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O NOSSO DOCE DE CADA DIA

O hábito de comer é constituído pela aliança composta pelos termos: ‘memória’ e ‘tradição’, os quais dialogam com a ‘contemporaneidade’, definindo assim a ‘identidade’ de um grupo, de uma sociedade, de um país. Tal conceito é descrito por Lody (2008), que ao escrever seu livro teve como propósito a seguinte intenção: “[...] o que quero mesmo é afirmar essa incrível capacidade humana de interpretar o que se come... de simbolizar o que se come... de reinventar o que se come.”.

Segundo este mesmo autor comer não é apenas uma mera função rotineira de matar a fome. Ele enaltece essa ação ao encantamento gerado ao ato de viver; dizendo: “Tudo aquilo o que é escolhido para comer – forma, volume, cor, maneira de preparar e servir – tem significados, assume valores, [...]. Comer é existir enquanto indivíduo, enquanto história, enquanto cultura, dando sentido de pertencimento a uma comunidade, a um povo”.

Come-se as paisagens, os cenários, os ambientes... Também se compreende os utensílios de servir que compõem a ação íntima de comer – os serviços, a mesa organizada para dispor os objetos –, de escolher e dar sentido de prazer aos encontros para, então, provar, iniciar, preparar o paladar e assumir o sentimento humano de ser voraz, de trazer e rememorizar o longo processo da caça, da fartura representada na comida que assim determina o provedor. Vive-se o necessário sentimento da caça, nem que seja experimentada no açougue de um supermercado. (LODY, 2008, p. 24).

Sendo caracterizada como ponto de partida, a natureza foi a primeira fonte alimentícia da humanidade sendo doadora de frutas, raízes, folhas, da caça e da pesca. Ela também foi à base para a formação da sociedade brasileira, pois como é dito por Cotrim (2002), a chegada colonial portuguesa ao Brasil foi marcada pela produção da cana de açúcar (que é uma fruta), uma vez que essa produção geraria proteção ao território encontrado das ameaças espanholas e abastecia o mercado europeu (onde muito se consumia o açúcar), desse modo, colonizar o Brasil era um investimento produtivo.

Segundo Freyre (2004), a plantação da cana também se deu devido às condições propícias de solo e clima encontrados, principalmente, na região Nordeste do país. Sendo assim, fica evidente o que é dito por Belluzzo (2010), quando esta se refere à inserção da cultura do açúcar no Brasil ao afirmar que “nenhum doce nasceu das mãos generosas das nossas índias. Açúcar e sal são valores da mulher branca”. Então, desse modo, juntamente com as mudas da cana de açúcar, foi trazido, com povo português, além do hábito de comer doces, uma gama de várias outras possibilidades de receitas à culinária brasileira, como afirma Rego no trecho a seguir:

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É o açúcar, a alma do doce, que determina tecnologias, culinárias e estilos de tratar e desenvolver receitas que vão formando o acervo gastronômico do que vem da “cana”, além da maneira como as diferentes matrizes etnográficas vão criando, preservando e abrasileirando ingredientes e resultados de novos e de alguns já conhecidos sabores que particularizam uma cozinha em formação, a brasileira. (REGO, 2010, p. 11).

Como diz a canção: O Brasil é “um país tropical”, o qual exibe sua característica através da sua exuberante natureza, a qual afirma Lody (2010), “dentre os muitos símbolos desse Brasil tropical, de natureza variada e generosa, estão as frutas. Frutas carnudas, saborosas, de odores e de gostos especialíssimos.” As frutas do próprio Brasil e aquelas trazidas de outras regiões do planeta aderiram novo sabor ao serem preparadas com o açúcar, é o que explica Freyre (2004) quando faz a seguinte afirmação: “pois toda fruta adquire, uma vez açucarada, ‘novo ser’ [...]. As goiabadas, as marmeladas, os doces de caju perdiam o gosto da fruta para adquirir unicamente o de mel de engenho.”. Além desses, Belluzzo (2004), aponta uma gama de doces caseiros produzidos pelos escravos, por meio do açúcar mascavo, dos melados fornecidos pelos engenhos, e das furtas maduras. Ele, portanto, dentre outros sabores, pontua: a rapadura, os alfenins de açúcar, o leite e o açúcar, e enfatiza a goiabada, como sendo o melhor dos melhores doces servidos.

Conforme Gomes (1978), o cultivo da goiabeira tem sua origem na América Tropical. A goiaba vermelha é apontada por Rego (2010) como a mais apreciada em sabor, principalmente quando encontra-se no estágio de amadurecimento, em relação à goiaba branca, para ser consumida em in natura e para produção de doces em pasta, em calda ou de compota. A banana, que é originária da Ásia, conforme Belluzzo (2004); também marcou presença na mesa nacional, e o seu doce recebeu destaque, sendo bastante apreciado no Brasil - Colônia, como é dito Valle (2002) quando faz a seguinte afirmação:

John Luccock, comerciante inglês considerado um dos mais originais cronistas do Brasil - Colônia, em visita a São João Del Rei em 1808, conta que lhe ofereceram 29 variedades de frutas nacionais cultivadas nas vizinhanças da cidade, [...], transformadas em doce, as bananas mereciam respeito e elogios até na metrópole. (VALLE, 2002, p. 69).

Além da goiaba e da banana, o caju também merece destaque na origem da nossa nação, conforme o que é dito por Oliveira V. H., (2011). Inicialmente, ele diz que a fruta exercia função terapêutica e, era manipulada pela as mãos dos índios e, em seguida sua polpa já doce recebeu toques um pouco mais açucarados e, então também compôs as mesas das grandes casas. O fruto do cajueiro é dividido em dois extremos: o fruto, que é a castanha do caju, que se assemelha a um rim humano e possui uma cor amarronzada; e o pseudo-fruto que é a parte maior e macia, de cor

A bananeira não é uma árvore. Ela não possui tronco nem galhos; é, na verdade, uma erva- gigante, a maior da face da Terra. (VALLE,

75 variante entre o vermelho, alaranjado e amarelo. É dessa parte que se obtêm os sucos, os licores e os doces. Hoje, tal fruto ainda permanece presente em todo território do Brasil, todavia adapta-se melhor ao clima da Região Nordeste do nosso país.

Inúmeros doces, diz Freyre (2004), produzidos nas casas de engenho, tinham suas receitas mantidas quase em segredo. Essa descrição é justificada por Rego (2010), da seguinte maneira: “É um sentimento de busca pela receita excepcional, e por isso secreta, pela maior e melhor elaboração dos ingredientes, das caldas, das texturas únicas.”. Desse modo nota-se que os doces deveriam encantar como um amor à primeira vista, então, sendo assim verifica-se que além do sabor, grande era a importância dada à aparência do doce, “pois o doce, para ser gostoso, tem que ser bonito. Isso por que inicialmente se come com os olhos, depois se come com a boca, e finalmente se come com espírito.”, explica o mesmo autor.

O doce, além de testemunhar o desenvolvimento da sociedade, também acompanha e dar novo sentido às histórias particulares de cada indivíduo, pois “até hoje no Brasil, explica Rego (2010), oferecer um doce, partilhar um bolo, um doce em calda, uma receita especial de família, é um importante elo que celebra encontros, festas, fortalecimento de relações.” Desse modo, ele conclui que o doce presente em tais ocasiões facilita a aproximação entre as pessoas.

O Nordeste brasileiro, conforme o mesmo autor apresenta-se como área territorial do Brasil por excelência açucareira. Dentre os nove estados componentes desta região, é apontado por Lody (2008), com grande valorização, o estado de Pernambuco, por ter convivido com o doce e por isso ter como distintivo de sua identidade regional o prestígio de acolher em si uma ‘civilização’ marcada pelos canaviais, sendo possível assim apreciar o gosto de tal estado através de tudo o que é doce.

Trata-se de realização subjetiva, de experiência pessoal própria da formação do paladar, no caso de Pernambuco fundamentalmente orientada pela nostalgia do engenho, pela afirmação telúrica do doce mais doce, do melhor doce, da arte do doce que só os da terra sabem fazer, sabem expor na boca um sentimento de “lugar”. (LODY, 2008, p. 204).

Observado a cultura do açúcar e a sua presença contínua no desenvolvimento regional e individual, pode-se concluir com as palavras ditas Lody (2008), quando este ainda afirma que “sem dúvida, o doce celebra, identifica, nomeia, compõe e ainda alimenta, tem gosto e sabor, traz referência complexas do passado e do presente, indicando o futuro.”.

76 Conforme o Ministério da Educação e a Secretaria de

Educação Profissional e Tecnológica (Setec), em uma pesquisa realizada no ano de 2007 a respeito dos Doces e Geléias, não se sabem ao certo qual foi o exato momento em que o doce deixou de ser produzido unicamente para o consumo das famílias das casas de engenho e passou a ser produto de comercialização, contudo essa pesquisa revela que as primeiras iniciativas de comercializar o doce remontam à época do Império. Lody (2008), ainda menciona um pequeno registro sobre o início dessas negociações referente aos doces, dizendo: “tão gostosos e notáveis são os doces feitos em casa como os doces vendidos na rua.”.

Conforme a mesma pesquisa realizada pelo Ministério da Educação e pela Setec em 2007, mediante os dados prestados pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentação (ABIA), o mercado de doces gira em torno das pequenas empresas, as quais somavam, em 2005, cerca 550 empresas registradas e geravam mais de 15 mil empregos.

Quanto à classificação a ANVISA (1978), expõe que os doces podem ser de dois tipos: ‘simples’ (quando preparado com uma única espécie vegetal) e ‘misto’ (quando há misturas de mais de uma espécie vegetal). Além disso, ele também pode ser classificado conforme a sua consistência, podendo ser denominado ‘cremoso’ (quando a pasta é homogenia e de consistência mole, não oferecendo resistência ao corte) e ‘em massa’ (quando o doce apresenta-se de forma homogenia e que possibilite corte). Os doces em pasta também são definidos pela ANVISA na sua Resolução Normativa nº 9, de 1978, contendo o seguinte significado:

Doce em massa ou em pasta é o produto resultante do processamento adequado das partes comestíveis desintegradas de vegetais com açúcares, com ou sem adição de água, pectina, ajustador do pH e outros ingredientes e aditivos permitidos por estes padrões até uma consistência apropriada, sendo finalmente, acondicionado de forma a assegurar sua perfeita conservação. (ANVISA, 1978). Siqueira (2006) ainda destaca que o doce em massa se dá através do cozimento da mistura realizada entre a polpa da fruta com o açúcar até que seja alcançado um ponto tal que, ao esfriar, obtenha-se uma aparência gelatinosa. A ANVISA (1978) ainda destaca que a nomenclatura desses doces é estabelecida a partir do nome da fruta acrescendo-se o sufixo “ada”, como por exemplo: goiabada. Falando sobre ela, o Brasil, em uma pesquisa realizada pelo IEA (Instituto de Economia Agrícola) foi apontado como o maior produtor de goiabas vermelhas durante o ano de 2005. (ROCHA e BEMELMANS, 2006). Gomes (1900-1976) também diz que a goiabeira é uma das

A goiabada de Pernambuco por muito tempo foi um doce liturgicamente feito em casa. Se

hoje é um doce industrializado, em simples doce de lata, sem mistério nenhum e quase sem gosto [...], teve seu período de glória nos grandes dias da civilização patriarcal do açúcar.

77 maiores fontes de matéria-prima do Brasil, principalmente no Nordeste. Além da goiaba, outra cultura que também se destaca no desenvolvimento de doces em massa é a banana, e segundo a EMBRAPA (2011), a produção de tal espécie está distribuída por todo o território brasileiro, tendo maior concentração na Região Nordeste.

Freire apud Almeida (2009), afirmam que as “frutas utilizadas para a fabricação de doces podem ser também provenientes do descarte do processamento de frutas em calda ou compota”. Tais frutas, afirma Silva (2000), devem estar em ótimo estado de maturação, pois é nesse período que elas exibem melhores sabor, cor e aroma.

Conforme Gava (1984), a produção do doce em massa pode variar mediante a fruta utilizada. Ao serem recebidas nas indústrias de doce, as frutas que não estão estragadas, verdes ou com o grau de maturação elevado, isto é, estão adequadas ao preparo do doce são pré-selecionadas, e classificadas de acordo com o nível de maturação, cor, peso e tamanho. Após esse processo as frutas são lavadas, têm suas cascas removidas e são cortadas. Dependendo de qual seja a fruta utilizada, a etapa seguinte é a de separação entre a polpa e as sementes. Nas próximas fases as polpas são submetidas aos tratamentos de anti-oxidação e branqueamento, no primeiro deles, mergulham-se as polpas em uma solução ácida, e no segundo tratamento retira-se o ar dos seus tecidos, o qual é responsável pelo aspecto de escurecimento da polpa, e consequentemente do doce. Em seguida é misturada a polpa com o açúcar e tal formulação é submetida ao tratamento térmico até alcançar a consistência desejada, resultando desse modo no doce em massa.

Concluída essa etapa, o doce é cortado e acondicionado em recipientes apropriados para a comercialização e então, resfriados e rotulados. Ainda segundo Gava (1978), para este setor são preferidas embalagens estanhadas revestidas de verniz, ou pote de polipropilenos. Já conforme Freire (2009), as embalagens de vidro com fechamentos metálicos são constantemente usados para acondicionarem derivados de frutas, havendo variações quanto aos formatos, capacidade, sistema de abertura e rotulagem. Os rótulos, segundo a ANVISA (1978), devem designar corretamente o produto, além de declarar a lista de todos os ingredientes utilizados na preparação do doce, devendo também conter certificação de qualidade expedida pelo órgão federal, identificação do lote e a data de fabricação.

No Brasil, talvez os maiores goiabais se situem em Pernambuco. São notáveis os

goiabais dos municípios de Pesqueira, Belo Jardim, Caruaru, Buique, Bezerros, Pedra, São Caetano, Bonito,

Altinho (...) (GOMES, 1900- 1976, p.243)

78 Contudo, como dito anteriormente este segmento é constituído por muitas empresas de pequeno porte que agem na informalidade, o que torna difícil a possibilidade de aplicação de investimentos referentes à modernização de tais indústrias, resulta-se, com isso, em dificuldades que atingem diretamente a comercialização dos doces produzidos. Uma delas refere-se à atuação de equipamentos obsoletos, como exemplo pode-se citar o uso de filmes plásticos usados como embalagens, os quais são julgados pelos proprietários como suficientemente inadequados para atender o mercado. Tal obstáculo apontado por Silva (2001) referente a essa situação é claramente explicado, quando o autor diz:

Em uma tradicional empresa de doces, por exemplo, há o reconhecimento da necessidade de melhoria da tecnologia e de embalagem de seus produtos. No entanto, a substituição do processo manual de embalagem em filmes plásticos por caixas que favorecem o transporte e manuseio e são mais atraentes para o consumidor, até hoje foi impossibilitado pelo alto custo do equipamento. Além de não haver máquinas disponíveis para operação em pequena capacidade, a empresa seria obrigada a mobilizar recursos em capital de giro para a compra das caixas em envase, que são vendidas em volumes mínimos não compatíveis com as necessidades da empresa. (SILVA, 2001, p. 119)

Em uma abordagem mais atual, é afirmado por Blessa (2010, p. 162) que os “produtos orgânicos” estão tendo um rápido desenvolvimento e estão transformando as pequenas e médias empresas em empresas de porte. O resultado dessa transformação está acontecendo aos poucos, uma vez que tais empresas vão deixando o fundo dos supermercados para disputar os stands da frente com as grandes multinacionais da alimentação. Então, para obter-se uma boa comercialização dos doces industriais nos supermercados é necessário um bom desempenho comunicacional existente entre o consumidor e os doces. No ato da compra essa comunicação é realizada através da embalagem. Contudo, ainda hoje, conforme o que foi dito por Silva (2001), nesse segmento, uma determinada marca é exposta sem grandes diferenças quanto aos aspectos estéticos das demais; além disso, a apresentação ao público consumidor é realizada através de um material desprovido de características que promovam atração. Por isso, é necessário conhecer a relevância do design de embalagens para que se possam obter bons resultados relacionados ao requisito denominado: vendas.

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