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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TEOLOGIA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA. ENTRE A CONSCIÊNCIA DO CORPO E O CORPO CONSCIENTE. ANDRÉ ROGÉRIO PEREIRA. SÃO PAULO 2018.

(2) ANDRE ROGÉRIO PEREIRA. ENTRE A CONSCIÊNCIA DO CORPO E O CORPO CONSCIENTE. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura.. Orientadora: Mirian Celeste Pereira Dias Martins. SÃO PAULO 2018.

(3)

(4) 2.

(5) Todos dançamos... A todos aqueles que em algum momento se permitiram fechar os olhos e reclinar a cabeça após sentir o vento bater em seu rosto. Nesse momento você se conectou com o ambiente, com a sensação e o movimento. Sim, você dançou. 3.

(6) Agradecimentos. Esta pesquisa é o resultado de inquietações pessoais de um bailarino que se alimentou de outras ciências para conectar pontos de sua formação artística não ligados apenas pela experiência artística. Agradeço aos diálogos estabelecidos com pessoas de diferentes áreas e culturas, aos amigos, professores, pessoas que admiro pelo talento, posicionamento artístico e político, colegas de trabalho, educadores, minha querida analista e tantos outros humanos que direta e indiretamente contribuíram até minha chegada aqui. Ao Senac que incentivou essa formação, mantendo um vínculo de confiança no trabalho de pesquisa, oferecendo suportes técnicos referentes ao trabalho e alargando a compreensão sobre a importância de formar para além das discussões profissionais. Aos meus diretores e coordenadores pela compreensão nas ausências no trabalho em busca de uma formação que extrapolasse o ser técnico em direção da construção de um humano mais sensível a dialogar. Aos colegas com quem divido a sala, o trabalho, as realizações, as angústias que tornam o trabalho mais prazeroso pelo simples fato de serem constantes na tarefa de educar.. 4.

(7) À professora Rosana Maria Pires Barbato Schwartz que, desde a entrevista de ingresso ao mestrado, foi sensível ao meu perfil profissional e, de maneira muito acolhedora, me ofereceu mais do que orientação durante as aulas de Metodologia Científica, me ajudou a entrar em contato com meu objeto de pesquisa e com a pessoa que depois se tornou minha orientadora. Decididamente minha gratidão maior está com meus pais Beatriz Rodrigues e Eros Antônio Pereira, que iniciaram a minha história. A eles minha gratidão não cabe em palavras. Em determinado momento da minha trajetória como bailarino, onde desaminei da vida artística, minha mãe me confessou que eu sempre dançara, desde seu ventre. Talvez tenha sido meu primeiro pás de deux, e ao saber disso a extensão da minha compreensão de que a dança não seria apenas uma profissão e sim um modo de viver. Cabe o registro da minha gratidão à banca de qualificação formada pelas professoras Rosana Schwartz e Mirza Ferreira que, de forma muito generosa, realizaram apontamentos importantes acrescentando pontos que ao se desdobrarem enriqueceram o texto e meu próprio saber. Olhares generosos e comprometidos podem influenciar de forma poderosa na construção de conhecimentos. Agradeço aos meus queridos amigos dos mais antigos sempre presentes aos que fiz durante o mestrado que não me fizeram cobranças em momentos de maior reclusão e introspecção. Ao meu namorado, sempre presente e carinhoso, que permaneceu incentivando, mesmo quando não podia lhe dedicar a atenção que merecia. Aos bailarinos que, de forma muito generosa, interromperam suas rotinas para responder às perguntas de forma tão sincera e carinhosa minha gratidão. Por um momento revivi com eles sentimentos muito parecidos e, principalmente, o amor pela dança, onde se dedicam como verdadeiros resistentes em tempos onde a arte é invadida por uma objetividade de fazeres que podem esvaziar seu real valor. Aos meus professores de dança, cada um deles deixou um pouco de seus ensinamentos e muito do amor pela arte, pela dança sempre me desafiando e 5.

(8) mantendo a confiança mesmo em momentos onde eu me deixava abater. Assim como aos alunos que passaram por mim contribuindo para minha compreensão mais crítica sobre o ensinar. Decidir por estudar encarando viver numa cidade como São Paulo em um momento de vida onde a energia precisa ser dividida entre tantas tarefas, é um ato de resistência ao mecanicismo que esvazia a reflexão sobre a ação e, neste sentido, o caminho apresenta parceiros que tornam possível encontrar diálogos construtivos. Por fim, e de fato, ocupando lugar de destaque, minha orientadora Mirian Celeste que sempre motivou a escrita, apresentando novos autores, novas experiências e novos olhares, ressaltando que a escrita não é um pesar e apontando de forma positiva que a elaboração de ideias em narrativas pode ser prazerosa e me inspirando, através de sua coerência e paixão pelo ensinar e comprometimento com a arte, a continuar na construção do educador que desejo ser.. 6.

(9) O movimento já não obedecia a um código imposto de fora, mas era ditado por uma necessidade interna e exigia, por parte do bailarino, um voltar-se para si. Não era do domínio do corpo, mas de seu deixar-se estar, que brotava da dança. Pierre Kaufmann (1996: 615) 7.

(10) Resumo. Esta pesquisa tem por objetivo refletir sobre o processo que se dá entre a consciência do corpo e o corpo consciente a partir da pergunta feita a bailarinos profissionais: “Por que você dança? ”. Considerando que esse fazer artístico está intrinsicamente comprometido com a vida para além dos palcos e da sala de ensaios. Diante de uma formação que dedica maior carga horária ao desenvolvimento físico, surge a possibilidade de refletir sobre a sobreposição de estratégias que aproximem o repertório de vida, as experiências cotidianas no sentido de aproximar instâncias indissociáveis: corpo e alma. Para sustentar a ideia de que corpo e alma não estão dissociados, a pesquisa foi fundamentada na fenomenologia de Merleau-Ponty acerca da percepção, onde por primazia o corpo é a principal via para o contato com a experiência, nas provocações sobre do ensino da dança no Brasil, feitas por Klauss Vianna e no diálogo com outros autores, filósofos e pensadores sobre a experiência artística e educacional como Dewey, Larrosa dentre outros. Como inspiração desta discussão duas personalidades na história da dança: Isadora Duncan e Pina Bausch que revolucionaram a dança, são fundamentais. Como metodologia de pesquisa qualitativa de natureza exploratória, foram realizadas e analisadas entrevistas com bailarinos que reforçaram a defesa de que o que não cabe em palavras só pode ser expresso no dançar. Problematizando o ensino da dança com questões ligadas à prevalência da forma, são propostas sobreposições de estratégias docentes que favoreçam aproximar a alma dos estudantes durante as aulas, estabelecendo uma possibilidade de diálogo entre o corpo consciente e a consciência do corpo.. Palavras chave: Ensino de dança; Dança; Arte/Educação; Cultura; Corpo. 8.

(11) Abstract. This research aims to reflect on the process that takes place between the consciousness of the body and the conscious body from the question asked to professional dancers: "Why do you dance? ". Considering that this artistic work is intrinsically committed to life beyond the stages and the rehearsal room. Faced with a training that devotes more time to physical development, there is the possibility of reflecting on the overlapping of strategies that approximate the repertoire of life, everyday experiences in the sense of approaching inseparable instances: body and soul. In order to support the idea that body and soul are not dissociated, the research was based on Merleau-Ponty's phenomenology about perception, where by primacy the body is the main way to contact with experience, in the provocations about dance teaching in Brazil, by Klauss Vianna and in the dialogue with other authors, philosophers and thinkers on the artistic and educational experience as Dewey, Larrosa among others. As inspiration of this discussion two personalities in the history of dance: Isadora Duncan and Pina Bausch who revolutionized dance, are fundamental. As a qualitative research methodology of an exploratory nature, interviews were conducted and analyzed with dancers who reinforced the defense that what can not fit into words can only be expressed in dance. Problematizing the teaching of dance with questions related to the prevalence of form, propose overlaps of teaching strategies that favor the approach of students' souls during classes, establishing a possibility of dialogue between the conscious body and the consciousness of the body.. Keywords: Dance teaching; Dance; Art/Education; Culture; Body. 9.

(12) Lista de imagens. Figura 1. Coreografia VOA, Coreografia de Isaura Guzmán (1998), Intérprete: André Pereira – Fotógrafa: Lamberti, Paula ................................................. 19. Figura 2. Five Brahms Waltzers, Coreografia de Isadora Duncan, Intérprete: Jodie Gates: Fotógrafo: Chinn, Paul. ........................................................... 22. Figura 3. Pina Bausch em Café Müller de 1978.......................................... 30 Figura 4. Tanztheater Wuppertal, Cena do filme Pina de Wim Wenders (2011), Coreografia: A Sagração da Primavera ....................................................... 45. Figura 5. Bodas de Sangre, Filme dirigido pelo cineasta e roteirista espanhol Carlos Saura (1974), obra homônima da peça de Frederico Garcia Lorca, Interpretes: Antônio Gades e Cristina Hoyos ................................................ 47. Figura 6. Tendüs à terre, Imagem sem identificação – Internet................... 53 Figura 7.Tendüs enl’air que evoluem em sua angulação, Imagem sem identificação – Internet ............................................................................... 53. Figura 8. Tanztheater Wuppertal, Cena do filme Pina de Wim Wenders (2011), Coreografia Vollmond (Luna llena) .............................................................. 81. 10.

(13) Sumário. Considerações iniciais .......................................................................... 12 Capítulo 1 – O corpo emancipado que escorre sem amarras ........... 20 1.1.. Desvestindo as amarras – Isadora Duncan ............................... 22. 1.2.. A voz do corpo – Pina Bausch ................................................... 27. 1.3.. A experiência vivida no corpo .................................................... 35. Capitulo 2 – Por que você dança? ....................................................... 38 Capítulo 3 – O corpo aprendente ......................................................... 51 3.1.. Problematizando a valorização da forma ................................... 52. 3.2.. A imagem internalizada .............................................................. 63. 3.3.. Coreografia e dança ................................................................... 77. 3.4.. Docência em dança .................................................................... 82. 3.5.. Sobreposições no ensino da dança ........................................... 86. Considerações finais............................................................................. 95 Referências .......................................................................................... 100 Anexo .................................................................................................... 104. 11.

(14) Considerações iniciais Compreender é experimentar o acordo entre aquilo que visamos e aquilo que é dado, entre a intenção e a efetuação – e o corpo é nosso ancoradouro em um mundo. MERLEAU-PONTY (2011: 200). A experiência1 artística desperta um potencial de comunicação, a partir de um estado contemplativo que revela sentimentos e sensações muito particulares e também semelhante a todos. A primeira vez que pisei num palco reconheci que deveria permanecer nele. Uma estranha sensação de ter encontrado o meu lugar no mundo. Por anos precisei estar ali. Não estou certo de que deveria tê-lo deixado. Este espaço me permitiu experimentar uma sensação de estar inteiro que não reconheço ter em outros lugares. Todo o trabalho em sala de aula, ensaios, trocas e novas conexões abriram sentido à minha existência e me permitiram ver o mundo com mais ternura e menos dor. A experiência de dançar e ser inundado pela música nunca se reproduziram da mesma forma e, de certo modo, pude cumprir outros papéis sociais por conta desta experiência. Todavia, não sei como nominar essa experiência. Consigo expressar como sinto, mas não em palavras ou conceitos. Somente dançando. Talvez seja o que Dewey (2010), diz sobre materializar a obra de arte, sobre dar forma objetiva ao que está no campo subjetivo da linguagem: O artista interessa-se pelo exercício de atividades dotadas de uma referência claramente objetiva – um efeito sobre o. 1. O conceito de experiência é fundamentado em Jorge Larrosa (2002) que o apresenta como sendo aquilo que nos toca, que nos acontece e que nos marca, onde atribuímos sentido gerando significado em nós, em conjunto com o que John Dewey (2010) define como experiência estética, onde a arte cria enlaces com nossa própria história quando a contemplamos ou a criamos dando significados a nossa vida em grupo.. 12.

(15) material, a fim de convertê-lo em um veículo de expressão. (DEWEY, 2010: 480). A alma se expande do tamanho do palco. Um silêncio absoluto só permite que a música que ouço, primeiro ressoe dentro de mim e então, neste momento, só existe o dançar. Por vinte e quatro anos dançando, sempre antes do abrir da cortina, ou mesmo, já em cena, fui assombrado pelo desespero de não lembrar da coreografia, de ter uma amnésia momentânea. Me arrependia por estar ali até o momento em que a música se iniciava e então, tudo acontecia. Mesmo o improviso era fluído. Ao final, o êxtase de repetir, de tornar o durante mais estendido, de permitir que o corpo continue a dançar. Minha. formação. acadêmica. em. psicologia. e. posteriormente. o. aprofundamento em psicanálise me fizeram perceber a integralidade entre a alma e o corpo, que não formulei durante minha formação como bailarino, mas que já suspeitava existir. No período da graduação os temas voltados ao corpo e a conexão dele com a alma convocavam meu lado artista curioso em entender as sensações que a dança me gerava. Não era apenas sobre o decorar de passos ou algo apenas mecânico e sim de uma expressividade de algo interno revelado nas apresentações no palco de um teatro ou em qualquer espaço de apresentação que permitisse ou proporcionasse o dançar. Desta trajetória chego a uma questão que impulsionou o interesse na pesquisa científica: O que você sente quando dança? Essa é a pergunta diretriz de minha dissertação. A leitura de textos da fenomenologia de Merleau-Ponty (2011), me aproximou da formulação desta pesquisa. No início minha questão estava centrada em apenas dois aspectos da formação de um bailarino: no aprendizado da dança como linguagem2 e à. 2. “Pela dança o homem manifesta os movimentos do seu mundo interior, tornando-os mais conscientes para si e para o espectador; pela dança ele reage ao mundo exterior e tenta apreender os fenômenos do universo. Nessa tentativa, ele se aproxima cada vez mais do seu Ser mais profundo. [...]. Enquanto dança, ele percebe novamente que é uno com seu próprio eu e com o mundo exterior. Quando atinge tal nível de experiência profunda, o homem descobre sentido da totalidade da vida” (PELEGRINI, apud VIANNA, 1990: 14). Para a dança destaco seu valor primitivo da expressividade onde o corpo é a expressão da comunicação sem o uso palavra. Tem relação com os sentimentos que movem o corpo. Assim, a dança é. 13.

(16) intensa dedicação e preparação física. Indagação que nasceu durante minha própria vivência3 como bailarino e do contato com o livro A Dança (1990), escrito pelo bailarino, diretor e professor de dança Klauss Vianna. Embora não tenha tido aulas com ele, foi através de seu livro que passei a questionar a minha formação artística. Naquela ocasião me chamava a atenção o longo período de treinamento físico e o pouco ou nenhum ensinamento artístico. Segundo Roger Garaudy (1980), “A dança do século XX tinha se transformado numa arte decorativa, desumanizada como uma rainha fútil e bonita, embalsamada em seu caixão de vidro” (GARAUDY, 1980: 42). Essa crítica foi feita pela maneira como a dança chega apenas pela forma estética comparada ao desempenho de atletas. De frente ou ao lado de uma barra de madeira, o estudante reestrutura sua postura e sua musculatura para alcançar alto desempenho de seu corpo nas sequências de dança propostas pelos seus coreógrafos e mestres. De certo modo, ao se apresentarem, as companhias de dança transportavam esse modo de funcionamento para os palcos. A execução apenas de uma técnica, que por si já chama a atenção por sua harmonia, mas que talvez tenha perdido sua alma. Esse resultado de uma dança bonita de ver, mas fria na expressividade de sentimentos se dá por algum motivo. Klauss Vianna (1990), o localiza no processo de aprendizagem durante a formação de um bailarino clássico: Sempre discordei da forma pela qual a técnica clássica chega aos bailarinos, no Brasil. Não discuto a beleza e a eficiência do clássico – ao contrário, amo o clássico -, mas há alguma coisa que se perdeu na relação entre professor e aluno que faz da sala de aula, um espaço pouco saudável” (VIANNA, 1990: 24).. linguagem que comunica ideias ou sentimentos por meio de signos gestuais que expressam subjetividades inseridas em suas culturas. 3. Utilizei o conceito de vivência de satisfação utilizado pela psicanálise que, segundo o Vocábulo de Psicanálise, está ligado a satisfação do desejo: “A satisfação passa a ser, desde então, ligada a imagem do objeto que proporcionou a satisfação, assim como à imagem do movimento reflexo permitiu a descarga. Quando o estado de tensão aparece de novo, a imagem do objeto é reinvestida. ” (LAPLANCHE e PONTALIS, 2001: 530). Ou seja, a vivência é uma marca de uma tensão causada por uma situação que convoca o nosso desejo inconsciente.. 14.

(17) A partir dessa crítica, passei a observar que a maioria dos professores de balé reproduziam métodos, principalmente o europeu, para o ensino da dança, desconsiderando as diferenças anatômicas e a peculiar sonoridade e desenvoltura latina. Os professores de dança, de modo geral, costumam se esquivar das perguntas relacionadas à compreensão dos passos, ressaltando apenas a memorização das sequências coreográficas. Não considero que seja fundamental conhecer de onde os movimentos surgiram de maneira histórica. A reflexão que faço é sobre compreender o porquê de realizá-los, de refletir sobre o movimento, de fazer relações entre o que se aprende em aula com outras dimensões da vida. Esta aproximação entre o aprendizado dos movimentos e gestos com a vivencia do estudante em dança, cria significados e a incorporação da técnica de maneira diferente, o que torna o espaço educativo um lugar de expressividade que se estende para as apresentações. É comum o entendimento da a sala de aula ser o lugar do treino e dos ensaios e as apresentações sejam reservadas para o dançar. Este tipo de pensamento é perigoso, pois a maior parte do tempo de um bailarino é se exercitando. Se lhe for segregado somente as apresentações a expressividade corremos o risco de estar formando ótimos executores de passos que não dançam. Durante as apresentações não existe questionamento técnico. Este já fora superado em aula, porém uma intuição de que há algo, ainda a ser investido nesta experiência que ficou aquém. E por que não poderia ter sido explorado nas salas de aula? Entendo este momento como a transição da consciência do corpo, já incorporado pela técnica, dando espaço para que corpo consciente se expresse. Para Merleau-Ponty (2011), uma expressividade efetua a significação que habita gestos, pois na ação dançante, a dança tece significações e sentidos, uma dimensão do agir humano em forma de expressividade artística criadora.. 15.

(18) Esse foi o ponto de partida, buscar na fenomenologia a integralidade entre corpo e alma, pois na dança não existe prevalência dessas instâncias e sim a integralidade delas. Esta integralidade está na linguagem que é expressão e comunicação. Atravessado pelo pensamento psicanalista, busquei as primeiras inquietações sobre o corpo, útil para o desempenho das tarefas cotidianas e que delimita a própria existência. A psicanalista Françoise Dolto (2007) apresenta o conceito de imagem inconsciente do corpo, imagem internalizada de como se é. Essa referência de si mesmo tem seu momento inaugural descrito por Lacan (1998) como Estádio do Espelho; a criança aliena sua própria imagem e reconhece-se outro fora de si ao contemplar-se diante do espelho. Esse momento de apropriação de si está, fundamentalmente, relacionado ao apropriar-se do corpo próprio. Tudo o que se desenvolve relacionado à identidade e alteridade parte deste momento inaugural. Essa integralidade tende a ser dividida. Culturalmente costuma-se separar o pensamento do corpo, atribuindo a essas instâncias funções diferentes ou mesmo valorativas. Essa dissociação separa a condição integral – corpo e alma. No ensino da dança essa separação aparece quando se valora mais o ensino da técnica e se reduz a formação artística. Há uma preocupação e um resgate nesta pesquisa em pensar a dança através da fenomenologia. Uma perfeita harmonia de um corpo que se expressa a partir de sentimentos, de percepções constitutivas totalmente inéditas e não dadas de modo metódico. Um entrelaçamento do corpo instrumento, corpo consciência, nas formulações da fenomenologia: “corpo-próprio”, que está aberto ao mundo para percebê-lo e interpretá-lo. A questão está em como será que os bailarinos se percebem neste processo. Se tem consciência de que ao dançar seu corpo está integrado aos seus próprios sentimentos ou quando se tornam professores reproduzem apenas o ensino da técnica corporal. O corpo consciente é aquele que consegue transmutar o aprendizado de técnicas incorporando-as à própria vida para além do exercício profissional. Para 16.

(19) os artistas do corpo, existe um processo que ultrapassa a forma e ganha um contorno que dá significados a gestos que, talvez, na automatização diária se tornem apenas reflexos motores perdendo ou enfraquecendo a intencionalidade do que desejam, de fato, revelar ou dizer. O corpo consciente não é um lugar objetivo que se pretende chegar e sim um processo no qual, sem a intencionalidade educacional durante a formação do bailarino, fique apenas a consciência do corpo, em outras palavras, no domínio da técnica que não relaciona a outras dimensões de sua própria vida que pode ampliar sua expressividade. Para dar corpo a essa pesquisa realizei entrevistas com bailarinos profissionais que atuam em companhias que se mantém com espetáculos em circulação e também como professores, extraindo de suas falas o sentimento que os move a continuar dançando. Realizei uma pesquisa oral qualitativa com apenas duas perguntas: O que você sente quando dança? E por que você dança? a fim de conhecer a motivação interna que os impulsionam a se manterem como bailarinos diante de um cenário econômico pouco atrativo, onde o investimento de tempo e financeiro são instáveis, no sentido de lhes garantir a subsistência. Procurei os bailarinos durante o intervalo de seus ensaios para aproveitar o ambiente e a energia do lugar onde realizam a arte de dançar. Foi interessante perceber que a pergunta os deixara incomodados, pois era difícil dizer em palavras o significado de dançar. As respostas foram inseridas no texto dando o contorno de que a dança é em si mesmo a formulação de significados que não couberam em palavras, evidenciando que o corpo é quem diz. Todos os entrevistados permitiram terem seu nomes e respostas revelados nesta pesquisa. O ambiente das companhias é sempre agitado. Mesmo entre intervalos, os bailarinos mantêm-se dedicados em conversas ligadas ao ensaio, repassando as sequências coreográficas, revendo detalhes e chamando a atenção para as correções solicitadas pela direção. Mesmo durante as pausas a energia permanece atenta. Os bailarinos trabalham duro e demonstram estar à vontade com isso.. 17.

(20) Os capítulos que seguem esta dissertação estão fundamentados na experiência estética formulada por John Dewey (2010), com base em pensadores da educação, estudiosos do corpo como Christine Greiner (2006), e pesquisadores da dança como Mirza Ferreira (2017), que apresentam outros pensadores e filósofos desta arte como José Gil (2001), Laurence Loupe (2012), dentre outros que se tornaram referência para essa pesquisa. No primeiro capítulo destaco duas personalidades que influenciaram o mundo da dança: Isadora Duncan e Pina Bausch. Suas vidas e atuação artística modificaram a estética da dança. No segundo capítulo apresento as entrevistas que realizei com bailarinos para entender seus sentimentos quando dançam, analisando-os a partir da fenomenologia de Merleau-Ponty (2011). No terceiro capítulo dedico à análise do ensino da dança a partir de uma reflexão sobre a sobreposição de métodos chamando a atenção para não haver maior dedicação ao desempenho da técnica sobre o corpo deixando de lado o desenvolvimento da expressividade. As imagens que compõem o texto são abordadas como leituras do movimento. Elas não partem de uma discussão da fotografia ou do olhar do fotógrafo e sim do bailarino que as lê. Acredito que durante a formação do bailarino que pretende ser profissional da dança é necessário que ele se entenda como artista. Nesse processo cabe ao professor relacionar aos movimentos as sensações e percepções do aluno. Talvez caiba sempre perguntar: O que você sente quando dança? Esta pergunta também me foi feita pela banca na defesa. Para responder escolhi uma imagem minha dançando no ano de 1998 que ilustra o sentimento de liberdade que a dança me desperta. A coreografia se chama Voa, no momento registrado um salto em grand jete. Quando vejo esta fotografia compreendo que minha atuação não é somente estética, mas uma expressão de sentimentos, de entrega e de me deixar tomar pela música e pelo que ela me provoca.. 18.

(21) Figura 1. Coreografia VOA, Coreografia de Isaura Guzmán (1998), Intérprete: André Pereira – Fotógrafa: Lamberti, Paula. O que sinto quando danço não cabe em palavras. Está dito quando me movimento, quando digo com o corpo. É uma elaboração de sentimentos que a dança me permite expressar no ato, no contexto de uma cena, que se expande para o cotidiano na observação de mim mesmo e dos contextos sociais em que estou inserido. A dança não se encerra na apresentação. Ela se expande e me permite realizar outras compreensões e autoconhecimento e um encontro que com o outro naquilo que somos semelhantes: nossos corpos e nossa expressividade. Nos poros de um corpo que dança, a pesquisa se aprofundou e conheceu mais do que líquidos que fluíam para se recuperar do esforço físico exigido pelo dançar. Um corpo comunicante encontrou lugar de fala em um universo onde é comum dizer tudo sem palavras .. 19.

(22) Capítulo 1 O corpo emancipado que escorre sem amarras. O problema era a emancipação: que todo homem do povo pudesse conceber sua dignidade de homem, medir a dimensão de sua capacidade intelectual e decidir quanto a seu uso. RANCIÈRI (2017: 37). Nenhum corpo é emancipado por si mesmo. Ele sempre estará mediado por sua época e por instâncias sociais como a religião, normas de civilidade e conduta mediadas pelo próprio Estado. No recorte do mundo da dança não é diferente, pois sujeitamos os corpos dos bailarinos profissionais a horas de trabalho e também a modelos estéticos que dão contornos a perfis esperados e desejados. Todavia, algo que habita dentro de todos nós parece, em algum momento, nos convocar à fala, talvez não a palavra em si, mas a expressividade. Embora a emancipação não seja o fenômeno que melhor explique, considero que as duas personalidades femininas que escolhi para esta pesquisa, em seu tempo e por suas vivências, emanciparam algo que a dança já estava gestando para nascer de dentro delas. Nesse sentido, a dança permite um espaço para que o sujeito se coloque e se expresse dando vasão às impossibilidades de expressão de se tornarem reveladas em ato, em cena como uma escolha de lugar possível. Neste capítulo irei analisar o processo criativo de bailarinos e coreógrafos como resultado de uma formação artística interdisciplinar com outras artes que, transversalmente, inspiram a criação de obras que traduzem momentos sociais e que também se conectam com as inquietações humanas. Para isso contextualizarei, brevemente, duas personalidades importantes para a dança: Isadora Duncan e Pinha Bausch. Como precursoras, deram contorno a vida interior humana e de sua relação com a natureza através da dança. Ambas com a formação tradicional em balé clássico e suas rupturas, deram o tom para a criação de montagens contemporâneas que ainda hoje são referências para o universo da dança. 20.

(23) Importante dizer que este não é um caminho linear, pois ao escolher citar essas duas personalidades que viveram em tempos históricos muito diferentes, o destaque está pela sua atitude frente a modelos impostos em suas épocas, e neste sentido ambas não lidaram com prevalências. Como Rancièri (2017), que nos apresenta o conceito de emancipação sendo um conhecimento de si ou de algo que possa ser lançado na medida em que possa escolher como e quando, uma autonomia que se faz por entender a escolha ou a necessidade de compartilhar o que se aprendeu. A leitura dessas histórias nos coloca em contato com duas mulheres bailarinas que integraram à sua dança uma expressividade importante e que decidiram dividir de forma artística, na dança, corpos que aprenderam a dizer algo muito próximo de suas vivências e autoconhecimento com alcance que pode nos inspirar a pensar sobre o ensino da dança. Um corpo que se emancipa leva consigo formulações sobre si mesmo. E nesse sentido não está dividido, está integrado com seus pensamentos, com suas ideias sobre como lê seu mundo e por isso sente a necessidade de se expressar. A escolha da arte como possibilidade de colocar em suspensão padrões estabelecidos é revolucionária e pacífica, pois não impõe uma nova regra, mas oferece caminhos à reflexão em respeito aos diferentes momentos onde cada um pode se ver emancipado.. 21.

(24) 1.1.. Desvestindo as amarras – Isadora Duncan Uma imagem. Uma bailarina dançando e nesse ato expressando um. momento que diz muito sobre um corpo que se liberta, que se disponibiliza, que se entrega à interpretação e seu sentir, desvestindo 4amarras:. Figura 2. Five Brahms Waltzers, Coreografia de Isadora Duncan, Intérprete Jodie Gates: Fotógrafo: Chinn, Paul.. Nesta figura a bailarina Jodie Gates, interpreta Five Brahms Waltzers ao estilo de Isadora Duncan onde é possível identificar várias rupturas à dança. 4. A escolha pelo termo “amarras” tem o sentido de dizer sobre as impossibilidades de expressões físicas ligadas a hábitos e padrões sociais, principalmente aos aceitos socialmente que podem ser observados em indumentárias, vestimentas que determinam gêneros e status social. As amarras também podem ter o sentido de prisões mentais que limitam ou invalidam a nossa percepção pessoal dando lugar aquilo que já está dado. O corpo que dança escorre as amarras encontrando veios possíveis de expressão que fora dela já estejam condicionadas as convenções sociais e políticas que nos medeiam.. 22.

(25) clássica. Para além de uma síntese de força interpretativa onde os pés tensos elevam a estatura a fim de transpor a própria medida e buscar no alto algo que transcenda o que está na terra, disponibilizando nas mãos e braços tensos, amarras invisíveis que talvez só estejam presentes em conceituações morais não refletidas, mas que podem ser despertadas na experiência da arte. Notamos também a revolução nas apresentações de dança de sua época desvestindo os espartilhos e tutüs clássicos dos balés de repertório, dos cabelos presos em coque, em geral revestidos por pequenas coroas ou arranjos de flores e, principalmente, da emblemática sapatilha de ponta para dançar livremente num palco desprovido de indumentárias e cenários grandiosos e de passos codificados. O corpo em cena se torna o único elemento a ser visto, protagonista numa dança que, organicamente, obedece ao mover nada convencional ao costume da plateia, mas, intrinsicamente comprometido com a sua verdade. Um corpo feminino desprendido no palco podendo ser o que deseja, se permitindo de romper com rigores estéticos estabelecidos pelo balé clássico e de uma “época mais conservadora”, se autoriza a rompê-los através da arte, da dança. No contexto final do século XIX para a entrada do século XX há importantes mudanças sociais, políticas e econômicas que ressaltaram a diferença entre proletariado e burguesia. Na arte expressionismo buscava uma certa interioridade dos artistas. O pensamento filosófico é influenciado pela psicanálise que desconstrói a ideia de controle da consciência em busca de pensar o homem a partir do inconsciente. Neste contexto, Duncan se tornou um símbolo que inspirou mudanças, pois, não era somente em suas apresentações que ela revolucionava. Podemos dizer que estava à frente de seu tempo como mulher com propostas emancipatórias e questionamentos ligados à política e ao papel da mulher na sociedade. Questões hoje muito discutidas sobre o feminismo e direitos humanos e o protagonismo do corpo feminino. Ainda sobre a imagem de Jodie, é possível identificar a interpretação contida nas coreografias de Duncan de como o corpo está disponível ao movimento conectado ao sentir. Logo as partituras e a movimentação surgem. 23.

(26) da necessidade de expressar, de revelar, de dizer, compondo uma dramaturgia criando enredos próprios. Ao escrever sobre a dança moderna, o filósofo Roger Garaudy (1980), fala sobre a ruptura que Duncan causou em favor de um novo movimento que inspiraria a concepção sobre a quem o corpo deveria servir ao dançar: A “dança moderna” retoma assim – depois de quatro séculos de “ballet clássico” e vinte séculos de desprezo do corpo por um cristianismo pervertido pelo dualismo platônico – o que foi a dança para todos os povos, em todos os tempos: a expressão, através de movimentos do corpo organizados em sequências significativas, de experiências que transcendem o poder das palavras e da mímica. (GARAUDY, 1980: 13). Desde pequena, Isadora, que nasceu em São Francisco no ano de 1877, época de reconstrução pós-guerra civil americana, se movera conforme sua intuição inspirando-se na natureza, entregando-se ao vento, às ondas do mar, deixando-se envolver pelos odores dos ambientes, assemelhando-se a uma criança que descobre os sentidos experimentando o efeito que eles lhe provocam e sua necessidade de expressar a todos os estímulos que recebe. Isadora rejeitou estudar pois considerava a educação muito restritiva. Ela ingressa na dança aos 10 anos de idade e seu comportamento natural já era contestador a sistemas educacionais que enquadram sujeitos em modelos sociais vigentes (PORTINARI, 1989). O que me faz lembrar de Rancièri (2017), quando ele trata sobre a instrução num processo onde a escolarização se coloca como detentora de todo saber, no sentido de que a escola exerce um reflexo da sociedade: Instruir pode, portanto, significar duas coisas absolutamente opostas: confirmar uma incapacidade pelo próprio ato que pretende reduzi-la ou, inversamente, forçar uma capacidade que se ignora ou se denega a se reconhecer e a desenvolver todas as consequências desse reconhecimento. (RANCIÈRI, 2017: 11). Isadora usa a expressão como forma de comunicação para conectar seus sentimentos mais internos e trazê-los para fora, expressando-os em gestos,. 24.

(27) movimentos e ações que talvez, para os padrões de sua época não fossem totalmente compreendidos. Ao trazer para a dança essas sensações, torna público sua leitura sobre vida, rompendo com os formatos dos balés de corte, principalmente sobre as personagens femininas sempre castas à espera de uma figura masculina que as tornassem emancipadas por meio do casamento. É neste sentido que ela expressa a sua emancipação, assumindo as consequências de expor seu corpo nas apresentações da maneira como se sentia à vontade muito inspirada na cultura grega. Entre união e compromisso de se deixar sentir e liberar-se ao movimento. Permissão para sentir e expressar aquilo que não tem palavra ou forma, em seu caso, apenas dançar com o interior de si mesmo, como diz a historiadora, pesquisadora e jornalista Maribel Portinari (1989): [...] se Isadora ajudou a arejar o convencional, sua principal contribuição consistiu em indicar novas vias de expressão. Vagamente inspirada em modelos gregos, ela se fez arauto da libertação do corpo, fosse pelos movimentos ou pela simplificação da indumentária. Sua dança propunha, acima de tudo, uma harmonia com a natureza. (PORTINARI, 1989: 139). Sua trajetória como bailarina a colocou como coreógrafa e professora. Ela passou a ensinar a dança que irradiava de seu interior. Ela chegou a montar apresentações inspiradas no helenismo com seus bailarinos e viajara para a Europa e por onde passava recebia reconhecimento. Claro que em alguns locais não. Seus contemporâneos passaram a trabalhar na sistematização desta aprendizagem para reafirmá-la como linguagem e método de ensino. Uma certa interioridade a partir do sentimento de quem dança surge com força e arrebata emoções, seguindo o princípio de libertar o ensino da dança do condicionamento do corpo dos bailarinos. Algo do drama mediado passa a ganhar contornos estéticos diferentes dos apresentados pelos clássicos de repertório. O eixo corporal, ponto de equilíbrio e saltos ganham dinâmicas diferentes em tempos musicais pouco prováveis. O corpo ganha uma voz para além da mimese como uma onda interna que reverbera de dentro para fora, não como descarga e sim como síntese. 25.

(28) Assim como a palavra não é a coisa, mas a representação dela, a dança é em si mesmo a presentação daquilo que só se pode mostrar dançando. Assim como Susanne Langer (1971), apresenta em sua análise sobre a linguagem e os significados que nela estão contidos ao se referir a expressividade da dança: Primeiro as ações da “dança” tenderiam a tornar-se pantomímicas, reminiscentes daquilo que causara a grande excitação. Elas se ritualizariam, e ateriam a mente ao evento celebrado. Em outras palavras, haveria modos convencionais de dançar apropriados a certas ocasiões, tão intimamente associados a tal espécie de ocasião que, agora, sustentariam e corporificariam o conceito desta – em outros termos, emergiriam gestos simbólicos. (LANGER, 1971: 136). Estes gestos simbólicos estão presentes na cultura, mas também podem ser ressignificados na medida em que alguém provoque rupturas, permitindo que novos signos sejam expressos em movimentos pela força emocional. Essa abertura de pensamento em relação à dança mudou a maneira de apreciá-la, pois, o público ao assistir as apresentações onde os corpos obedecendo ao desejo de mover-se livremente lhes causou comoção. A catarse promovida pelo teatro se aproxima da dança como nos rituais mais primitivos que congregavam todos a dançar. Um corpo emancipado pela liberdade de escoar sem amarras. A atitude de Isadora Duncan ainda influencia a professores e coreógrafos na atualidade que desejam explorar outras formas de criação de suas obras. Todavia prevalece o rigor pela forma na formação acadêmica de um bailarino sem um equilíbrio para privilegiar também o desenvolvimento da expressividade ou a expansão da leitura da consciência do corpo para a vida cotidiana. Maribel Portinari (1989), chama Isadora de Dionisíaca, pois sua mente indomável fez valer em seu corpo suas imagens poéticas, ao citar seu testemunho sobre como ela, de como antevê o movimento em seu corpo diz: “Minha primeira ideia sobre a dança me veio pelas ondas do mar. Eu procurava imitar seu movimento, seu ritmo” (DUNCAN, apud PORTINARI, 1989: 136).. 26.

(29) Nesta narrativa ela revela estar liberta. O corpo pode transmutar para além de sua própria borda. O desejo de presentação não precisa estar ligado ou associado a pantomina humana, mas pode congregar com outros elementos, outros sons, outras músicas, outras sensações. Uma certa interioridade encontra caminho validado por Duncan para influenciar a dança moderna e seus sucessores. Adentraremos no universo criativo de Pina Bausch, a artista que ousou uma nova forma de criar o processo de coreografar, antecipando o que hoje chamamos de processo colaborativo, mas de maneira inovadora à sua época.. 1.2.. A voz do corpo – Pina Bausch Aos 15 anos a alemã Pina Bausch inicia seus estudos em dança na escola. de Folkwang Hochschule em 1955 e se torna aluna de Kurt Jooss, que inseriu a dramaturgia em suas obras e o poder expressivo na dança moderna. Segundo Juliana Silveira (2015), “(...) ele buscou desenvolver a dança como uma linguagem, insistindo que todo movimento deveria ter um significado.” (SILVEIRA, 2015: 47). Ele foi o diretor desta escola e o precursor do que mais tarde chamou-se dança-teatro. Ser aluna de Jooss, certamente influenciou na formação de Pina de maneira decisiva a pensar num caminho diferente para sua atuação artística. Nessa escola os estudos não eram focados em apenas uma área. Todas as artes e influências culturais eram ministradas aos alunos, independentemente de sua escolha principal. Juliana Silveira (2015), ressalta que essa interdisciplinaridade ampliava a perspectiva para entender e compor uma compreensão da arte de forma integrada. Uma formação com essa característica deixa impressões determinantes para formação de repertório e referências consistentes sobre arte, sociedade e cultura, desenvolvendo habilidades importantes.. 27.

(30) Juliana Silveira (2015), destaca a percepção de Pina sobre como era a sua dinâmica de estudos na escola, destacando o trecho de uma entrevista que concedida a filósofa e critica de teatro e dança, Leonetta Bentivoglio em 1994: [...] havia duas seções distintas no mesmo edifício: a primeira seção incluía as matérias vinculadas ao teatro, como a música e a dança, e a segunda, todas as artes visuais, a fotografia, a escultura, a pintura e assim por diante. O programa de dança era muito vasto: estudavase a dança clássica, os diferentes tipos de técnicas modernas, todos os gêneros de folclore europeu, muitas matérias teóricas e ainda a composição, ou seja, aulas em que os alunos eram estimulados para a criatividade. (BENTIVOGLIO apud SILVEIRA, 2015: 36). Para estimular a criatividade dos alunos, o programa da escola contemplava apresentar outras áreas das artes para provocar novos olhares e estimular a criatividade e a imaginação. Juliana Silveira (2015), destaca a própria percepção de Pina frente a interdisciplinaridade a partir de uma fala que está em uma publicação do Caderno Mais da Folha de São Paulo do ano de 2000: [...] o magnífico daquela escola, ao lado de meus iminentes professores Kurt Jooss, Hanz Zullig, Jean Cebron e outros, era que havia tantas coisas a aprender, e todas despertavam a imaginação [...] (BAUSCH apud SILVEIRA, 2015: 37). Despertar a imaginação é a maior e mais difícil tarefa que o ensino, independentemente de ser ou não dirigido à arte, pode proporcionar a um aluno. Durante o período em que ministrei aulas de dança, sentia dificuldade em rebaixar a racionalidade dos alunos para que eles experimentassem sensações a partir da música e do movimento. Há que considerar que a experiência escolar tem se reduzido à formação a instrumentalização de saberes que objetivam a entrada no mundo do trabalho. Disciplinas como arte musical e teatro se tornaram optativas e quando estão presentes, tem um caráter recreativo sem seguir o mesmo critério avaliativo das demais tornando facultativa a presença e assiduidade dos alunos, esvaziando o potencial que despertarem a criatividade, a leitura crítica ou, no limite, a sensibilidade. Essa dificuldade de mobilizar a imaginação era compartilhada por um grupo de professores de teatro que coordenei no período de 2013 a 2017. Em 28.

(31) nossas reuniões de planejamento o desafio maior não era o ensino de conteúdos como História do Teatro ou Caracterização Cênica que considerávamos ter um caráter mais didático. O desafio educacional era despertar ou, como costumávamos dizer: “destravar” a imaginação. Depois de formada em 1959, ela parte para Nova York para estudar na Juilliard School com bolsa de estudos. Para se manter financeiramente passa a atuar como bailarina no Metropolitan Opera e no New American Ballet. Segundo Juliana Silveira (2015), a vida agitada na metrópole lhe marcaria. O trabalho com diferentes coreógrafos daquela época em conjunto com seus estudos e a pressão para se manter financeiramente e conectada a todos estímulos culturais da metrópole lhe causaram incertezas que ela passou a integrar a sua expressão interpretativa e futuramente em suas criações coreográficas. Em 1962 ela retorna para a Alemanha para a mesma escola onde foi aluna, agora como professora e em seguida, após Jooss se aposentar, ela assume a direção do departamento de Folkwang. Segundo Silveira (2015), Pina passa a criar coreografias, não pelo desejo de criá-las, mas pela necessidade de dançar. Uma professora que dança. Mesmo ocupando o cargo de direção e coreógrafa, ela permanece em cena. Gostava de estar no palco, de sentir os movimentos e de transmiti-los à companhia. Sua presença em cena torna-se cada vez mais marcante por sua interpretação e pelos movimentos que desafiam o peso corporal parecendo flutuar em ondas sonoras. A busca por movimentos que se conectem à vida e que tragam ao palco uma conexão passam por questões sociais, o que era uma das marcas no trabalho de Pina. O processo de criação que ela utilizou com sua companhia buscava essa aproximação, uma narrativa para sua dança. Ela buscava “uma certa honestidade”, para a sua criação (BAUSCH apud SILVEIRA, 2015: 60). Esta honestidade cria uma conexão com o público, por se reconhecerem na movimentação dos bailarinos. Entendo como uma necessidade de Pina em se aproximar das pessoas, de observar seus gestos mais coloquiais e revelar intencionalidades carregadas de sentimentos e, neste sentido, por mais que 29.

(32) tenhamos uma constituição histórica ou subjetiva que se repita em hábitos, pode conter algo de inédito que ela procurou explorar em sua observação. A construção de uma dramaturgia de gestos simples e carregados de sensibilidade, de deixar fluir na pele sensações minimalistas ao mesmo tempo carregadas de intensidade que ganham a proporção do palco e do olhar. Uma permissão de explorar e bancar numa expressão artística uma pincelada inédita, uma nova tonalidade de cor, uma representação contemporânea que arrisca desbravar novas concepções sobre o movimento e que no caso de Pina, influenciar outros artistas da dança a começar pelos seus alunos e companheiros de cena.. Figura 3. Pina Bausch em Café Müller de 1978. Nesta imagem podemos ver a força expressiva do gesto de Pina Bausch onde sua musculatura revela uma tensão ao mesmo tempo em que parece gravitacional, quase que suspensa no ar. Este tipo de movimentação lhe era muito peculiar, como um hiato no tempo os movimentos são combinados entre força e leveza, contradições que ocupam nossas decisões frente à solidão por exemplo. Estagnados pelos sentimentos de aterramento ansiosos por um lufar, uma saída, uma possibilidade de reconhecer no outro, sentimentos de. 30.

(33) identificação ou libertação.. Pausas que temos frente a tensão que os. sentimentos nos geram, estados de suspensão da mente materializados nos gestos dançados por Pina. Ela foi a diretora, coreógrafa e bailarina de Café Müller (1978). Este balé ficou popularmente conhecido por aparecer no início do filme Fale com Ela (2002) do cineasta espanhol Pedro Almodóvar que inseriu um pequeno trecho onde Pina está dançando com gestos minimalistas num grande salão. Embora esta obra seja reconhecida desde sua estreia, na década de setenta, foi a partir deste filme, é que outas pessoas, fora do universo da dança, passaram a conhecer e a se interessar pelo trabalho de Pina Bausch. Nessa obra que trata sobre a solidão, de encontros e desencontros, a interpretação entregue e visceral dos bailarinos que se movem por um salão com cadeiras e mesas onde eles interpretam pessoas comuns com roupas do cotidiano e movimentos que conclamam um ao outro ao mesmo tempo em que se separam. Infelizmente não tive a oportunidade de assistir ao vivo, mas em vídeo e como bailarino notei que estava para além de um compromisso coreográfico, era dança. Durante a coreografia, no trecho fotografado, Pina dança com os olhos fechados. Esta postura traduz o afastamento de um estado de vigília demonstrando entrega e confiança a obra que se esta dançando. Essa confiança se constrói com um vínculo muito próximo do que os atores chamam de jogo cênico. No teatro, os atores, exercitam vários exercícios para promover a confiança que resulta em sinergia durante a leitura dramática. A letra do texto passa a ganhar a autonomia interpretativa deixando de ser roteiro para se tornar a história que se deseja contar. O mesmo ocorre na dança, porém, as marcações coreográficas guiam a movimentação em cena. Na dança-teatro há um espaço para o jogo que se estabelece na interpretação. Pina explora este espaço com experimentando o método de perguntas e respostas para criar suas coreografias. Os bailarinos são convidados a contar suas vivências, suas histórias de vida. Ela buscava associações por meio de temas de outros balés numa busca de fazer algo novo sem abandonar um percurso já existente, como apresenta Juliana: 31.

(34) As perguntas que a corógrafa formulava eram tentativas de reaprender a ver o mundo, as pessoas e suas relações. A pesquisa sobre questões relativas aos seres humanos e às suas relações era o eixo de seu trabalho. Nas palavras de Bausch: “É a vida, o que sucede à nossa volta, que inevitavelmente constitui uma influência. É isso, não diria que sou influenciada por fatores artísticos propriamente ditos. Tento falar da vida. O que me interessa é a humanidade, a relação entre os humanos. ” (SILVEIRA, 2015: 60). Pina estava muito interessada em trazer temas corriqueiros das vidas das pessoas e inicia esse processo com seus bailarinos. Ela reuniu esses relatos e procurava explorar os sentimentos através de perguntas. Assim ela montava partituras de movimentos inéditas formando novos desenhos coreográficos e carregados de emoção. Isso permitiu que sensações, antes não exploradas, fossem consideradas como elementos para a criação. Foi preciso libertar o corpo de dentro para fora, reconectá-lo ao sentir, reapropriá-lo de significado em seus gestos, valorizar a caminhada não pela sua motricidade, mas pelo sentido de caminhar: com peso, sem peso, em velocidade ou retração. Algo que passe pela interpretação e que tenha total significado com a narrativa que se deseja expressar. Uma maneira de tornar corpos já habilidosos e moldados pela técnica da dança em corpos conscientes. Isso desloca o bailarino de um papel passivo durante a criação de uma obra. Num modelo tradicional, o bailarino está presente e atento ao processo criativo do coreógrafo, mantendo a observação atenta para aprender as sequências e partituras coreográficas. Na medida em que apreende o movimento se conecta a intenção do criador, criando um compromisso através de um processo colaborativo. Pina propõe implicar a vivência de quem se move. Ela se abre para ser atravessada pelo o que sente o bailarino e depois transmutar isso em uma obra artística. Num diálogo onde a palavra vira movimento, ela explora os sentimentos e não os condiciona. Segundo Juliana (2015), no início está maneira de trabalhar com o elenco gerou muito desconforto. Bailarinos deixaram de trabalhar com Pina fazendo duras críticas e esse método reivindicando trabalhar com outros coreógrafos em métodos mais tradicionais. Aos que permaneceram, ela 32.

(35) conseguiu “tocar” de maneira muito singular a ponto de ficarem completamente “viciados” em prosseguir trabalhando suas narrativas a serviço da dança: Utilizei, além dos bailarinos, vários atores, e percebi que não podia criar a partir de evoluções do corpo, mas sim da cabeça, e por isso comecei a fazer perguntas sobre o que o grupo pensava do texto e o vínculo com a vida pessoal de cada um. Percebi que isso funcionou muito bem, e desde então sempre utilizei perguntas. (BENTIVOGLIO apud SILVEIRA, 2015: 58). Nota-se que a formação interdisciplinar de Pina lhe dá abertura para buscar recursos fora da dança, para fortalecer sua companhia e dar segurança para investir no método de perguntas. Pina observa o trabalho do bailarino tentando desvelar algo que estivesse para além do movimento, segundo Juliana Silveira (2015), sua indagação estava instalada em “o que move as pessoas? ”. Sua questão não estava centralizada no bailarino executor de movimentos, mas em como os movimentos respondem ao cotidiano criando uma conexão entre o corpo natural e sua estética dançante. Nesse sentido, Pina insere o bailarino às questões que a inquietam ampliando seu olhar para outras questões para além do universo da dança. Talvez seja sua ruptura mais importante, pois ao realizar esse trabalho ela transforma em ato cênico o cotidiano, assim como faz o teatro mediado pela dramaturgia escrita. Diferente do texto impresso interpretado pelo ator, a narrativa coreográfica de Pina está impressa no interior de seus bailarinos e presentada no corpo. Resgatando a um estado onde corpo integra-se à alma aproximando-se do que define José Gil (2001), sobre o movimento exercido pelo bailarino: No gesto comum, o braço entra em movimento no espaço porque a acção impõe do exterior uma deslocação ao corpo; pelo contrário, no gesto dançado, o movimento, vindo do interior, leva consigo o braço. Movimento ritmado que “transporta” o corpo. Esse mesmo corpo que é seu suporte. Von Laban diz que o movimento é dançado quando “a acção exterior é subordinada ao sentimento interior”. (GIL, 2001: 14). 33.

(36) Na lógica de José Gil (2001), e de Rudolf Laban (1978), a dança começa dentro do corpo e se revela no corpo, entre o vácuo do espaço criando o momento de apreciação, diferente da automação do movimento. A dança se propõe à reflexão dos gestos e é neste sentido que Pina desenvolve com a sua companhia, o método de perguntas a partir deste espaço. Neste sentido o método de Pina, como um todo, cria uma oportunidade intencional de trazer os sentimentos dos bailarinos à tona durante o trabalho de criação com a companhia e não somente para o momento de apresentação da dança. Ao realizar esse trabalho com a companhia, penso que Pina está descrevendo a anatomia dos gestos por meio das narrativas dos bailarinos, no sentido de reorganizá-los atribuindo maior significado. Isto proporciona outra dimensão interpretativa, onde a criação respeita sua subjetividade e interação coletiva. Nesse contexto histórico o pensamento psicanalítico florescia e influenciava à vários artistas nas artes plásticas e na literatura. Não encontrei uma referência direta desta influência na dança, mas foi inevitável não associar que assim como Sigmund Freud5 deu voz ao corpo, para além do sintoma, através da escuta, Pina o fez com seus bailarinos ao ouvi-los numa espécie de busca e interesse de encontrar o que antecede em nós internamente que resulta em gesto e em movimento. Esta técnica permitia o contato com a natureza dos sentimentos e sua imediata expressão no corpo. Merleau-Ponty (2011), chama isso de contato com a ambiguidade essencial. Para ele, nem sempre relacionamos exatamente o interno com o externo (sentimento e corpo), pois há uma necessidade de objetivar o sentimento em linguagem. Em um contexto social repressor que categoriza e qualifica a relação humana depreciando as expressões do corpo. 5. Sigmund Freud (1856-1939), médico vienense, fundador da psicanálise. (ROUDINESCO e PLON, 1998: 272). Freud formulou sua teoria sobre a interferência do inconsciente nos sintomas das histéricas que atendia atuando por meio da escuta de suas memórias. Como médico ele não se deteve a uma atuação clínica diagnóstica, mas procurou entender os sintomas através da fala de suas pacientes. Sua principal relevância no campo da psicologia é que ele deu voz ao corpo e assim conseguiu aproximar-se das memórias reprimidas no inconsciente e promover a melhora de seus pacientes, modificando a ideia de separação entre mente e corpo.. 34.

(37) valorando como menores, é natural que as pessoas desconheçam e nem desenvolvam a consciência do corpo comunicante e interditem qualquer expressividade que sintam seguindo apenas as normas de conduta socialmente aceitas. Neste sentido a linguagem oral teria sido decupada antes de ser pronunciada e talvez o sentido direto se perdido na formulação de uma ideia. A isso ele considera a valorização do cogito como algo que seja pré a constituição da palavra dita: “Nossa atitude natural não é sentir nossos próprios sentimentos ou aderir a nossos próprios prazeres, mas viver segundo as categorias sentimentais do ambiente” (MERLEAU-PONTY, 2011: 507). Corpos treinados para dançar mediados por movimentos coreografados podem perder a percepção do próprio movimento que executam. O método de perguntas permitia explorar um caminho para escoamento da emoção expressa em gestos e movimentos. As obras de Pina Bausch e todo o trabalho realizado com seus bailarinos foram reconhecidos em todo o mundo e exaltado por todas as artes. Ela deixou um legado que seus bailarinos dão continuidade mantendo em circulação suas coreografias e proliferando seu método de trabalho. Ela nos deixou em 2009. No ano de 2011 Wim Wenders nos presenteia com Pina Dance, Dance Otherwise We Are Lost, um filme documentário recheado de suas coreografias e dos relatos de seus bailarinos testemunhando a experiência que tiveram com esta importante artista.. 1.3.. A experiência vivida no corpo Embora Klauss Vianna (1990), não faça uma referência direta à Pina nas. obras que referencio nesta pesquisa, ele defende algo semelhante para o ensino da dança quando propõe que o mundo interno do bailarino não seja apartado durante a sua formação. Ele critica o modelo que valoriza apenas a forma estética do movimento:. 35.

(38) Na dança e em toda arte vivemos em função da forma, da aparência, da negação da essência. Vivemos o império da forma (VIANNA, 1990: 63).. Para ele, assim como para Pina Bausch, há uma conexão entre todas as artes, a particularidade de cada uma não deve ser apartada do processo de criação e no caso da dança é preciso implicar o bailarino contextualizando e proporcionando que ele tenha uma melhor leitura de seu meio e de si mesmo, em suas palavras e em concordância com Pina, ele diz: A dança é um ato de prazer, de vida, e só deixa de ser prazerosa e viva no momento em que passa a ser ginástica, exercício, competição de força e de ego. Uma aula não pode excluir a emoção: é preciso incorporá-la à aula. Então sou eu, com minha percepção, meus conhecimentos, vivências e emoções quem vai escolher o lugar na sala, quem vai levantar o braço, quem vai rodopiar – não é minha perna que vai subir porque o professor mandou. (VIANNA, 1990: 65). Seguindo esse pensar, os movimentos surgem a partir dos estímulos internos e das emoções particulares de cada um e se transformam em dança quando mediados no processo de aprendizagem. Então essa dança está fora das salas de aula, no cotidiano, numa espécie de laboratório onde o bailarino pode adotar uma postura de observador e pesquisador. Isso amplia a compreensão e a auto percepção do bailarino, no sentido, de vincular sua expressividade ao seu universo, um desejável caminho em direção a emancipação. Considero ser importante observar mais de perto essas personalidades revolucionárias, pois, elas revelam um processo de inquietação que promoveram movimentos de mudança na dança, de dentro para fora. O que então podemos pensar sobre o que é um corpo emancipado? Segundo Rancièri (2017), a emancipação não ocorre por um processo de escolarização onde um mestre, através da instrução, torna o discípulo emancipado. Para esse autor é preciso considerar os saberes já aprendidos e legitimá-los não invalidando a experiência. Esta consideração está apoiada na leitura de uma sociedade desigual que supõe: “aquele que obedece a uma 36.

(39) ordem deve, primeiramente, compreender a ordem dada e, em seguida, compreender que deve obedecê-la. Deve, portanto, ser já igual a seu mestre, para submeter-se a ele.” (RANCIÈRI, 2017: 11), isso demonstra uma sujeição hierárquica que é um reflexo da sociedade. Uma pessoa que não pode escolher pela desobediência, não está emancipada, pois não lhe é possível escapar dessa sujeição. O contrário seria tomar outras decisões e arcar com as consequências. Essa atitude ficou destacada em Isadora em seu processo de imersão e reconhecimento de seus desejos e inquietudes, expressa em sua dança que não mais cabia no estilo clássico. Mesmo contra toda cultura de costumes imposta a mulher, sobretudo na estética rígida que a bailarina reproduzia ela manteve a decisão de contestar. De outro modo, não menos revolucionário, Pina rompe com um modelo de criação artística e de direção. A seu favor está um movimento artístico que lhe dava pistas para investir em um método que fortaleceu a dança-teatro. Estes caminhos abertos permitiram a reflexão sobre processos criativos na dança resgatando a essência e a expressividade desta arte que não deveria ser marcante apenas experimentada no momento das apresentações, mas provocada durante todo seu processo de formação. Revisitar essas histórias e compreender os processos artísticos tem impacto na formação dos bailarinos desta contemporaneidade, no sentido de não tornar o espaço de aprendizagem sem vida como nos chama a atenção Klauss Vianna (1990). Implicar os sentimentos dos bailarinos desde sempre é aproximá-los de um processo de transformação pela experiência, daquilo que nos toca e desperta nossa percepção.. 37.

(40) Capitulo 2 Por que você dança?. A dança é uma forma de amolecer os poemas endurecidos do corpo. Uma forma de soltá-los das dobras, dos dedos dos pés, das unhas. VIVIANE MOSÉ “Receita para arrancar poemas presos”. Neste capítulo apresento a pesquisa qualitativa com entrevistas orais de bailarinos profissionais. As perguntas e as respostas não objetivam um lugar comum. Ao contrário, elas revelam uma experiência pessoal ancorada no pensamento da fenomenologia. É no corpo do bailarino que se dá essa manifestação artística que é única. É o que Merleau-Ponty (2011) afirma ser a significação que habita gestos. Pois enquanto ação dançante, a dança tece significações e sentidos, uma dimensão do agir humano em forma de expressividade artística criadora. Será que os bailarinos têm consciência dessa sua ação? Essa consciência acontece durante o exercício profissional sem uma intencionalidade, ao acaso, ou por uma busca pessoal. É mais comum que o bailarino se entenda como suporte para a criação do coreógrafo ou reproduzindo a aprendizagem tal qual recebeu em sua formação. “O que você sente quando dança? ” Essa foi a pergunta feita pela banca examinadora que avaliava o ingresso de novos alunos a uma importante escola de dança do Reino Unido na Inglaterra, no filme Billy Elliot6, lançado no ano de 2000, onde o jovem, que também dá nome ao filme, responde:. 6. Filme lançado no ano de 2000 de nacionalidade do Reino Unido, dirigido por Stephen Daldry, diretor de. teatro que fez sua estreia no cinema com esse filme que contrapõe o amor pela arte e pela liberdade à truculência da intolerância conservadora. “Billy Elliot (Jamie Bell) é um garoto de 11 anos que vive numa pequena cidade da Inglaterra, onde o principal meio de sustento são as minas da cidade. Obrigado pelo pai a treinar boxe, Billy fica fascinado com a magia do balé, com o qual tem contato através de aulas de dança clássica que são realizadas na mesma academia onde pratica boxe. Incentivado pela professora de. 38.

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