirmos as características das teorias profissionais da docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental, apresentamos logo abaixo (Quadro 5) a síntese dessa descrição.

SUB-

DOMÍNIOS DOCÊNCIA LEIGA DOCÊNCIA TÉCNICA PROFISSONALDOCÊNCIA

FUNÇAO DOCENTE

-Instrui o aluno para a leitura, a escrita e rudimentos da mate- mática.

-Cultiva no aluno a moral e a disciplina para sua integração social. -Transmite ao aluno conhecimentos poten- cialmente utilizáveis. -Favorece no aluno capacidades e habili- dades de agir eficazmente para adaptar-se à socie- dade.

-Educa o aluno de maneira integral para a vida.

-Desenvolve no aluno competências para compreender e intervir na sociedade com o objetivo de melhorá-la.

CONCEPÇAO DE ALUNO

-Sujeito que aprende através da memorização. -Sujeito que obedece às normas da sociedade.

-Sujeito que aprende através da instrução programada.

-Sujeito que se adapta às exigências da sociedade.

-Sujeito que aprende através da reflexão crítica.

-Sujeito histórico de seu tempo que atua de forma ativa, autônoma e crítica na sociedade. CONTEÚDOS DE ENSINO -Baseia-se em versões simplificadas de conheci- mentos científicos. -Trabalha com princípios éticos que implicam noções de respeito, amor e obediência.

-Baseia-se, princi- palmente, em conheci- mentos científicos. -Trabalha com princípios éticos que implicam noções de coragem e cooperação.

-Baseia-se em conhecimentos científicos e nas suas relações com outros tipos de saberes. -Trabalha com princípios éticos que implicam noções de democracia, responsabilidade e cidadania. GESTAO DA SALA DE AULA -A relação professor- aluno é hierárquica e disciplinadora. -O método de ensino é expositivo verbal, ocorrendo de maneira individual e simultânea. -A relação professor- aluno é hierárquica e rigorosamente con- troladora. -O método de ensino é baseado no uso de técnicas educativas para alcançar a eficiência.

-A relação professor-aluno é dinâmica e de convivência democrática.

-O método de ensino promove a participação dos alunos na construção do conhecimento.

-A avaliação visa à exatidão da reprodução dos conteúdos comunicados em sala de aula. - A avaliação visa quantificar se o aluno atingiu os objetivos propostos.

A avaliação visa desafiar o aluno a refletir sobre as situações vividas, a formular e reformular hipóteses para favorecer sua aprendizagem.

PROCESSO FORMATIVO

-Não dispõe de formação docente inicial. -Apresenta a experiência e as virtudes (amor, dedicação e entrega) como princípios formativos. -Formação docente inicial, majoritária, de nível médio. -Apresenta o raciona- lismo técnico como princípio formativo.

-Formação docente inicial de nível universitário.

-Apresenta a investigação, a participação, a reflexão, a crítica da prática em sua relação dialética com a teoria, como princípio formativo.

CONDIÇOES DE TRABALHO

-Atividade docente típica de uma ocupação.

-Contrato precário e temporário de trabalho adquirido por indicação. -Sem direito a receber o salário mínimo.

-Docência típica de uma atividade técnica.

-Contrato regular de trabalho adquirido por indicação ou concurso público.

-Salário baixo decorrente do caráter técnico da atividade docente.

-Docência como atividade profissional.

-Contrato regular de trabalho adquirido por concurso público.

-Piso salarial compatível com a atividade docente profissional.

NATUREZA DO GRUPO DOCENTE

-Não organiza grupo docente formalizado. -Socializa saberes de forma assistemática e espontânea. -Grupo docente organizado de caráter reivindicativo. -Socializa saberes de forma organizada, submetidos a instruções de especialistas externos ao grupo.

-Grupo docente organizado de caráter reivindicativo e propositivo.

-Os saberes são socializados de forma organizada, autônoma, sistemática e crítica pelo próprio grupo profissional.

Quadro 5 Características da docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental .