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Capítulo 3 – O corpo aprendente

3.4. Docência em dança

Como se dá a formação de professores de dança? Essa pergunta nos leva a variados caminhos de formação. Diferente de outras áreas onde a formação para a docência segue pela formação acadêmica, nas artes temos a presença do notório saber onde o fazer, em sua experimentação e prática independem de uma formação acadêmica por meio de um currículo estabelecido em bases pedagógicas que compõem um perfil de um profissional apto ao ensino.

É comum que profissionais da dança tenham se tornado professores a partir de sua própria trajetória que envolve o tempo como bailarinos, certa habilidade em ensinar o que aprendeu, a experiência no trabalho com outros

coreógrafos e professores e estilos e balés dançados. Alguns dos bailarinos que entrevistei seguiram por esse caminho para permanecer em contato com a dança.

Essa é uma decisão comum e que contribui para que a dança permaneça como área dentro das artes a serem ensinadas. Durante o período que atuei como professor, aprimorei minha própria técnica a partir da observação dos alunos e da busca de aprender outros estilos, outras metodologias e didáticas. Esse desempenho alterou minha ação profissional e me permitiu o contato com outros profissionais, escolas que ampliaram minha compreensão sobre o universo da dança. O contato com os alunos desperta a responsabilidade que um professor precisa ter em relação ao que irá ensinar e neste sentido, a busca pelo aprimoramento.

A formação em qualquer área sempre implicará um investimento pessoal, participativo e crítico de acordo com António Nóvoa (1995):

Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetctos próprios, com vista à construção de uma nova identidade, que é também uma identidade profissional. (NÓVOA, 1995: 25)

Isso coloca o professor de dança numa perspectiva de inovação de sua prática, pois sua ação, mesmo pautada no que aprendeu, deve gerar certa autonomia, no sentido de que o aluno apreenda sobre o movimento e sobretudo sobre sua ação artística. O domínio do corpo a serviço da arte de dançar e de utilizá-lo em favor da expressividade.

Neste sentido, as experiências pessoais vividas nas mais diversas instâncias da vida, vão compondo identidades docentes, para além dos limites aprendidos durante sua experiência como bailarino. É um atravessamento importante para não cristalizar práticas e favorecer a reflexão sobre sua atuação crítica e criativa.

Lidamos com outros tipos de professores que acabam buscando aprofundamento de seus conhecimentos em alguma Escola reconhecida internacionalmente como as escolas cubana, francesa, russa etc. Por afinidade

ao método os professores se especializam. Não iremos aprofundar nesse tema por não ser o escopo desta pesquisa, mas considerei importante reconhecê-los para entender como se confirmam neste papel.

O aspecto que desejo apresentar é o da pesquisa no sentido exploratório na busca de uma linguagem. No cenário atual temos coletivos que se dedicam na busca de composições próprias. Neste sentido, a dança contemporânea sai a frente no campo exploratório, tornando o cenário da dança mais diversificado.

As universidades que possuem cursos voltados à dança incentivam a formação de grupos de estudos. É comum que egressos já se colocam neste lugar da busca de transformar a dança ou de pensar nela a partir de uma experimentação para além da mimese.

Todavia, ainda temos professores que não foram despertados a realizar um trabalho de pesquisa, em atenção aqueles que se apoiam a reproduzir os conhecimentos apreendidos, repetindo o mesmo modelo pelo qual foram formados.

Problematizo este tema trazendo à dança como elemento de discussão, mas, num espectro maior, estamos num contexto social onde a formação de professores pesquisadores é pouco estimulada. Sobretudo no universo da dança onde um dos fatores é a escolha pela docência pela necessidade de sobrevivência financeira.

Este é um fator relevante e que possui dois lados: é possível se tornar um professor mediano ou descobrir-se educador, ganhar gosto pelo ensino.

Klauss Vianna (1990), nos provoca a pensar esse papel, “O problema é que professores e bailarinos repetem apenas a forma e isso não leva a nada. O processo deveria ser o oposto: a forma surgir como consequência do trabalho” (VIANNA, 1990: 23). Essa observação e interesse em explorar as formas e os movimentos, deveria ser a primeira proposta de ação do professor em dança. Caso contrário certamente seu apoio será o inverso, que garante um resultado esperado, mas não inovador.

O perfil de professores exigentes no ensino da técnica é muito valorizado, pois apresentam resultados visíveis no corpo. O que acalma as expectativas de alunos que desejam superar suas dificuldades técnicas. É o corpo obedecendo a sequência de tempos musicais, um corpo domado pelo desenho, esquecendo que ele próprio, por primazia já é o desenho que se move na sua expressão.

Propor ao professor de dança uma pesquisa de movimentos que passe por suas inquietações e pela sua própria experiência é um avanço que qualificará sua ação criativa entendendo que seu fazer não está apoiado na reprodução de exercícios, mas, na sua intencionalidade de preparar a sensibilidade artística de seus estudantes à consciência corporal. Se o professor não aprendeu, enquanto aluno ele não saberá ensinar.

O sociólogo e pesquisador Pedro Demo (2008), chama atenção para esse princípio na formação de docentes. Ele pontua que não é possível ensinar sem que não tenhamos aprendido a estudar, em suas palavras:

Entendo por estudar a dedicação sistemática e motivada à desconstrução e reconstrução do conhecimento, na condição de sujeito capaz de interpretar com autonomia. O estudo bem feito sempre resulta em autoria, o que retira do interesse procedimentos de cópia, transmissão, aquisição. (DEMO, 2008: 14)

O que esse autor nos traz à reflexão é que o lugar da docência é o da pesquisa constante, de leituras de contextos e provocação a estruturas rígidas do pensar. O ensino que coloca o aluno passivamente diante de seu aprendizado o deixa refém da reprodução. Numa proposta de transformação artística essa experiência pode ser amplamente explorada.

A compreensão do professor de dança sobre o corpo e suas possibilidades de expressividade precisam estar apoiadas em outros saberes para além da forma, caso contrário teremos bailarinos ginastas, como alerta Vianna (1990):

O gesto do balé não deve ser apenas um gesto do balé: é um gesto trabalhado por um ser humano, especialista, e que envolve não apenas a memória daquele corpo, mas o corpo de todos os homens. É claro que tudo isso exige uma técnica e somente o aperfeiçoamento dessa técnica

vai permitir ao bailarino chegar a essa memória e essa emoção comum a todos os seres humanos. (VIANNA, 1990: 26)

A técnica não deveria afastar a humanidade e sim aproximá-la em sua atuação. Um bailarino muito comprometido apenas com a estética pode deixar- se alienar por ela tornando sua expressividade apenas compreendida por aqueles que compartilham da mesma ideia.

O que se pretende é que a arte da dança seja universal, no sentido de dialogar com outras pessoas e não se fechar em si mesma e de que nela o corpo não seja apenas um suporte, mas que seja considerado como parte a ser explorada de forma integral. Considerando que na dança corpo e alma estão implicados, caso o formador em dança não tenha essa compressão, seu trabalho certamente será fragmentado e talvez confundido com o do treinador de performances.

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